à noite batias-me à porta
para dizer
«tenho sede»
talvez fosse uma forma
de acabar com este vazio
à noite batias-me à porta
para dizer
«tenho sede»
talvez fosse uma forma
de acabar com este vazio
naquela tarde disseste-me,
ia eu num autocarro,
que sou o sol radioso.
desde o dia em que
te mandei partir
que sou escuridão.
tivesse hoje
um mínimo sinal teu
e abria-te o coração.
sei que nunca
me darás o coração.
e fica ainda mais escuro.
há uma ingenuidade
que me quer convencer
que não existe
uma palavra que transforma
no silêncio da noite
lembro-me que foi
com palavras
que te perdi
a realidade a impor-se
utopia não é mudar
o que rodeia o homem
como se a técnica
nos fizesse novos.
utopia é mudar
o homem
acreditar
que podemos ser novos.
os cafés à tarde todos iguais
e eu a imaginar-me velho
numa esplanada
para ver passar os carros
como se essa vida
que ainda passa em frente
pudesse ser minha.