blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Fechado para balanço

Como qualquer boa loja de roupa ou café manhoso fazem, também ou o poema contínuo encerrará para balanço nestes últimos dias do ano. Trata-se de um pequeno período necessário para que o próprio blog, como coisa independente do seu autor e dos seus leitores, descanse e pense na sua vida. 
É um tempo para que o blog pense sobre o que andou a fazer este ano. Nas pessoas que deixou cá entrar (o marmanjo que escreve os posts; os que foram referidos, sabendo ou não, "conhecidos" ou não, nos textos; cada uma das pessoas que comentou os vários textos e imagens; cada um daqueles que, menos interactivo, não deixou de encontrar aqui um "lugar" que fosse verdadeiramente seu), nos pensamentos que por cá andaram, em tudo o que cá foi feito.
ou o poema contínuo vai aproveitar estes dias até à entrada do novo ano para o seu retiro anual de silêncio, não fosse ele [o silêncio] a condição da escuta, e não fosse este blog, ou pelo menos não quisesse ser, um espaço de escuta (não fosse o seu autor um aprendiz de teólogo, e não fosse a teologia a ciência da escuta).
Até ao novo ano, ou o poema contínuo vai rezar as orações que o seu autor cá escreveu. As orações, os poemas, as parvoíces, as pessoas que cá aparecem. Tudo. O blog vai rezar tudo, para entrar no novo ano com nova força e novo vigor (sem caras novas nem grandes inovações XPTO, mas com a força e o vigor que o silêncio, ainda que de apenas três dias e pouco, sempre permite).
Abraço a todos e até 2012!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Desejos de um Santo Natal!

 Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.
Καὶ ὁ λόγος σὰρξ ἐγένετο καὶ ἐσκήνωσεν ἐν ἡμῖν, καὶ ἐθεασάμεθα τὴν δόξαν αὐτοῦ, δόξαν ὡς μονογενοῦς παρὰ πατρός, πλήρης χάριτος καὶ ἀληθείας.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus. E o Verbo fez-se carne e acampou connosco, e nós vimos a sua glória, a glória do unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade.

Jo 1, 1.14
 
DO LIVRO DOS NÚMEROS

Como são penetrantes os vales que se prolongam nos olhos que
                               [transbordam de visões
Transbordam como cântaros à beira da corrente
Como aloés plantados ao redor do acampamento
Como imagens de cedros vindo à memória de repente
Transbordam as palavras de quem vê e cai
Com os olhos cheios de sementes

Ele vê, mas não é para agora
Ele contempla, mas não de perto
Planta cedros para os anos futuros
Carrega cântaros para a sede que vem

Como são belas moradas as crianças prolongando-se
Como as palavras de Balaão que sopra nos juncos
Palavras do homem no lugar penetrante
De quem ouve. Palavras
De quem cai em êxtase e se ergue pelo tacto

Contempla por entre os aloés e os dedos
A criança que acampou connosco agora
O menino que abre uma estrela e nos convoca
Ele contempla. Ele vem. Ele é um cedro que transborda

Palavras de quem vê e derrama
Os olhos e os cântaros sobre si

Daniel Faria

Desejo a todos os que por aqui passam um Santo Natal! Que a celebração de Deus feito Homem seja a do encontro entre os homens.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

o meu problema com o teu problema

quando te foste embora com um olhar cansado, um rosto preocupado, uma promessa de um caminho solitário em silêncio e o desejo de um diálogo com animais que não te respondem, lembrei-me porque há uns anos me tornei uma besta que não tem verdadeiros sentimentos por quase ninguém.
afinal, já quase me esquecia, a amizade faz sofrer. e não me estou a referir ao fim das relações, nem às saudades que a distância cria quando estamos longe. estou-me a referir às dores de cabeça, às coisas estúpidas que se faz ao cabelo nos transportes públicos para ocupar as mãos preocupadas, a essas coisas que se ganham quando um amigo verdadeiro tem um problema. porque, afinal, nessas alturas nada me serve: nem os conhecimentos teóricos de antropologia filosófica, que me mostrariam que afinal o homem é mesmo limitado e não posso fazer nada para ajudar, nem os ombros amigos que se oferecem, quando o que se precisa é de milagres, nem sequer aquela indignação solidária, que transforma em qualquer coisa sobre-humana um simples momento de catarse. não servem de nada as metáforas das dores por que a mãe passa para poder ter a alegria de ver nascer um filho, nem dessas coisas todas das dores e sofrimentos necessários para as coisas mesmo boas. 
a verdade é que diante do teu problema não posso fazer nada, e para mim é difícil lidar com isso. a verdade é que diante da minha preocupação genuína contigo não posso fazer nada, e para mim é difícil lidar com isso. a verdade é que perante o facto de gostar genuinamente de ti (descansa, como de outros amigos com outros problemas que me causam outras dores) não posso fazer nada, e para mim é difícil lidar com isso. porque, afinal, nestes momentos só sirvo mesmo para ter dores e reconhecer que não posso fazer nada. que não passo de um inútil. de um inútil que não pode fazer mais que gostar das pessoas, trazer ao seu coração os problemas dos amigos, sofrer com eles e oferecer esse sofrimento a Deus. 
obrigado por me reensinares o que é ter amigos verdadeiros, dos que estão lá sempre, que falam das coisas sérias e das outras, que se tocam, que se riem e que sofrem dores quando os outros têm problemas. obrigado por me lembrares, como alguns outros amigos, que a amizade pode sempre ter lugar e podemos sempre surpreender-nos. obrigado.

Emigrar

mas hoje anuncio que me despeço
à procura de um país de árvores
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

os senhores sérios mandam-me emigrar
e eu quero responder ao seu apelo
ir para um outro país
mas não um desses que já existem
quero ir em busca de um país de árvores
de mar, de vales e de montanhas,

de pessoas,
pessoas que ainda amem

Autobiografia (xv)

ou

ORAÇÃO DE UM PROFESSOR DE MORAL AO CABO DE MUITAS REUNIÕES

«Meu filho, se entrares para o serviço de Deus,
prepara a tua alma para a demora.»

«Meu filho, se entrares para o serviço de Deus,
prepara a tua alma para a provação.»

(Sir 2, 1)

Músicas in memoriam

No meio de todo um conjunto interminável de reuniões que me recordam que não sou o Santo António, há sempre espaço para ouvir (e ouvir outra vez, e outra vez, e outra vez) esta música, que me traz múltiplas recordações, daquelas que mexem com o meu coração. Fazem-me lembrar os tempos em que a liturgia era, para mim, uma coisa bonita, a beleza do tempo do Advento e de tudo o que ele comporta de tempo de espera e de certeza (nunca hei-de deixar de me emocionar com o capítulo 5 do Cântico dos Cânticos), o dom do bom gosto cultural que Deus distribui pelos meus amigos e que me faz ser um privilegiado, ainda que sem mérito para isso. Ouvir esta versão do Rorate quase me faz esquecer que ainda tenho mais uma série de reuniões e de coisas para fazer. Mais importante, faz-me lembrar que toda a experiência de oração nos transporta para fora do tempo, porque para o lugar de Deus.


sábado, 17 de dezembro de 2011

Novena do Natal

Começa hoje a novena de preparação do Natal do Senhor. Para os interessados em rezá-la, deixo aqui a Antífona de hoje em gregoriano e a partitura de «Infeliz Adão não chores», texto popular do Oeste do Patriarcado a partir das referidas Antífonas. Vamos preparar-nos para celebrar o nascimento de Jesus!



sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A casa da ciência

ou o sucesso do jool.com.pt

Numa aula do meu curso, um professor dizia que o sucesso das ciências humanas e, dentro destas, da teologia em particular, só ocorrerá quando for reconhecido o seu lugar na casa da ciência. Segundo ele, o problema é que hoje o termo «ciência» se confunde com a ciência experimental e com as chamadas ciências exactas; tudo o resto é como que desprezado no seu valor científico. 
Isto tudo para dizer que as ciências humanas, na medida em que lidam mais com palavras e com cultura do que as outras, quer queiramos quer não incluí-las na casa da ciência, podem sempre ser-nos úteis. Hoje, ao percorrer o feed de notícias do facebook, deparei-me com algumas expressões de indignação de pessoas que são meus contactos perante uma notícia segundo a qual o governo estaria a considerar mudar a data do Natal. Ainda que bastasse o ridículo da própria frase, que logo denunciaria o seu teor cómico, socorri-me da ciência: tratei logo de confirmar a fonte da notícia, verificando que era o jornal tv65.net, que se assume como um jornal «onde a notícia é pura imaginação da equipa de redação» [escrita segundo o novo acordo é da responsabilidade das pessoas do jornal!].
As pessoas desabituaram-se da confirmação de fontes, e depois dá nisto. Também, assumo que sítios como o facebook nos tornam pessoas mais acríticas, no sentido em que damos por nós a partilhar coisas com as quais se calhar nem sequer concordamos, mas porque outro amigo partilhou, ou porque tem umas cenas giras ao início também partilhamos. As pessoas assumiram, erradamente, que tudo quanto se encontra na internet é credível.
Pior, para mim, é o contributo da televisão para este estado de coisas. Se o assunto é economia, lá temos um senhor economista todo engravatado no telejornal a explicar-nos coisas. Se o assunto é matemática, tem de ser um matemático a falar, que isso não é coisa que as pessoas dominem. Já se o tema for religião, não precisamos de chamar os teólogos, antes as velhas que passam na rua Augusta. Se o tema for geografia, o melhor é dar a palavra à Cátia da casa dos segredos, que concerteza nos esclarecerá melhor que um geógrafo. Se se tratar de História, satisfazemo-nos com um contador de histórias a fazer propaganda fascista, em vez de ouvirmos verdadeiros especialistas.
Em tempo de revisão curricular nas escolas, gostava que alguém de direito olhasse para isto... Que na revisão dos currículos não se esqueçam das ciências humanas e não escorracem a teologia, porque tirar umas e outra é dar o primeiro passo para criar uma sociedade de gente burra que nem uma porta. Se for essa sociedade que querem, uma coisa fica desde já dita: não contem comigo!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Só estúpido (intuições sobre o emagrecimento)

No acto nobre de emagrecer
há toda uma reconciliação com os ossos
que, causando uma certa alegria,
alguma satisfação,
não deixa de me causar estranheza,
uma forma de repulsa.

