blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

serenata

acordei demasiado atento ao som dos carros
e a querer calar o som dos carros
a fazer-me impressão o som dos carros
pareciam estragados todos os carros
deviam parar por três horas esta tarde
sem nenhum evento em particular
só para que pudéssemos parar
e no descanso silencioso
procurar um mundo novo
sem a angústia de andar sempre
por caminhos mesmos

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

nau

no regresso à terra
o espanto com o som
e a presença cada vez maior
dos corvos
pássaro feio os corvos
não percebo nada de ornitologia
para saber o que propicia
o feliz desenvolvimento de um corvo
sei que eles andam muito por aí
espero que não estejam à espera
de corpos mortos
para guardar em longas viagens marítimas

crítica do automóvel

mudar de meio de transporte pode secar uma veia criativa, mesmo que ela nunca tenha ido por aí além. há todo um mundo que se constrói, todo um tempo que se dá, toda uma vida que se faz, quando se anda de transportes públicos. tudo isso se perde ao volante de um automóvel. há uma estrada que se ganha, um volante, manípulos, uma atenção, um olhar periférico mas isso não compensa os livros, as pessoas que se vêem, as esperas. ganha-se um outro tempo, que se torna um tempo perdido em televisões com maus alinhamentos e em "só mais cinco minutos" de nada. há duas semanas que não pego num livro, há-que tempo não tenho tempo para ver gente que não seja a que atravessa a estrada enquanto eu paro. sinto-me obrigado ao acto de ler, ao ofício de ler, sinto-me obrigado ao acto de observar, ao ofício de observar, e sei que não pode ser assim. peço desculpa ao(s) leitor(es) deste blogue pelo decréscimo do número de textos e de um certo decréscimo de qualidade (passe a extrema imodéstia). a minha vida vai assentando e talvez volte ao normal.

cem metros para nada

há um conjunto de distâncias
que vai reduzindo com a idade.
hoje percebia isso ao ver
os passos que vão do bebedouro
ao portão da minha tia-avó.

a distância que nos separa
também vai aumentando,
tu sabes. não é com passos
que a meço. é com a falta
de corações, saudades
e todos os clichés
que me vão afastando de ti.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

sétima noite

não há um livro que ensine
a compreender o frio
que dá aos que caminham
na noite da existência

não há um disco que se ouça
para encontrar sentido
para as mortes do mundo
dos dias de hoje

não há um profeta
que traga esperança
aos povos esmagados
pela pobreza

rezo pelo poema
que abra uma esperança nova
um mundo novo
que ainda possamos construir

(A Cidade de Deus, de Santo Agostinho
é uma realidade possível.
Trata-se, no entanto, de uma obra
em três extensos volumes,
na sua edição portuguesa.
Dá trabalho pô-la em prática)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

ladrilho azul

na pedra fria
antúrios em flor.
uma estação que vive.

reticências

era um homem habituado
a andar em sentido contrário.
achava que as perguntas se assinalam
com pontos de interrogação
e as frases sem resposta
com pontos finais
ou sem pontos
(continua a não se compreender
quem usa poucos pontos
e muitas frases sem resposta).
o mundo abusa das reticências
e elas já não criam suspense nenhum.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

limpar espingardas

há o momento de entender
que não vale a pena lutar mais
por amores que se perdem
e outros lugares-comuns
não vale a pena lutar
contra os lugares-comuns

aí a notícia
de que depois de amanhã
só faltam oito dias para receber

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

pés

é descalço que entras hoje no mar.
faz frio, muito, mas precisas da água,
de um sentido que o oceano pode dar,
à falta de um amor que te aqueça.
como os navegadores antigos
transportas um excesso de melancolia
que acreditas pode baixar
com a temperatura da água
e o vai-vem das ondas
e a cor pura da espuma
e os caminhos por descobrir,
que não se vêem ao longe,
ao longe só uns ilhéus sem gente
e com pássaros anilhados
por questões de controlo populacional.
o mar que hoje quiseste procurar,
o mar que tu queres,
é o que não quer o teu país.
a melancolia às vezes é isso,
ser rejeitado pelo mar
e aí construir futuros.

(escrito ao som de Povo que cais descalço, Dead Combo)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

terceiro livro das surpresas

«Lança o teu pão sobre as águas»
Ecl 11, 1

não te aproximes do mar
sem estares armado da confiança
dos que deitam nele a vida
com a esperança de que ela volta
uma outra e outra vez
como as ondas que vão e vêm
fracas e fortes e fracas
e não desistem de trazer de novo
aquela tampa de plástico
que trazias no bolso há dias
sem saber porquê
talvez as ondas te tragam de volta
o pão o peixe o alimento
que lançaste ao mar
no dia em que desististe
de ser o centro de ti

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

mistérios da internet

coisas que se podem dizer por aqui num tempo em que já quase ninguém lê blogues e carrega em links: há um daqueles jogos irritantes do facebook em que já não mexo há que tempos mas que abro regularmente para mandar "vidas" às pessoas. dada a regularidade dos pedidos que recebo, acho que ainda ninguém deu por eu não achar piada nenhuma àquilo.

domingo, 4 de janeiro de 2015

calem-se

calem-se, palavras,
e dêem lugar aos silêncios.
calem-se tantas palavras
que têm servido de tão pouco.
diante de ti,
prefiro calar.