blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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terça-feira, 24 de abril de 2012

O que é um monstro?

vai perguntar ao teu senhor
que coisa é uma candeia

Nos últimos anos, têm-se multiplicado projectos em que se transforma lixo em arte (dentre estes, gostaria de salientar o Recicl'Arte, por ser coordenado por duas pessoas que são minhas amigas). Se quisermos olhar mais fundo, iluminados por uma candeia, que ajuda a ver melhor, mesmo de dia (como a que Diógenes usava na Acrópole de Atenas), percebemos que isso pode ser importantíssimo.
Ninguém dá nada pelo lixo. É uma coisa incómoda, feia, suja. Não tem utilidade nenhuma, por isso habitualmente se queima ou se enterra. A nossa sociedade habituou-se a criá-lo mas depois não tem destino para lhe dar. Torná-lo numa obra de arte, e assim fazer dele uma coisa que possibilita uma experiência de encontro com a beleza (se a arte não quiser proporcionar isso, então mais vale que acabe), é olhá-lo com olhos novos. Tornar lixo numa obra de arte é acreditar em causas perdidas, é não desistir, é ver para além do que os olhos vêem.
A arte feita com lixo, em si, continua a não ter, para mim, ainda assim, muito interesse. O que tem mais interesse é levar esse espírito para a vida. Digo isto porque, infelizmente, hoje há pessoas que são como lixo - os monstros. A nossa sociedade criou-as e tornou-as incómodas, feias, sujas. Não têm utilidade nenhuma, por isso as marginalizamos antes de as queimar ou enterrar. Inventámos o conceito de cidadania, que apregoamos por toda a parte, para poder fazer isso (não esquecer que o cavalo de Calígula era cidadão, chegando até a ser cônsul, mas nunca poderia ser uma pessoa...). Queremos bons cidadãos mas esquecemo-nos de procurar boas pessoas. O que podemos fazer, então? Aprender com as pessoas que transformam lixo em obras de arte. Aprender a olhar com olhos novos para quem ninguém olha. Aprender a não desistir de ninguém, a ver para além do que os olhos vêem. Aprender a fazer do outro - de cada um dos outros que se cruzam connosco - uma obra de arte, uma coisa que permita uma experiência de encontro com a beleza. Porque um monstro, como uma garrafa de plástico, pode transformar-se numa peça magnífica. Tenhamos nós candeias para a ver.

terça-feira, 17 de abril de 2012

"forever" is dead

quando acabaste comigo, disseste-me que era porque não acreditavas num amor para sempre, nem que o nosso amor pudesse ser sempre tão bom como na altura era. até hoje continuei a pensar nisso, pelo menos sempre que pensava em ti. afinal, deixaste a nossa pequena vila e fugiste para a grande cidade à procura de um emprego que durasse mais de seis meses, e eu pensei que lá ias tu em busca de um emprego para sempre. noutro dia, liguei a televisão num daqueles canais de notícias e lá ias tu de cartaz na mão à frente de uma daquelas manifestações que agora estão na moda. no teu cartaz, li que estás indignada porque o estado pode ter de acabar com as pensões de reforma. eu soltei um riso irónico, porque pensei que também achas que as reformas deviam ser para sempre. na internet, procurei o teu nome e descobri que andavas a debater em fóruns ambientais sobre o fim do petróleo, que achas que ainda vamos a tempo de evitar - para ti, até o petróleo devia ser para sempre. foi nesse momento, em frente ao meu computador, que decidi desistir de ti. a única coisa que para ti não é para sempre é a mesma que para mim não consegue deixar de ser. nesse instante, percebi que tinha de mudar o objecto da minha afeição, porque seria certamente capaz de viver num mundo sem petróleo e sem reformas e sem empregos mas não ia aguentar nem um minuto num mundo sem amor, e amor para sempre. levantei-me e fui à janela ver casais de velhos a passar lá fora. são, enfim, os únicos que ainda acreditam no mesmo que eu.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

memórias

já não me lembro do teu nome. sei que moras em évora, numa casinha branca à moda do alentejo, já a sair da cidade. sei que andaste comigo na escola durante cinco anos, e te sentavas muitas vezes ao meu lado porque sabias que podias olhar sempre para o meu caderno. sei que o teu cabelo cheirava a laranjas boas e nunca tinhas unhas partidas nem pintadas. sei que ias para casa sozinha e tinhas a chave debaixo de um tapete azul. sei que não estudaste e decidiste ir embora. sei que és casada e tens três filhos. ainda hoje não percebo por que deixaste espinho e foste para évora. só sei que foi depois daquele passeio de moral à serra da estrela onde me deste a mão e um beijo para meter ciúmes àquele rapaz loiro de lisboa que também lá estava. hoje posso dizer-te que na altura não percebi isso, achava que estavas mesmo a gostar de mim e que isto ia ser para sempre, como nos filmes. tínhamos catorze anos e podia ser sempre assim. isto, mantenho. não é por ter agora quarenta e três que vou deixar de achar que não devíamos ter catorze para sempre. depois desse beijo, nunca devias ter ido embora. nunca devias ter ido tentar um lugar na repartição de finanças de évora só porque não havia lugares aqui no norte. nunca te devias ter ido embora. devias ter-me dado tempo para te dizer que esse beijo mudou a minha vida e que sou louco por ti. que ainda hoje não arranjei ninguém e continuo à tua espera. mas a verdade é que não deste. foste para évora, assim de um dia para o outro, e pronto. não foi? não foi... ai! caraças! pois é, já não me lembro do teu nome. dar nome é uma coisa é possuí-la, e eu sei que nunca te vou ter para mim.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