(Haiku) popular português

Todos têm grandes vidas
menos eu.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Santo da noite escura

Era impossível deixar passar em claro o dia de um dos meus Santos favoritos, São João da Cruz. Lembro-o nos múltiplos sentidos em que é para nós exemplo: santidade, claro, radicalidade de vida, qualidade poética. É notável a quantidade de pessoas que foram influenciadas por este homem do longínquo século XVI, como Hans Urs von Balthasar ou Adília Lopes. É interessantíssimo como muitas das intuições teológicas que se desenvolvem no século XX são já as de João da Cruz. É fenomenal a visão que este Santo tinha da fé, num tempo em que não se compreende que ela possa ser também tempo de silêncio de Deus, de noite espiritual, de radical solidão e abandono.
Precisamos hoje como nunca de voltar aos textos de São João da Cruz (até para compreender outros mais actuais, como a autobiografia de Madre Teresa de Calcutá), ainda por cima quando as suas Obras Completas estão traduzidas para português e se encontram a um preço relativamente acessível. 
Porque São João da Cruz é o padroeiro dos poetas, partilho hoje este poema de Maurice Bellet, que pode bem ter como fundo a espiritualidade do Santo de hoje.

Edificar o poema de Deus
É construir a imagem de Deus para a apagar, 
Apagá-la para conhecer Deus.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Escritores que me aterram

A ver, sem dúvida, esta entrevista de Gonçalo M. Tavares a Marcelo Rebelo de Sousa e Júlio Magalhães. Continuo cada vez mais a perceber que os romancistas se tornam os novos filósofos e, por que não, até os novos teólogos, no sentido em que são aqueles que, olhando fora da realidade, a descobrem na sua verdade. Adoro a intuição de que abrir um livro é como entrar numa igreja, e de que hoje, quando me pedem para rezar, só me lembro da tabuada.

Podem ler e ouvir, clicando aqui.

Em minha casa não há chaminé

Nunca acreditei que as prendas de Natal fossem trazidas por senhores gordos que descem chaminé abaixo. Felizmente, a minha casa não tem chaminé, ou melhor, tem um pequeno buraquinho por onde o fumo sobe para o sótão desocupado, mas onde é impossível caberem senhores gordos com prendas. 
Os meus pais sempre me disseram que era o Menino Jesus quem trazia os presentes. Durante uns anos, ainda acreditei que Ele, como Senhor do Universo, tinha as chaves de minha casa e vinha lá pôr os presentes enquanto estávamos na Missa da meia-noite. Depois, ainda com uns seis, sete anos, a minha mãe explicou-me que não se tratava do Menino Jesus em pessoa que andava mundo fora numa carrinha da DHL e com um bruto molho de chaves, mas antes eram os meus pais que compravam as coisas com a força dada pela fé nesse Deus que se faz menino.
Conto esta história para dizer que desde pequeno me assentaram os pés na terra em relação ao Natal. Não se trata de nenhuma época mágica, de reunião familiar, de solidariedade nem de nada disso que as pessoas dizem que é. O Natal é uma coisa bastante simples (embora ao mesmo tempo não tão simples): Deus faz-se homem. E isso é um mistério grande demais, tanto que Paulo de Tarso o definiu como «escândalo para os judeus e idiotice para os gregos». Deus fazer-se homem está para lá de toda a magia, de todas as festas de família, de toda a solidariedade. Percebi que ser solidário no Natal, tal como reunir a família e distribuir presentes só tem sentido se isso for feito como forma de entrar no mistério de Deus a fazer-se homem, se nos centrarmos em Jesus e nos esquecermos dos nossos umbigos.
Irrita-me que se centre a solidariedade no Natal sem sequer já nos lembrarmos do porquê de ser uma época que puxa especialmente por esse valor (se Deus mesmo se faz homem, então todos os homens devem procurar atingir o máximo de humanidade, ser reconhecidos como pessoas dignas). Chateia-me que o Natal se reduza a festa da família, como se durante o resto do ano a família não interessasse para nada (até costumo perguntar aos meus alunos, quando falamos sobre esta festa, se será Natal em Agosto se juntar a família para uma churrascada).
Mas o que me deixa mesmo triste é que o Natal já não seja aquilo que, repito, é, tão simplesmente e ao mesmo tempo tanto acima da nossa razão: a celebração do עמנואל, Deus connosco, Deus feito homem. Até porque, como disse atrás, se recentrarmos a festa naquilo que ela é, descobrir-nos-emos mais solidários e com mais vontade de juntar a família. Se nos voltarmos de novo para o sentido desta festa, vamos perceber porque é que se começou a falar nos gordos que descem chaminés (ou antes nos Bispos que distribuíam presentes?) e nas árvores de folha perene que se enfeitam (porque nasceu Aquele que morrerá jamais).

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Se isto fosse, afinal, a minha vida

a propósito desta notícia

Um dia decidi, como todos os homens a sério, ser apenas racional. Na sociedade de hoje, ser racional implica pôr o dinheiro à frente de tudo o resto e eu, como homem a sério, assim fiz. Comecei a fazer contas e percebi que esta coisa de ter amigos me andava a dar cabo da carteira. Então, como não me queria tornar, pelo menos à partida, num anti-social, comecei a cortar naqueles que só via de vez em quando (numa festa de anos, num casamento, por acaso numa qualquer rua, na internet...). «Se só os vejo de vez em quando é porque, afinal, não servem para nada. Vou acabar com isto de lhes pagar cafés e de ir ao encontro deles». 
Voltei a fazer contas e - raios! - mesmo sem estas pessoas continuava a viver acima das minhas possibilidades. Decidi, então, cortar em mais um tipo de amigos. Desta vez, escolhi os que tinham relações com outras pessoas. «Espera lá, se deixares de te encontrar com os amigos que têm mulher e com as amigas que têm homem também ficas a poupar. Pelo menos eles que não tragam mais essas "malas" atrás, que isto a vida está difícil para todos, e se ainda há dinheiro para duas sandes, para três já se acabou». 
Peguei novamente na calculadora (sim, que mesmo depois de já ter perdido tantos amigos ainda não tinha aprendido a fazer contas sozinho!) e, espanto dos espantos, continuava a viver acima do que posso. Então, peguei no grupo de amigos que restava, escolhi um ou outro mais importante, e disse aos outros que só podia passar com eles metade do tempo que até então passávamos, porque a vida está difícil para todos e tinha de me deixar dessas aventuras de estar com pessoas. Ainda decidi que havia outros amigos que podiam deixar de o ser por uns tempos: podíamos fazer uns anos de intervalo na nossa amizade e voltaríamos a ver-nos quando fôssemos mais velhos e responsáveis.
Quando dei por mim, estava só com um ou dois amigos. Esses, de facto, começaram a andar muito mais tempo comigo, tornámo-nos inseparáveis, mas as nossas vidas eram agora mais pobres, porque se limitavam a um círculo fechado. Dei por mim a ficar mais burro, mais triste, mais só, porque uma vida pequenina faz pequenino aquele que a vive. Poupar dinheiro, afinal, não me serviu de nada, só me arranjou uma valente depressão...

Nota do autor: Para relacionar este texto com a notícia sugerida no topo, basta substituir os amigos que se vêem de vez em quando por Educação Musical, Formação Cívica, Educação Moral e Religiosa, etc., os amigos acompanhados por EVT e os amigos com que se passa a estar apenas metade do tempo, ou de quem devia deixar de ser amigo por uns tempos, por História, Geografia, Ciências Naturais, Educação Visual, etc.. É triste que as pessoas olhem apenas para o dinheiro e não percebam que um homem com uma formação menos global é um homem mais burro, mais triste e mais só. De que vale saber escrever se não há assunto para a escrita, e de que vale saber fazer contas se elas são sempre sobre coisas abstractas?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Dicas de nutrição

A crise económica tem-me ajudado a emagrecer.

O rapaz que não sabia andar de metro sozinho

Havia um rapaz que não sabia andar de metro sozinho. Invariavelmente, apanhava o comboio na direcção errada. O problema não estava numa incapacidade de leitura, visto que ele lia bem e até sabia uma ou outra língua estrangeira. Parecia antes uma espécie de bloqueio, uma espécie de atracção pelo abismo, que ouvi uma vez ser marca distintiva dos que se tornam adultos.
Tomar o comboio errado nem sequer era o maior dos problemas, mas apenas uma parte. O maior problema é que porque aconteceu uma e outra vez enganar-se, o rapaz deixou pura e simplesmente de andar de metro. O medo do erro apagou-lhe a capacidade de arriscar. O medo do risco tirou-lhe a possibilidade da esperança de mudança. E é isso que mata tudo. Porque o próximo comboio, pode trazer lá apenas a solidão mas pode sempre trazer lá dentro ainda uma réstia do amor, e isso vale uma vida.

O homem que usava sapatos de mulher

As crises podem sempre criar situações que nos causam espanto. As interiores e as exteriores. A provar isto mesmo - e como a tão falada crise financeira não é de agora, veio-me hoje à memória a imagem de um senhor que usava sapatos de mulher, na gare de autocarros de Leiria.
As crises vêm-nos lembrar a necessidade de sermos ousados e criativos, fazem-nos ir mais longe. Lembro-me que o senhor com sapatos de mulher não estava sozinho, estava entre outros homens conversando com normalidade. No entanto, não teve medo do ridículo, não teve medo de arriscar, precisou de encontrar uma solução para o seu problema. Olhar para ele fez-me lembrar como os portugueses são, de facto, desenrascados: para um problema (andar descalço) uma rápida solução (usar sapatos de mulher, já que uma vez que se produzem mais os preços são mais baixos).
O desafio que o homem que usa sapatos de mulher me deixa é o de saber ser assim desenrascado nas crises interiores. O homem obriga-me a perder a vergonha e a arriscar, positivamente. O homem obriga-me a pensar que se soubermos, como povo, ser desenrascados na resolução das nossas crises interiores constantes (precisamos de aprender que as crises podem ser - e são - uma coisa positiva) teremos menos crises exteriores.

sábado, 3 de dezembro de 2011

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Oratio brevis

ἰδοὺ καινὰ ποιῶ πάντα (Ap 21, 5)

Senhor,
perdoa-lhes porque querem viver tudo de todas as maneiras.


Ensina-lhes - e a mim, Senhor, e a mim! -
que não precisam disso,
porque Tu renovas todas as coisas!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Versos de um monge

Parei no silêncio
a ouvir o canto dos pássaros

e o tempo em mim parou
enquanto passava lá fora

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Resto de solidão e resto de companhia

O capítulo vinte e um de um dos meus livros preferidos, a máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe, tem como título «precisava deste resto de solidão para aprender sobre este resto de companhia». Desde a primeira vez que li essa frase que me ficou na memória. Para uma pessoa que vive uma solidão mais ou menos voluntária, não deixa de ser marcante esta frase, pois qualquer resto de companhia vem iluminar a minha solidão.
De há uns anos para cá, habituei-me a viver sozinho. Não num sentido real, porque sempre partilhei casa com outras pessoas, mas num sentido mais espiritual. Desabituei-me dos afectos e aprendi a viver assim. Hoje percebo como isso me tornou uma pessoa difícil, com dificuldade em lidar com elogios, com abraços e com beijos e com essas coisas todas.
Nos últimos tempos, como nunca, e ainda que graças a uma conjugação de diversos factores exteriores a mim, tenho-me apercebido da fecundidade que a solidão afinal pode trazer (ainda que no meu caso possa ser [não consigo ainda discernir se será ou não] passageira), pois faz-nos valorizar ainda mais a companhia. Entre colegas do tempo do Seminário que são ordenados, amigos com quem saí (por acaso, por causa da ordenação dos colegas...), colegas de trabalho que falam comigo fora do horário de trabalho, têm-se sucedido marcas de companhia (as tais de que me desabituei: continua a não haver beijos, coisa que não me importa particularmente, mas tem havido muitos abraços e elogios à minha pessoa). E cada uma delas me surge como um milagre, como que a lembrar que a vida se joga hic et nunc. A minha solidão fez-me, mesmo, aprender que há sempre um resto de companhia. Que há sempre um amigo que gosta de mim, que há sempre uma colega que acha que vale a pena ouvir o que tenho para dizer, que há sempre um Deus que não me deixa e que - espante-se! - morreu por mim. Ressuscitou por mim. E tudo isso, por causa da solidão, me faz ver que quem ganha sempre é a companhia.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Invenções que a contemporaneidade esqueceu

não necessariamente invenções; globalmente, coisas


1. Gratidão (dizer «obrigado»)
2. Uso do imperfeito de cortesia («queria» em vez de «quero»)
3. Convenções linguísticas («copo de água» vs. «copo com água»)
4. Cintura
5. Cinto
6. Headphones
7. Silêncio (até no metro e nos elevadores há música)
8. Caridade/solidariedade (que já é coisa que se resume à época do Natal, de forma quase instituída)
9. Cultura/Arte
10. Ciência (em sentido lato)

A igreja-caravela

Finalmente está pronta a igreja-caravela do Restelo, dedicada a São Francisco Xavier. Trata-se de um edifício que ficará na história, no mesmo sentido em que fica a interpretação de Conquest of Paradise, de Vangelis, pela Banda Filarmónica Sanjorgense: quando olharmos para ela, vemos estampada a mensagem «Por favor, não volte a fazer uma igreja assim!»
O problema, múltiplo, repete-se infelizmente pelo Patriarcado de Lisboa a fora (falo do Patriarcado de Lisboa por ser a realidade que conheço melhor; provavelmente a situação multiplicar-se-á pelo país se não mesmo pelo mundo...). Além desta igreja-caravela, existirá a igreja-supositório de Miraflores e existem bastantes igrejas-salão, sobretudo na região Oeste [aqui, entenda-se por igreja-salão não o conceito que conhecemos da arquitectura e da história de arte, que é o de uma igreja com naves da mesma altura e que transmita uma sensação de amplitude, mas antes o de igrejas com salão de festas incorporado, como há em Campelos, no Outeiro da Cabeça e, fora do Oeste, na Cruz Quebrada, para deixar apenas três exemplos] - obras que, ainda que aprovadas pelo Secretariado Diocesano das Novas Igrejas têm muito pouco do que um templo católico deve ser. Uma igreja católica deve ser um espaço que possibilita o encontro comunitário, sem dúvida, mas também o silêncio. Deve ser um espaço que manifesta a grandeza e o poder de Deus, mas ao mesmo tempo deve ser simples e prática. Deve, sempre, fazer-nos cair de joelhos, mas fazê-lo por ser um local que nos convida à oração, não por ficarmos espantados com tamanha obra humana. Deve transportar-nos para o mundo de Deus e não fazer-nos louvar os homens que a fizeram (seja em que ponto da obra for, desde arquitectos, engenheiros, artistas que tratam da parte de imagens e alfaias litúrgicas, etc.) - exemplo disso é o Mosteiro dos Jerónimos, qualquer uma das Sés antigas ou o presbitério da igreja da Santíssima Trindade de Fátima (excepção feita à imagem do Crucificado, de gosto bastante discutível).
Além desta questão do respeito pelas normas arquitectónicas do que deve ser uma igreja católica, põe-se ainda a questão do valor monetário de tais obras. Se não deixo de concordar com a afirmação que muitos fazem de que só se faz, na Igreja, a construção de obras ou a aquisição de peças artísticas mais dispendiosas porque queremos oferecer o melhor a Deus, não deixo de achar triste que, independentemente de estarmos ou não em crise, se construam igrejas que sobrecarregam as comunidades cristãs durante décadas quando essas obras, muitas vezes, nem são as que mais beneficiam as referidas comunidades (trocado por miúdos, não acho que devêssemos andar todos a celebrar Missa em barracões com chapa de zinco, mas também não é preciso que as igrejas custem largos milhões de euros quando o seu valor arquitectónico, considerando o seu fim, está pouco acima daquele do dito barracão). Infelizmente, também aqui não faltam exemplos: a caravela do Restelo e o supositório de Miraflores serão só mais duas a somar a uma lista extensa, onde sobressai a igreja dos Pastorinhos de Alverca.
O terceiro problema, com o qual acabarei esta minha reflexão, é o de haverem cada vez menos artistas católicos, ou melhor, verdadeiramente católicos. Se os houvesse, teríamos mais gente a trabalhar graciosamente neste tipo de trabalhos, e com outro tipo de consciência do espaço que estão a criar. É difícil que uma igreja seja uma igreja se quem a desenha não saiba o que se lá faz e como se faz (como será difícil desenhar um centro comercial se quem o desenha nunca foi às compras nem deseja ir, por exemplo). É difícil desenhar um Cristo se nunca ouvi falar dele. É difícil desenhar o Céu se não sei que raio seja isso...
Assim, hoje como sempre precisamos de artistas católicos. Precisamos de católicos.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Preciso de explicações...

Um dia alguém há-de me explicar o que é, afinal, uma família católica. Amigos meus - que não deixarão de ser meus amigos por causa do que disseram, e espero que não deixem de ser meus amigos por estar a pôr agora esta questão... - identificam-se como oriundos de uma família católica, para depois dizer que durante uma data de anos não iam à Missa, ou que durante determinado período iam à Missa de quando em vez, quando dava mais jeito ou quando sentiam mais necessidade.
Para mim é difícil compreender estas famílias católicas que não vão à Missa, ou que só vão quando calha. É difícil porque nasci numa família verdadeiramente católica, onde se vai à Missa todos os domingos, onde se reza todos os dias... É-me difícil compreender que famílias que se dizem católicas justifiquem que não iam sempre à Missa porque não há celebração todas as semanas na sua terra, quando pessoas da minha família faziam cinco e seis quilómetros a pé para se encontrar com a sua comunidade cristã. É-me difícil compreender que pessoas que vão ser voz pública da Igreja tenham uma noção tão pobre e desrespeitadora do que é uma família católica. Assim, como convencer as pessoas a ir à Missa se são católicas indo ou não indo? Como falar da relação com Cristo como compromisso sério quando sou tão comprometido gastando o meu tempo com a minha comunidade ou ficando a dormir até mais tarde?
Eugénio de Andrade, no seu poema Adeus, diz que «já gastámos as palavras». Eu penso que nestes problemas das famílias católicas ou não católicas o problema é precisamente esse. As pessoas se calhar às vezes pensam mesmo que já gastámos as palavras e o melhor é poupá-las, mas estes são assuntos em que o melhor é não deixar nada por dizer para não criar equívocos e permitir leituras erradas. Se vieram de uma família onde se cultivam alguns valores da moral e da espiritualidade cristãs (ou seja, onde se reza e onde, globlamente, se ensinam os valores cristãos [respeito pelo outro, não ser vingativo, etc.]) digam que é daí que vêm. Agora não digam que vêm de uma família católica que não vai à Missa. Porque essa, que me desculpem, não é uma família católica. Ou é, se quiserem que entremos nos termos em que fala, a propósito dos «católicos não-praticantes» [a propósito, outra categoria fabulosa que continua a ser usada por pessoas do espaço católico, quando alguns teólogos já encontraram a expressão, a meu ver bem mais feliz, de «católicos culturais»], Valter Hugo Mãe: «como os que dizem que são católicos mas não fazem nada do que um católico tem para fazer, não comungam, não rezam e não param de pecar» (A máquina de fazer espanhóis, Carnaxide, Alfaguara, 2010, p. 181).

domingo, 20 de novembro de 2011

Aritmética episcopal

Trabalho feito por mim para o seminário «Leituras teológicas de Hans Urs von Balthasar», do curso de MIT em Teologia, avaliado pelo professor Nuno Brás Martins - 18 valores.