saudades

fico até às tantas à tua espera naquele bar de sempre, onde conversávamos sem parar e ríamos até eu ter de te mandar para a cama. tenho saudades tuas, do teu sorriso e dos teus olhos e da tua cara de surpresa perante as minhas parvoeiras. tenho saudades de ti tão frágil, e de mim a ter tanto cuidado com cada palavra para não te quebrar de alto a baixo. tenho saudades da tua humildade em luta com a minha e de dizeres que és a maior ignorante do mundo para eu te dizer que não, e de te dizer que sou a maior besta do mundo e que sou um insensível para tu me dizeres que talvez não seja bem assim. tenho saudades de, naqueles bancos a imitar rústico mas feitos de fórmica, me dizeres coisas que nunca disseste a mais ninguém, e de eu te poder dizer coisas que não digo a mais ninguém, como se as estivesse a dizer a mim próprio. tenho saudades do cigarro fumado debaixo daquele candeeiro ao pé do teu carro, onde tinha de te enfiar como a um porco no camião do matadouro, para me deixares e ires até casa (não sei se alguma vez soubeste disto, mas eu depois de entrar no meu carro fingia sempre que estava a arrumar uns papéis e umas coisas para te ver sair primeiro que eu e ter a certeza que ias mesmo embora e me deixavas. cheguei a perseguir-te até casa para garantir que não ias tu atrás de mim). tenho saudades de inventar coisas para ti, que depois dizes que em tantos anos nunca ninguém te tinha feito. tenho saudades dos compromissos que fazemos, mesmo quando só um de nós os cumpre. tenho saudades. e tenho medo, porque se tenho tantas saudades tuas talvez seja porque este amor (o que vai de mim para ti) já não é só o que há entre amigos, por muito que esse me chegue e sobre, e já vá muito para além do que eu mereço de quem quer que seja - por várias razões: as principais são ser algo sem sentido, irrealizável, ridículo e estúpido. e porque esse tipo de amor, com o qual nunca vou saber lidar, pode estragar tudo. até as saudades.

(este é um texto de ficção. qualquer tentativa de ver nele a realidade da vida do seu autor é estupidez e perda de tempo)

o biblós

hoje encontrei uma ex-livreira que anda a aprender a encadernar livros. esse encontro, que não teve nada de especial e no qual só aconteceu ficar a saber que a senhora está a aprender a arte de encadernar livros por causa da falta de vergonha da minha mãe (a falta de vergonha às vezes pode ser uma coisa positiva, como neste caso; pior é quando se é um bicho-das-cavernas-pouco-mais-que-solitário como eu), pôs-me a pensar em duas coisas. 
por um lado, em como deve ser feliz (e em como é, sem sombra de dúvidas, viciante) uma vida em torno dos livros, tanto que quem uma vez trabalha com eles nunca mais os consegue largar. é maravilhoso amar um livro: amar o seu conteúdo, o que transmite, o que faz pensar, o que faz sentir, e amar o livro em si, como artefacto, como obra de arte, como utensílio precioso.
por outro lado, também dei por mim a pensar na situação dos ex-livreiros. as pessoas só se lembram que há livreiros, e que eles são bons e até ganham prémios, quando estes têm necessidade de fechar as suas livrarias. nesse momento, sim, é muito importante para todos que haja ali aquela pessoa que é tão simpática e tão boa a vender livros, quando durante anos a fio ela teve de se aguentar quase por milagre porque ninguém lá ia comprar nada. para a maioria das pessoas, uma livraria deve ser como uma loja de ferraris. é muito bom que a nossa terra tenha uma, para podermos dizer que existe, mas nunca lá entramos, porque não podemos comprar o que lá se vende. no caso dos ferraris, porque não temos dinheiro. no caso dos livros, porque não vale a pena perder tempo com isso, que é mas é coisa de intelectuais ricos ou de gente que não sabe o que é a vida e perde tempo que poderia ocupar preciosamente a trabalhar nas obras ou no campo, onde se sua a sério.
de facto, e era aqui que queria, mesmo, chegar, a verdade é que vivemos num país de pessoas que não lêem. repito, que não lêem. e não estou a falar sequer de ler livros bons, embora isso me preocupe. estou a falar de ler um contrato, ler uma notícia de jornal inteira, sem deixar passar aquela frase que serve de chave de leitura para o artigo, ler a porcaria de um status de uma rede social até ao fim e interpretá-lo melhor do que uma pessoa de dois anos. ler, nem que seja, um talão do multibanco, o rótulo de um pacote de batatas fritas (um dia, contaram-me de um senhor que lia tudo quanto podia, que até apanhava coisas do chão para ler. quando paro em frente a uma montra ou me apanho a ler coisas recolhidas do chão ou coladas em postes e caixotes do lixo, lembro-me de como deve ser sábio esse homem). 
as pessoas acham que ler não é importante e não serve para nada. acham que a matemática é mais importante que saber ler, escrever e pensar. as pessoas acham que a internet e os computadores substituem os livros, como se eles fossem só papel e tinta inúteis. as pessoas acham que não se pode amar um livro. as pessoas acham isto tudo mas depois também julgam que as livrarias, que são lojas, não devem fechar, mesmo que nunca lá vão comprar nada, porque, na verdade, nem sabem muito bem o que se lá vende.

nota do autor: este texto parece acabado à pressão, e foi. estava a ficar demasiado grande e depois ninguém ia ter paciência para o ler.

domingo, 8 de abril de 2012

Desejos de uma Santa Páscoa!

τότε οὖν εἰσῆλθεν καὶ ὁ ἄλλος μαθητὴς ὁ ἐλθὼν πρῶτος εἰς τὸ μνημεῖον καὶ εἶδεν καὶ ἐπίστευσεν·

Então, entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao túmulo. Viu e acreditou.

Jo 20, 8