Mensagem de D. Nuno Brás Martins na sua Ordenação Episcopal, avaliada por mim - 20 valores.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Viagem ao país da técnica

a propósito do mais recente vídeo da revista sábado

Acompanhando as redes sociais, tenho reparado na indignação de muitos face a uma entrevista da sábado a universitários portugueses. Obviamente, também me sinto triste por viver num país de gente inculta, particularmente quando essa gente está em vias de obter qualificação superior. Mas, mais do que isso, sinto-me triste por viver num país onde, desde que se começou a ter uma verdadeira política educativa,  sempre se privilegiou a atribuição de diplomas em detrimento da instrução. 
Logo nos tempos do Estado Novo (período, de resto, designado por gente com formação académica como "Antigo Regime", sem que isso choque ninguém) interessava mais acabar, ao menos, a quarta classe do que saber, efectivamente, ler e escrever. Era importantíssimo saber os rios e caminhos-de-ferro das colónias ultra-marinas, ainda que se tivesse dificuldade em ler uma palavra trissilábica ou, de outra qualquer forma, mais complicada. 
À medida que a escolaridade obrigatória foi aumentando, a preocupação continuou a mesma: dar diplomas. Diplomas de 6.º, diplomas de 9.º, diplomas de 12.º, diplomas universitários. A esses diplomas nunca correspondeu efectiva aquisição de conhecimentos básicos (diga-se, sobretudo, ao nível da escrita e da leitura) nem muito menos interesse cultural. E esse é um problema grave, porque os que hoje formam já foram formados no mesmo sistema e são, eles também, e com muita mágoa o digo [sem entrar em generalizações, todos nós conhecemos felizes excepções a esta regra e graças a Deus que assim é!], gente que não domina bem a língua portuguesa e que não é particularmente culta. Façam perguntas de artes a professores de línguas, perguntas de gramática a professores de ginástica, perguntas de desporto a professores de ciências ou de religião a professores de matemática e logo verão as respostas.
O problema disto tem a ver com uma tendência para a especialização, embora hoje esta não seja verdadeiramente em nada (uma vez que se acabou com uma das poucas coisas decentes do sistema educativo da ditadura, o ensino técnico). Não se quer uma educação global e integral da pessoa e depois acaba-se com pessoas que não sabem nada: não chegam a ser suficientemente bons na sua área de especialidade e não se interessam por mais nada. Não lêem livros, a menos que sejam do jornalista da moda ou autobiografias de gente sem especial interesse, não vêem filmes de jeito, só ouvem música nas rádios comerciais, só falam sobre trabalho ou sobre as vidas dos outros.
Eu, que procuro o mais que posso fugir deste esquema, quer enquanto formado quer enquanto formador, acho que devemos dar atenção a estes alertas, antes que seja tarde demais para sairmos deste estado de miséria cultural e, por que não, espiritual.

Autobiografia (xiv)

ou

DISTÂNCIA ENTRE PENSAR E AGIR

o bloqueio que eu próprio vejo que tenho é, afinal, a tua possibilidade de ainda guardares um segredo

«Um calvário» - António Marujo a falar sobre esterco

Lindo, este artigo sobre o último "livro" de José Rodrigues dos Santos.



fonte: tribo de Jacob

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Em desacordo com o Acordo

Eu, pessoa que discorda da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, aprovado por um Cavaco Silva que nem se lembra de o ter feito, não posso deixar de expressar a minha tristeza pelo facto de uma grande parte dos portugueses que estão contra a entrada em vigor das novas regras ortográficas só o fazerem por patriotismo bacoco - por que não mesmo por xenofobia e racismo! - e não por um efectivo respeito pela sua língua, que assassinam em todo o lado onde a possam escrever ou falar.

Afirmação necessária

Se este blogue já teve uma série de posts subordinados ao tema «Imagens que valem mesmo mais de mil palavras», não pode deixar de se referir aqui, inequivocamente e em maiúsculas, que UMA PALAVRA VALE MAIS QUE MIL IMAGENS. Só porque acho mesmo que sim, e sem querer falar no Lógos cristão ou na dabar hebraica. Uma palavra vale mais que mil imagens. Ponto.

Autobiografia (xiii)

ou

MÁQUINA INTERIOR DE ESTALAR

a um gesto da Idalete

Por fora sou Sexta-feira Santa,
por dentro Domingo de Páscoa, Ressurreição

Por fora sou cortejo fúnebre,
por dentro banda filarmónica numa procissão

Por fora sou um adulto triste [triste por ser adulto]
por dentro sou ainda adolescente, quero ser criança
                          [«Se não fordes como crianças não entrareis no Reino dos Céus»]

Sei que por fora muitos me devem achar triste
por dentro sou só foguetes a estalar

Por fora acenas-me alegremente ao longe
por dentro [acho que também por fora] esboço um largo sorriso
                           - a amizade verdadeira tem todos os sinais de um grande amor

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Da amizade como amor

Nos últimos dias tenho dado por mim especialmente lamechas. Habituado a viver como quem acha que um homem não se deve emocionar e deve guardar ao máximo os afectos, penso que isso tem a ver com o facto de, nos últimos tempos, me andarem a fazer várias declarações de amizade. Como as raparigas da escola fazem todos os dias sentidas declarações de amor aos seus machos latinos, a mim têm-me feito declarações de amizade. Dei por mim a pensar se estas declarações de amizade que me têm feito não são também declarações de amor...
Vivemos num mundo que estragou a palavra amor - daí alguns iluminados acharem que o melhor é não a usarmos mais. O amor hoje é entendido como coisa de namorados, de marido e mulher, de marido e marido ou de mulher e mulher - o amor é o sexo, e este nem sequer no seu sentido global mas apenas no que comporta de genitalidade. Eu antes prefiro ser o mais pequeno dos filósofos e o último dos românticos e achar que ainda vale a pena falar em amor. Vale a pena falar em amor sempre que este for uma de três coisas: Ἔρως, φιλíα ou αγάπη. Vale a pena falar em amor quando ele for uma destas três coisas, até porque quando ele é verdadeiro é as três coisas - desejo, ainda que não necessariamente sexual, fraternidade e caridade, dádiva gratuita. Vale a pena falar em amor quando se trata da amizade, porque o que temos pelos nossos amigos verdadeiros é verdadeiro amor - o que temos é medo de o assumir, porque ou o amigo é homem e passamos por maricas lamechas, ou a amiga é mulher e afinal não queremos amizade nenhuma mas antes outra coisa...
Dei por mim a pensar que se me fazem declarações de amizade é porque amo essas pessoas, até porque só algo maior do que eu - e há lá coisa maior que o amor (1 Jo 4)? - pode fazer com que alguém sinta apreço por uma pessoa como eu, que não é nem faz nada de extraordinário, que não é uma beleza de homem, que não é rico, que não tem amigos influentes nem nada dessas coisas que hoje interessam.
E foi assim que decidi escrever este texto, na esperança de que algum dos meus amigos o leia e saiba que eu o amo. Um amor sem nada de sexual, mas com tudo de fraternidade e de dádiva gratuita. Um amor que não é exclusivo - se um dia for exclusivo duvido que seja com alguma das amigas de hoje, já que sei que não será certamente com um amigo! - mas que é incondicional e sempre disponível. Um amor que me faz perder o medo de usar a palavra amor para poder dizer isso mesmo outra vez: amo-te.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A amizade é o encontro

Uma pessoa que conheço diz que gosta muito dos bocadinhos que passa com os amigos, entre o fim das horas de trabalho e o regresso a casa. Eu digo que também gosto desses momentos. Não apenas porque são tempos de partilha de ideias, e por isso contribuem para fazer avançar o mundo, ou, se quisermos ser menos ambiciosos, a ciência, mas porque é aí que se constroem as relações.
Na filosofia, e na antropologia filosófica em particular dentro desta, aprendemos que uma pessoa é uma unidade indivisível de corpo, alma e espírito, e está marcada pela condição mais básica da existência, a limitação ao quadro espacio-temporal. Assim, não há encontro verdadeiro entre as pessoas que não seja físico, por muito que nos multipliquemos em formas de comunicação virtuais, que já usamos desde que foram inventados os primeiros sistemas de escrita e se descobriram as artes visuais.
A sociedade de hoje tira-nos muitos dos encontros físicos que dantes aconteciam, criando ao mesmo tempo cada vez mais artifícios para a amizade (desde os telemóveis às redes sociais da internet, etc.). Penso que seja por aí que se justifique a afirmação com que começa este texto. Qualquer bocadinho em que nos encontremos com um amigo é único, é tudo, é uma suspensão do tempo e do espaço - não fosse Deus amor e a amizade verdadeira uma forma daquilo a que os gregos chamavam ἀγάπη.
Por mim, digo que deixei de acreditar nas amizades que se valem de um primeiro encontro, ou de encontros que vão lá longe. A amizade é um processo, vai-se fazendo, faz-se nos encontros reais e virtuais (é aqui que servem os encontros virtuais, quando os reais não se podem proporcionar), não se faz num acontecimento passado onde houve identificação. Desisti de esperar pelos que não me respondem, por muito que criem mil e uma desculpas, e esperar antes pelos bocadinhos entre o fim do trabalho e o regresso a casa, esses onde se cria a civilização do amor.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Arsenal de guerra

O humor é a última arma de um homem
(ou) será antes o amor?

O humor é a penúltima arma de um homem
antes o amor.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tempo da fome

 às pataniscas abandonadas

Todos os jornais e as notícias da tv anunciam: estamos em crise e é o tempo da fome.
No tempo da fome há pataniscas de bacalhau, intactas, nas papeleiras do metropolitano de Lisboa. No tempo da fome há pessoas que não comem tudo, nos restaurantes, porque estão saciadas. No tempo da fome as sobras das cantinas públicas têm de ir para o lixo - por estarmos em crise não podemos dispensar as regras de higiene e saúde pública! No tempo da fome emigrantes e sem-abrigo alimentam-se nos contentores do lixo do lidl - este é o tempo da lei, e as coisas, como as pessoas demasiado novas ou demasiado velhas, passam do prazo e têm de ser mandadas fora, ainda que na verdade consigam matar a fome aos homens que fazem de gatos vadios. É o tempo da fome, e os que fazem a caridade choram porque já lhes vai sendo difícil responder a todos os que, chorando, deles se aproximam pedindo, ao menos, um pão. É o tempo da fome, em que um telemóvel faz mais falta que um pão e em que um cigarro vale um maço de vinte sopas.
É o tempo da fome, e o homem sem pão esqueceu-se de que não vive só de pão mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus; esqueceu-se de que se vivesse alimentado pela Palavra teria decerto mais pão.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Desconstruir o Homem e não o texto

Com a alegria própria de quem sabe que a maior parte das coisas de que gosta são tesouros escondidos (tesouros porque as acho valiosas, escondidos porque, na sua maioria, não são do conhecimento geral, ou me parecem ser menos conhecidas do que deveriam) decidi, um dia destes, no meio de uma conversa em que me pareceu vir a propósito, apresentar a uma pessoa a poesia de Adília Lopes. E, mal os poemas chegam às suas mãos, comecei a ser todo desilusão. Percebi que ainda há muito quem não perceba o objectivo da arte contemporânea, e da poesia em particular.
A pessoa em questão, que ensina Língua Portuguesa, pôs-se a desmontar todo o processo de criação dos textos, dizendo-o ridículo, básico, e classificando-o como não-poesia. Seria, no máximo, uma brincadeira de crianças, uma brincadeira com as palavras. Era, certamente, obra de quem não anda bem da vida.
Pus-me a pensar - embora não o tenha dito (sou um cobarde, no fundo sou um cobarde, e preferi entrar na onda de dizer que, «'tá bem, do ponto de vista do esforço de composição literária não é nada muito evoluído») - que essa pessoa desligou a máquina de sentir e vive só com a máquina de pensar - então, pensei também que essa pessoa não deve andar, certamente, de muito bem com a vida...
Mas com este texto não pretendo fazer juízos de valor sobre o estado da vida dos outros, antes perguntar-me por algo que me parece mais legítimo. Porque é que diante da arte teimamos em montar toda a máquina de análise de pensamentos e de processos criativos e literários e artísticos e tudo em vez de, simplesmente, sentirmos a arte? Porque é que quando, finalmente, a arte quer voltar a, só, «fazer-nos cair de joelhos», teimamos em pisá-la com os nossos fantásticos métodos racionais?
Eu não prefiro a poesia que é coito com as palavras, que é corte às palavras. Prefiro aquela que me desconstrói, que me faz pôr questões, que cria imagens que vão além do racional e do visível, que cria novos mundos. Prefiro um poema onde se compara Deus a uma mulher-a-dias e onde se diz que achamos que a fé é pirosa e a vida não presta - onde o texto "racional" vai tão longe? - a um onde se queira falar de Deus mas onde se tenha tanto cuidado em mimar as palavras que se esqueça o objecto do poema. Prefiro a poesia onde nos possamos desconstruir como homens do que aquela em que nos limitamos a desconstruir o processo criativo do homem que fez o poema.
Na mesma conversa, uma amiga a quem já tinha dado a conhecer Adília Lopes, interrompeu apenas para dizer: «Eu sou só uma leiga, por isso gostei muito deste

Nota 4

Se tu amas por causa da beleza, então não me ames!
Ama o Sol que tem cabelos doirados!

Se tu amas por causa da juventude, então não me ames!
Ama a Primavera que fica nova todos os anos!

Se tu amas por causa dos tesouros, então não me ames!
Ama a Mulher do Mar: ela tem muitas pérolas claras!

Se tu amas por causa da inteligência, então não me ames!
Ama Isaac Newton: ele escreveu os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural!

Mas se tu amas por causa do amor, então sim, ama-me!
Ama-me sempre: amo-te para sempre!

porque é bonito».
Eu, que, em todos os sentidos, não quero ser mais que um leigo, preferia de todas as formas ter ido apenas por aí.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Todos os Santos podem ter um dia de atraso

Hans Urs von Balthasar dizia que os teólogos devem ouvir os que mais amam, porque são os que mais sabem de Deus. E quem são os que mais amam senão os Santos? Se todos podemos ser santos é, sem dúvida, porque todos podemos amar - não fosse o amor o primeiro mandamento.
Como prova o recente casamento entre dois velhotes num lar de idosos, nunca é tarde demais para amar. Como prova a história de Córdula - não houvesse também Agostinho, Francisco de Assis e tantos outros que a Igreja canonizou ao longo dos séculos - nunca é tarde para ser santo.
Por isso, amemos, não tanto para que os teólogos nos dêem ouvidos, mas para que possamos ser santos, aqueles que anunciam um mundo novo, em que as túnicas são branqueadas com o sangue do Cordeiro.

Fiéis defuntos

Hoje passei por uma repartição do Centro Nacional de Pensões onde se podia tratar de pensões de morte. Pensei entrar e pedir uma para mim. Não que quisesse ser um morto-vivo, como os zombies, que ainda respiram mas estão já podres, por dentro e por fora. Antes porque gostava de ser como os monges cartuxos, que morrem para o mundo para poderem viver só para Deus. Lembrei-me daquela frase de Teresa de Ávila: «Só Deus basta». Emocionei-me ao pensar nas campas dos monges de clausura, sem pedras, sem estatuetas, sem fotografias, sem nomes, sem sequer uma elevação que diga que ali jaz o corpo de uma pessoa - coisa que é bem mais que um invólucro. A campa deles só tem uma cruz, como sinal de que também eles pensam que só Deus basta. Pensei ainda nos alpendres onde se amontoam os ossos dos cartuxos, decompostos os seus corpos. Lá, eles são só ossos entre ossos, homens entre homens, cartuxos entre cartuxos: são os que escolheram voluntariamente que só Deus os trate pelo nome.
Penso nisto tudo e em como gostaria que só Deus soubesse o meu nome. Para que esse resto de solidão me lembrasse que há sempre um resto de companhia. Porque quero viver como quem sabe que só Deus basta.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Informações úteis sobre o neo-arianismo

Em associação com o meu perfil de facebook, este blogue não pode deixar de ter uma entrada que remeta para alguns dados relativos à última obra "literária" de José Rodrigues dos Santos. Em primeiro, esta resposta da equipa do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. Depois, a recordação de que a resposta da Igreja à obra já foi dada nos Concílios de Éfeso e Niceia (tendo ficado devidamente resolvida no segundo destes). Questionar a divindade de Jesus não é coisa nova - se fosse questionada a humanidade de Jesus, como com Bultmann, também não era nada de novo -, nem sequer é novo fazê-lo com intuitos comerciais. Tratar os teólogos como parolos, decidindo por sua cabeça o que será isso (e distinguindo os teólogos dos "historiadores", estes sendo os que analisam a Escritura apenas com o método histórico-crítico [sobre os métodos de análise bíblica aconselho a Introdução de Jesus de Nazaré de Ratzinger/Bento XVI ou o documento da Santa Sé sobre a interpretação da Bíblia na Igreja]. Note-se que os historiadores seriam os bonzinhos e os teólogos os malandros, que não trabalham com base científica e escondem partes de informação), também não é nada de novo - afinal, a teologia precisa hoje mais do que nunca de sair para a rua a reclamar o seu lugar na casa da ciência.
Tratar os teólogos como parolos e depois usar apenas uma tradução da Bíblia, como se de Deus Nosso Senhor se tratasse, isso sim é verdadeiramente estúpido. Isto digo eu, que tive de aprender grego, latim e ainda uns rudimentos de hebraico. Que tenho de ler edições críticas da Bíblia na língua original e, quando em estudo, confronto com essa edição pelo menos quatro traduções para português. Mas eu é que sou parolo, porque teólogo, e o senhor jornalista é um iluminado, mesmo que se farte de dar erros ortográficos e sejam os revisores da Gradiva a escrever-lhe os livros...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Blogue de serviço público

Sim, camaradas, amigos, companheiros, palhaços deste circo que é a vida, ainda é possível travar o acordo ortográfico de 1990! Visitem este site e, já agora, vejam este vídeo que ajuda a reflectir sobre a questão:


N.B.: Aqui vos fala alguém que já anda a ser coagido a escrever segundo a "nova" grafia no seu emprego. Esta não é uma luta individual, é uma luta de todos, independentemente dos pontos de vista políticos, religiosos, sociais e etc.. Rejeitar o acordo é querer bem à língua portuguesa (até porque, mais ano menos ano, o brasileiro pode [vai?] autonomizar-se como língua, e depois ficamos nós com um filho alheio nos braços...)!

Nobel da Literatura 2011

Deixa-me bastante satisfeito que o Nobel da Literatura deste ano seja um poeta. No caso, Tomas Tranströmer, sueco, de oitenta anos. Dele, deixo o poema Efter någons död, no original (escrito e lido) e em versão portuguesa de Carlos Vaz Marques, a partir da tradução inglesa de Robert Bly e de uma versão francesa anónima, disponível no youtube.

Efter Någons Död
 
Det var en gång en chock
som lämnade efter sig en lång, blek, skimrande kometsvans.
Den hyser oss. Den gör TV—bilderna suddiga.
Den avsätter sig som kalla droppar på luftledningarna.

Man kan fortfarande hasa fram på skidor i vintersolen
mellan dungar där fjolårslöven hänger kvar.
De liknar blad rivna ur gamla telefonkataloger—
abonnenternas namn uppslukade av kölden.

Det är fortfarande skönt att känna sitt hjärta bulta.
Men ofta känns skuggan verkligare än kroppen.
Samurajen ser obetydlig ut
bredvid sin rustning av svarta drakfjäll.

DEPOIS DA MORTE DE ALGUÉM

Foi um choque
seguido de um cometa que deixa atrás de si uma cauda imensa e cintilante.
Obriga a que nos recolhamos. Desfoca as imagens da tv.
Deposita as suas frias gotas nos cabos telefónicos.

Podemos continuar a esquiar ao sol de inverno
por entre árvores ainda com alguma folhagem.
Parecem páginas arrancadas a um velha lista telefónica.
Os nomes engolidos pelo frio.

Continua a ser belo sentir-lhes o coração a bater
embora a sombra tantas vezes se mostre mais real do que o corpo.
O samurai parece insignificante
ao lado da sua majestosa armadura.

sábado, 17 de setembro de 2011

Ditadura do relativismo

Apenas algumas notas

O relativismo é uma ditadura porque:
1. Ao afirmar o próprio homem como referencial da verdade (não há a verdade mas antes a minha verdade), limita as relações - não há discussão possível, pois estamos sempre num choque de verdades individuais - e dificulta a resolução de conflitos.
2. Torna o homem mais pobre. Porque uma liberdade que começa onde a do outro termina é mais pobre que uma que comece onde comece também a do outro.
3. Uma verdade relativa leva ao desrespeito pela liberdade alheia (em particular a liberdade de expressão). Qualquer acto livre de um outro que choque contra a minha verdade (seja na minha forma de pensar seja na de agir) é mau, condenável e imperdoável. Quem vive uma verdade relativa é incapaz do perdão verdadeiro, por muito que admita perdoar certos gestos.
4. Quem faz de si mesmo o centro da verdade exige mais dos outros do que de si. Os outros têm de me respeitar, ajudar, perdoar, mas eu não preciso de ter um mínimo de preocupação e respeito para com eles.
5. Tudo é relativo, e relativo a alguém, no caso, a mim. É um regresso ao axioma de Protágoras, do «homem como medida de todas as coisas», quinhentos anos depois de Galileu, homem, que, claro, só a Igreja Católica não compreendeu, como se os outros todos não agissem hoje como se o homem fosse o centro do universo...

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

E a mim, quem me defende?

Há discussões que de si nascem estúpidas. De parte a parte. De um lado, porque há coisas que, devia-se saber, podemos pensar mas não podemos dizer, porque «a forma como se diz também diz», e quando é muito violenta pode causar equívocos. Do outro, porque a emoção sobrepõe-se quase sempre à razão e, já o sabia Jesus, o que mais ofende não é a mentira mas antes o confronto com a verdade: ««Eu tenho falado abertamente ao mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e não disse nada em segredo. Porque me interrogas? Interroga os que ouviram o que Eu lhes disse. Eles bem sabem do que Eu lhes falei.» Quando Jesus disse isto, um dos guardas ali presente deu-lhe uma bofetada, dizendo: «É assim que respondes ao Sumo Sacerdote?» Jesus replicou: «Se falei mal, mostra onde está o mal; mas, se falei bem, porque me bates?»» (Jo 18, 20-23).
O mais estúpido, para mim, é que em certas discussões acaba por haver danos colaterais. Uns sofrem porque se acham ofendidos, ainda que não o sejam - por ser professor, assumo a minha quota parte de culpa, porque precisamos de ensinar os nossos alunos a saber interpretar textos, para que estes sejam cada vez menos fontes de mal-entendidos; outros sofrem por serem confundidos com o ofensor: ou acham que o ofensor é uma pessoa distinta, ou a família do ofensor leva toda por tabela.
Discussão mais ridícula é quando um dos ofendidos é uma terra. Por muito que se possa gostar de uma terra (e eu sou homem para já gostar de várias: Gaeiras, minha terra natal, Óbidos, Caldas, A-dos-Negros e Salgueiro, terras dos meus pais, Lisboa, Póvoa de Penafirme e Caparide, onde estive no Seminário, Queijas e Linda-a-Velha, onde hoje trabalho), uma coisa tenho de reconhecer, e é uma coisa bastante simples. O bom nome de uma terra não serve de tanto como o bom nome de uma pessoa. Percebo o gosto das pessoas pela defesa do bom nome da sua terra (ainda para mais se for a minha, de que também gosto, quanto mais não seja por isso, por ser minha, o sítio onde nasci e fiz os primeiros amigos), ninguém quer ser conotado com um sítio mal-visto, e além disso as pessoas têm natural gosto no lugar de origem - é como quando nos ofendemos porque dizem mal da nossa mãe, ainda que lhe reconheçamos o defeito criticado. Mas continuo a achar que o bom nome de uma terra serve de menos que o de uma pessoa. Vivi dois anos em Chelas, que deve ser das terras de Portugal com mais mau nome. O facto é que lá, no bairro, nunca ninguém me fez mal, nunca presenciei nenhum assalto, de resto, as pessoas à medida que me iam conhecendo até me cumprimentavam de forma mais cordial que em muitas terras mais pequenas. Isto para dizer que Chelas pode ter a má fama que quiserem mas quem lá vive sabe que, excepção feita a certas zonas, como em todos os sítios, até é um bairro pacato e agradável para os seus residentes.
Com o bom nome das pessoas as coisas são diferentes. As pessoas, ao contrário das terras, arranjam amigos, saem à rua, deslocam-se, precisam de arranjar emprego. Eu, se tiver mau nome, não arranjo amigos, não arranjo emprego, tenho medo de me deslocar porque sou olhado de soslaio. E sabemos que isso é um primeiro passo para doenças psicológicas graves (que, descansem, não tenho, só quero pôr as pessoas a pensar). Defender o bom nome de uma terra antes de nos preocuparmos com o bom nome das pessoas envolvidas, de um e outro lado, pode causar estes problemas. Porque o pior que pode acontecer a uma terra é que mais ninguém vá para lá viver (mas, como expliquei, os que lá estão sabem o que sentem, e não a deixarão), já o pior que pode acontecer a uma pessoa é bem mais grave. Porque às pessoas, vejo menos vozes a levantar-se em defesa!
A mim, quem me defende?

sábado, 10 de setembro de 2011

Só para dizer que não estou morto

Apercebi-me hoje, não sei bem a que propósito, de todo o meu apreço por pessoas que usam óculos escuros dentro de casa, o que se tornou factor relevante para dar actividade a este blog. O novo ano lectivo está aí e com ele a minha actividade intelectual mais acesa e a minha atenção à cultura mais desperta. Sejam bem vindos, de novo, a este nosso espaço.

domingo, 21 de agosto de 2011

Católicos praticantes de outras coisas

Este texto nasce da observação de gente católica (considero aqui aqueles que conheço e são efectivamente católicos e também o conjunto de pessoas que se consideram católicas) no facebook. Uma das razões do sucesso desta rede social é a existência de um news feed, onde podemos verificar as mais recentes actualizações de "estado" [n.d.a.: espécie de resposta constante às perguntas «O que estás a fazer?»/«O que estás a sentir?»] dos nossos "amigos" [coloco entre aspas visto que a rede social põe na mesma categoria aqueles que são efectivamente amigos, os "conhecidos", as pessoas que por qualquer razão admiramos (artistas, jornalistas, etc.)], e é aí que me deparo com o fenómeno que agora comento.
Costumo comparar os referidos estados que surgem no facebook a uma visão do interior do nosso cérebro (imagem que partilhava, um dia destes, com uma amiga, quando lhe falei na existência deste blog...), ou, na linguagem de John Locke, uma visão do íntimo do ser humano, da sua consciência, essa que é única e, sobretudo, impenetrável. Assim, partilhar coisas na internet, como num livro, num quadro, em qualquer plataforma, é sempre uma forma de dar aos outros um acesso mais rigoroso ao que sou de verdade.
A minha sensibilidade eclesial, muito antes de pensar que iria um dia passar pelo Seminário, que iria ser professor de EMRC, que ia formar-me em Teologia, sempre foi uma sensibilidade "diocesana" (no sentido de uma sensibilidade que procura integrar diferentes sensibilidades pessoais, os chamados carismas) e a maioria das comunidades onde desde pequenino vou à Missa são pastoreadas por padres que cultivam esta sensibilidade eclesial, pelo que nunca me consegui aperceber muito bem da sensibilidade da maioria das pessoas no que cabe a interesses em termos de oração, leitura espiritual, música "meditativa" (leia-se, música associada à religião).
Assim, o facebook, onde acabei por me ligar a muita gente, e receber convites de "amizade" de muita gente unido pelo laço da religião, ou, mais bem dito, da fé, tornou-se o espaço onde me comecei a aperceber dessas coisas que não dão para perceber quando nos encontramos na Missa, ainda para mais quando, como disse, é um local onde se partilha a intimidade de cada um.
Se descobri coisas curiosas, desde pessoas que são liturgicamente bem mais rigorosas do que eu (até em termos de doutrina e praxis bem mais rigorosas do que eu...), a pessoas com interesses comuns aos meus (interesse pelos monges de clausura, gosto pela música litúrgica oriental e pelo gregoriano, estima pela música litúrgica em português), não deixei de me aperceber de alguns factores de que não tinha bem a noção e que me preocupam (e era aqui que queria chegar!).
Estes factores de preocupação são diversos (embora assuma à partida que dou algum desconto, pois outro dado curioso que noto no facebook é que as pessoas partilham [note-se, nas redes sociais partilhar é assumir como seu] muita coisa acriticamente, sem ver integralmente [no caso de vídeos], baseando-se apenas no título, ignorando partes do texto/vídeo/imagem que estão a partilhar): o fascínio de muitos católicos pela astrologia (que amigos meus não-católicos o tenham "tudo bem", agora os católicos não podem! Segue-se a velha máxima usada em relação à maçonaria: um maçon pode ser católico mas um católico não pode ser maçon), o interesse de muitos católicos pelo fenómeno new age, sobretudo pela cantora Enya (sobre este tema prefiro nem falar, sugiro apenas a leitura do livro Jesus Cristo, portador de água viva, do Conselho Pontifício para a Cultura e do Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, que até é barato e tem a tradução de excertos de temas do musical Hair), o mau gosto de muita gente em matéria de música litúrgica (opção por músicas resgatadas do campo evangélico brasileiro em detrimento da tradição litúrgica, no mínimo, portuguesa), o gosto por alguns autores que constroem toda a sua obra no limbo que separa a ortodoxia da excomunhão (muitos já do lado de lá, ou muito próximos disso). Acho que os Bispos que andam pelo facebook, bem como os padres (se bem que mesmo entre estes, e não gostaria de o dizer, enfim...), deviam estar atentos a estes fenómenos. Como nos ensina a experiência eclesial (isso se vê em cada nova notícia das JMJ que se vivem em Madrid), a Igreja é um espaço plural - de unidade na diversidade, mas é preciso cuidar dos limites dessa pluralidade. Há diversidade de carismas, mas o Espírito é o mesmo, sim, mas é preciso estar atentos, porque o Espírito Santo rapidamente pode ser substituído pelo espírito da divisão.

Vamos todos rezar! (sem horóscopos, sem new age, sem etc. e tal)

sábado, 20 de agosto de 2011

Recordações futebolísticas

Ainda me lembro de um árbitro se ter recusado a arbitrar um jogo do Sporting e terem resgatado um homem das bancadas para exercer tal missão.

Nota 1: Estará isto para acontecer no domingo? Achava piada.

Nota 2 (teológica): Movimentos "progressistas" como o "Nós somos igreja" e outros afins terão baseado as suas teses nesta lei do futebol?

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Descoberta musical deste verão

Das melhores coisinhas que descobri este verão foi que já saiu o segundo álbum de Marcelo Camelo, toque dela. Fica aqui uma amostra:

terça-feira, 19 de julho de 2011

Eu, aluno da Universidade Católica, me confesso de vestir

Não me podia passar ao lado aquela que se tornou, estupidamente, uma das notícias do dia: o aviso do Conselho Académico da Universidade Católica para que aqueles que frequentam o campus da Palma de Cima o façam vestindo-se de forma o mais decente possível (notícia aqui, ou aqui, conforme o gosto do freguês. Em ambas se podem divertir com os comentários; a do público tem ainda link para uma série de blogs que se referem à notícia).
Sobre este tema tenho apenas a fazer dois comentários. O primeiro tem a ver com o facto, triste, de ser efectivamente necessário fazer este aviso - não, não se trata de uma regra, experimentem a ler mais do que o título das notícias... Como aluno da universidade, sei bem a que se refere o Reitor. É facto que muita gente vai mais despida do que devia (mulheres ou homens), e que essas pessoas têm de ser chamadas à atenção. Acho algo exagerada a redução da Universidade a local de trabalho - pode e deve ser bem mais do que isso - mas de facto já por lá vi gente que confunde a Universidade com a praia, para não dizer que a confundem com as suas próprias casas (se não me choca por aí além que o façam nos bares ou nos corredores da Universidade, mete-me certa impressão que as pessoas se descalcem na biblioteca, estejam por lá a ouvir música e a falar ao telemóvel, a comer lanchinhos e etc., como eu mesmo já vi!). Depois, se a Universidade não é - apenas - um local de trabalho, ela prepara as pessoas para arranjarem um emprego. E bem sei que se fosse dar aulas de chanatas e calções de praia o senhor director me mandava um bilhete de regresso a casa (claro que, numa sociedade como a nossa, as senhoras têm sempre mais desculpa e podem-se destapar mais...).
O segundo comentário que tenho a fazer quanto a esta notícia, tem a ver com o tipo de comentários que surgem em resposta à mesma. Mete-me pena que as pessoas aproveitem qualquer motivo para cair em cima da Igreja Católica. Quando, ainda por cima, neste caso particular, não se quer defender nenhum puritanismo por aí além, antes sublinhar a necessidade de as pessoas perceberem que se devem comportar de forma diferente em diferentes sítios, e que a seriedade que o local em questão exige também se deve manifestar em sinais exteriores (porque o exterior diz do interior).

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Sim, também acho que este não é propriamente o tema que o Conselho Académico da Universidade devia escolher como prioritário, quando há outros mais graves para resolver, como a configuração dos programas de certos cursos ao pensar e sentir da Igreja (Economia, Direito, Comunicação Social), como as cábulas na Faculdade de Teologia, como os preços que se continuam a cobrar de propinas e taxas mesmo com o país na situação em que está, mas este aviso não deixa de ser necessário e relevante.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Cultura no Brasil é melhor que em Portugal?

Este post pretende ser um post-fórum, contando com a colaboração de todos os leitores interessados em interagir na caixa de comentários (admitindo, óbvio, que ainda há quem passe por aqui a ler as coisas que escrevo e partilho, e que é gente com um mínimo de interesse em ser interactiva).
Explico-me: hoje deu-me para consultar as estatísticas que o google disponibiliza aos autores de blogues, e dessa consulta tirei algumas constatações que acho dignas de uma discussão.
Por um lado (nada de que não estivesse à espera...) a maioria das pessoas que toma contacto com o blog chega aqui procurando pelos temas menos sérios (as palavras mais procuradas são «artur garcia»). Por outro, e esses não me parece que estejam muito interessados em conhecer mais acerca de Artur Garcia, o motor de busca mais usado para encontrar este blog é o google.com.br, ainda antes do próprio google.pt, e o número de visitas de brasileiros ao blog é, ainda que pouco (38-33, dados da google), superior à de portugueses (surpreendentes são as visitas de gente de países como a França, os Estados Unidos e até o Japão!).
É sobre este último facto que gostaria de conversar convosco. Porque será a maior parte das visitas de brasileiros?
Levanto as minhas hipóteses, a partir das quais poderemos conversar: por uma simples questão de números de gente com acesso à internet; porque falo muitas vezes em autores brasileiros ou em temas da cultura brasileira; porque, como sugere o tema do post, os brasileiros são um povo mais atento à cultura do que os portugueses [isto assumindo este blog como algo eminentemente cultural - considerando a teologia como um ramo importante da cultura -, pesem as incursões por temas mais frugais ou particulares da minha vida].
Gostava que pudéssemos pensar em conjunto. Gracias.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Húmus

Pensava há pouco como a minha terra é húmida. Comecei quase que a meditar nesta frase. Decidi parti-la em partes, sobressaindo aí as palavras «minha terra». É curioso, para um cristão, este sentimento de posse em relação ao sítio que o acolheu. Isto porque, assim sendo, faz em Quarta-feira de Cinzas o mesmo exercício que pratica a avestruz: como ela enfia a cabeça na areia para melhor se alimentar (engole areia e pedras que lhe facilitam a digestão dos alimentos), também o homem é convidado a lembrar-se que é pó e a ele há-de voltar.
Falar na minha terra, quer o faça com mais ou com menos orgulho, é fazer sempre esse exercício: sou da terra, de lá vim e para lá voltarei (além disso, ao reconhecer que é a terra que é minha, tenho a humildade de reconhecer que os Céus [os que aparecem primeiro no Pai nosso, a morada de Deus] não são meus, antes de um Outro).
Não menos curioso é que, no meu fascínio crescente pelo quarto capítulo da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, não posso deixar de ficar estarrecido com a expressão «esterco do mundo», que saindo do punho do Apóstolo podia perfeitamente ser minha, e assumo-a como tal: quero ser também eu, que isto não é coisa fácil de se conseguir, «esterco do mundo». E esta afirmação faz todo o sentido quando penso neste tema da «minha terra». Se o esterco tem normalmente uma conotação de repugnância, de humilhação - é neste sentido que Paulo se afirma «esterco do mundo» (1 Cor 4, 13) -, não deixa de ser verdade que há-de ter sido, como as cinzas, o primeiro fertilizante natural usado pelos agricultores. Aquele que seja «esterco do mundo» cairá à terra com a força que permitirá à sua semente subir até aos Céus. Ser «esterco do mundo» é garantir que a semente cai em boa terra, e assim dará muito fruto (cf. Mc 4, 8)!

«ὡς περικαθάρματα τοῦ κόσμου ἐγενήθημεν», 1 Cor 4, 13

«καὶ ἄλλα ἔπεσεν εἰς τὴν γῆν τὴν καλὴν καὶ ἐδίδου καρπὸν ἀναβαίνοντα καὶ αὐξανόμενα καὶ ἔφερεν ἓν τριάκοντα καὶ ἓν ἑξήκοντα καὶ ἓν ἑκατόν.», Mc 4, 8

terça-feira, 12 de julho de 2011

Canja no verão

E gelados no inverno.

Don't worry, be happy!

Agradeço que alguém se ofereça para me substituir na honrosa missão científica de ser o comprovador oficial da Lei de Murphy.

[aos mais incautos: Lei de Murphy - «tudo o que pode correr mal, corre mal, e da pior forma possível» (ou noutras formulações semelhantes, como de resto acontece com outras leis, como a de La Palice, por exemplo. Lamento ainda que Lagardére não seja possuidor de uma lei)]

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Recomendações bastante egoístas

Recomendo hoje dois artigos do Diário de Notícias que vão de encontro ao que tem sido a minha reflexão por aqui nos últimos tempos.

Este, de Anselmo Borges, pessoa que muitas vezes, naquilo que escreve, vai completamente em desacordo à minha forma de pensar (particularmente, de pensar a Igreja), mas que, neste artigo, segue em sentido inverso e duma forma que muito me agrada.

E este, de João César das Neves, mais um exercício criativo e bem humorado para falar da crise actual, de resto no sentido de outro texto que já partilhei aqui.

Partilho estes textos, como já disse, porque a mim, esterco do mundo, pouco mais resta que citar os outros, que são, todos, incomensuravelmente melhores do que eu.

«ὡς περικαθάρματα τοῦ κόσμου ἐγενήθημεν, πάντων περίψημα ἕως ἄρτι.», 1 Cor 4, 13.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Vox populi vox Dei

Um dos meus novos "vícios" (chamemos-lhe assim, vá) são as caixas de comentários de blogues e os programas radiofónicos de vox populi. Sinto-me simplesmente fascinado nesse papel de observador, a ver as pessoas na sua mais pura natureza.
As pessoas que aparecem a participar nesses programas, como as que comentam nos blogues, são, grosso modo, pessoas sozinhas. Isso percebe-se porque 90% tem um tipo de discurso que mostra que estão a falar para elas próprias, que têm poucos hábitos de confronto de opiniões (para mim, só isso explica a falta de lógica e consistência de muitas opiniões...) - é uma cabra, a solidão. Nos programas de rádio, os participantes são pessoas, sobretudo, já idosas que vencem a solidão fazendo do locutor um amigo, aquele amigo que nunca viram, a quem só conhecem a voz, mas que é uma boa companhia, desde que o cônjuge morreu e os filhos os deixaram sozinhos (menos dramático, quando são pessoas que trabalham sozinhas durante a noite e a rádio é a sua única companhia na luta contra o sono e a favor do emprego). Nos comentários dos blogues, os participantes são sobretudo gente jovem [pelo menos nos blogues que visito, algo que é denunciado pelo uso do "x" em vez do "s"], que poderia perfeitamente não viver sozinha mas que o faz porque prefere os computadores às pessoas, e cria um mundo alternativo, "virtual", onde os amigos virtuais são mais importantes, onde a opinião deles conta sempre, ainda que só para ser lida e relida pelo próprio, onde todos são sábios mesmo sendo os maiores ignorantes.
Se entrar no mistério da estupidez humana é coisa que me diverte (é maravilhoso como todos os dias se descobre alguém que vai mais longe e mais fundo nesse mistério!) não deixam de me preocupar este tipo de realidades: primeiro, porque dão a ideia de que todas as opiniões, mais ou menos fundamentadas, têm o mesmo valor, o que é falso. Isso é reduzir o Homem é capacidade de sentir, e o Homem não é só sensação: é razão, é espírito, é emoção. Depois, porque denunciam dois problemas graves da nossa sociedade: um é a quantidade de gente que vive sozinha, o que se detecta pelos problemas que os locutores de programas de vox populi têm em gerir o tempo atribuído a cada participante; outro é a quantidade de jovens que vive num mundo virtual, dos computadores, de onde precisa de ser resgatado (a título de exemplo, ridículo e que vale o que vale, é impressionante a quantidade de jovens, do sexo masculino, entre os 12 e os 28, 30, que se acha especialista em mercado de transferências de futebol por causa do Football Manager! Ainda por cima, detectam-se a léguas... Mais grave é que, como todos os que vivem nesse mundo virtual, não percebem que são eles que têm um problema...).
Concluo este texto sobre vox populi mostrando a beleza desse outro fenómeno que é a contradição entre provérbios populares: se «a voz do povo é a voz de Deus», não deixam de dizer também que «vozes de burro não chegam ao Céu»!

Conjunto de música brasileira

Num comentário de um site sobre futebol, encontrei o nome ideal para um conjunto de música brasileira: "Picanha no rabo". Genial. Isso e pessoas que são como garrafas de água Castello.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Deus transforma as vidas

A minha forma de assinalar aqui a morte de Maria José Nogueira Pinto, pessoa duplamente ligada à minha família (pela partilha da fé e pela proximidade que teve com o meu pai e os meus avós paternos [proximidade física, visto que os meus avós tinham terrenos alugados aos seus pais, e o meu pai, a pedido dos caseiros da quinta deles em A-dos-Negros, chegou a ir passear com a senhora e as irmãs, segurando as rédeas do cavalo]), é sugerir-vos este testemunho de quem a conheceu. Onde as palavras «Deus» e «entrega» não podiam deixar de entrar. Continue o Senhor a suscitar gente capaz de dar um testemunho cristão deste nível!

Post Scriptum (sim, isto é um blogue, mas neste caso faz todo o sentido...): De ir às lágrimas, a última crónica de Maria José Nogueira Pinto no dn! Um testemunho de fé impressionante! Não deixem de ler!

Seguir o Senhor totalmente

Globalmente, gostei desta entrevista do programa Oitavo Dia aos meus amigos que foram ordenados padres no passado sábado, passe o perigo de algumas afirmações, como dizer que seguir totalmente o Senhor e entregar-se totalmente a Ele é coisa exclusiva dos padres... Cuidadinho, amigos, rigor e tento nas palavras!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Tetragrama (chamo-lhe eu)

«- Suplico-vos, ó raparigas de Jerusalém,
que se virdes o meu amado
lhe digais que estou doente de amor».

Poema IV do Cântico dos Cânticos
in Herberto HELDER, O Bebedor Nocturno

Aviso à navegação

Na sequência do post anterior, quando eu me auto-nomear como "jovem de espírito" é hora do estimado leitor, quem sabe da honrada leitora, me conduzir à Casa de Saúde do Telhal, a fim de esperar a morte entre semelhantes.

Crónica de um sábado emocionante

Para um indivíduo como eu, aperceber-se de que está a crescer e a entrar na idade adulta é uma coisa um bocadinho dramática... Não deixo de achar estranho sempre que recebo cartas endereçadas ao Exmo. Sr. André, mais estranho acho quando são dirigidas ao Exmo. Sr. Prof. André, faz-me uma certa impressão que me tratem por "senhor", prefiro que me tratem por tu, a menos que se trate de algo mesmo muito oficial (irrita-me que me tratem, ou a qualquer outra pessoa, por "você", forma de tratamento que, de pequenino, aprendi ser pouco respeitosa), ainda tenho muita dificuldade em lidar com as papeladas e burocracias afins inerentes ao "mundo dos adultos". Isto, chamem-lhe crise de Peter Pan ou do que quiserem, é mesmo o que sinto, principalmente porque nunca senti aquele desejo ardente de ser maior de idade ou de ser adulto e responsável.
Esta conversa toda para dizer que o passado sábado foi um daqueles dias que me faz perceber que não vou conseguir fugir muito mais tempo da plenitude da idade adulta. Em dois pontos distintos do mapa de Portugal, deram-se acontecimentos que me mostraram isso mesmo.
Em Lavos, Figueira da Foz, casou-se o meu primeiro grande amigo, daqueles com quem brinquei desde que tenho meses e que continuou a ser meu amigo mesmo quando, por circunstâncias da vida de um e outro, tivemos de nos afastar fisicamente. Este foi o primeiro dos meus amigos a casar, o que já era suficiente para me servir de alerta, mas como não pude deixar de aceitar o convite para estar presente no casamento dele, lá acabei por ouvir o resto... Sempre que lhe diziam «Pedro, estás um homem», sempre que eu era referido como o seu primeiro grande amigo e tínhamos de corrigir que já não somos propriamente rapazes mas «homens», apercebi-me de como fujo da juventude a passos largos, mesmo sem querer.
No Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa, foram ordenados padres cinco ex-colegas de Seminário. Neste grupo estava o primeiro grande amigo que fiz nestas coisas da Pastoral das Vocações (a minha preguiça e a Física, depois a minha descoberta de que há outros caminhos onde poderei servir melhor a Igreja, haviam de nos separar), com outros que não deixam de ser meus amigos, só não os primeiros que fiz... Ao lembrar-me deles nas minhas orações, além de ter pedido força para que desempenhem o seu ministério num tempo em que ele se torna particularmente difícil (pela dificuldade das pessoas de assumirem compromissos, em particular com a Igreja; pelas dificuldades de se assumir uma moral exigente - infelizmente muitas vezes por parte dos próprios clérigos; pela imagem que o povo tem hoje dos padres - por culpa da moral pouco exigente que os primeiros tomam como bitola ou por culpa da moral pouco exigente que os segundos vivem... - , e em particular do celibato), pedi que estes cinco amigos não vivam esta minha dificuldade de querer continuar sempre jovem, de não querer ser adulto. Pedi que Deus os faça homens a sério, a quem não faça impressão ser chamado "senhor" e menos ainda "senhor padre".
Sábado foi, assim, o dia em que percebi que, ao quarto de século, começo a ser homem...

Oh God, make me good but not yet!

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Frases com sentido (v)

«Ver só com os olhos
é fácil e vão,
por dentro das coisas
é que as coisas são»

Carlos Queiroz

Frases com sentido (iii)

«Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza», Bento XVI

Frases com sentido (iv)

«Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...», Antoine de Saint-Exupéry

Frases com sentido (ii)

«Happiness only real when shared», Christopher McCandless

[Imagem: fonte oprah.com]

Frases com sentido (i)

«Os que amam são os que mais sabem de Deus; a eles o teólogo deve dar ouvidos», Hans Urs von Balthasar

Uma moral pequenina

Apesar de não estar de acordo com as conclusões de Nietzsche, não deixo de concordar com ele quando afirma que o progresso humano dos últimos séculos não se fez acompanhar de um progresso moral. Aliás, há algum tempo venho pensando nisto (a isso não será alheia a partilha, aqui no blog, deste texto de João César das Neves), embora o expresse noutros termos: se é certo que a moral social evoluiu muito nos últimos tempos (em particular as implicações morais ligadas à saúde pública e ao ambiente), a moral pessoal não tem acompanhado essa evolução.
É hoje normalíssimo mudar de cônjuge quatro ou cinco vezes (mais do que ser normal, a mim chama-me a atenção que seja bem aceite, sempre que a favor do interesse individual) mas muito mal visto mandar lixo para o chão [não quero com isto defender que seja correcto mandar lixo para o chão!]. Apesar dos tempos de crise e, principalmente, de fortes mutações socioeconómicas na nossa sociedade, ainda há muitos que acreditam num emprego para sempre; a quantidade de jovens que decidem viver juntos, em vez de assumir o compromisso do casamento [que deve ser religioso apenas quando há fé, não propriamente pela beleza da festa...], não indiciará que já não se acredita no amor para sempre? Um adúltero é mais bem visto que um fumador, a homossexualidade torna-se, hoje, mais bem aceite que o celibato...
Não me achando dono da verdade absoluta, partilho aqui apenas algumas coisas que me chamam mais a atenção, pois acho difícil a construção de uma sociedade mais justa, digna e fraterna num quadro onde se admite que cada um pode fazer o que lhe apetece, e a satisfação dos apetites de cada um é o primeiro direito. Precisamos de construir uma sociedade alicerçada em valores - que, filosoficamente falando, são perenes - e não em sentimentos que, como sentimos, são efémeros...