blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

a quase vida monástica

quando a porta do quarto se fecha
e as luzes se apagam
vejo ruir a minha vida
que se desfaz em estilhaços

aí me faço aprendiz
da noite e do silêncio
resta-me abraçar a minha solidão
talvez ela se torne doce

guia para amolecer corações

um abraço forte
um sorriso sem razão
um ramo de flores (de plástico?)
um poema do herberto helder
aquele verso do ruy belo
uma melodia do morrissey
horas de música clássica
um silêncio partilhado
um pedido de perdão
(é preciso que eu caia de joelhos?)
cair de joelhos

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

vivaldi

quanto maior for
a tua peregrinação
mais perto estás
de passar no corpo
as quatro estações

lento adagio allegro prestissimo

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

a arte de esperar

corre o vento
que agita as casas
e os homens que passam

meu o ofício da espera

tu nunca chegas à hora marcada

firme vejo o passar das horas
o que quero é o encontro
nem que tenha de criar raízes e dizer
o meu nome é árvore

das epístolas

Para o Rui

estou inquieto.

entre os papéis dos bancos
e publicidade enganosa
chegaram-me umas linhas manuscritas por ti.

há uma palavra riscada
e posta entre parêntesis
que talvez fosse a que eu
agora precisava de ouvir.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

transparente (um)


todos os dias, ao passar no autocarro,
lá estava ele.
cobertor por cima de si,
barbas compridas,
muitas vezes pacotes de vinho,
raramente a fumar,
frente a umas portas de alumínio
da artilharia um.
de há uns dias para cá deixei de o ver ali.
não sei se morreu, se está doente,
se simplesmente mudou de sítio.
nunca lhe falei, nunca lhe dei dinheiro,
nunca lhe dei tabaco, nunca lhe dei comida.
nunca lhe falei, mas de tanto o ver
através de uma janela
o homem faz-me falta.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

vinte e quatro (horas)

Quando Deus vacila em mim e uma entrevista «diria a um ateu, como a um crente, que não deixasse de procurar», o Bom Jesus de Braga esteve em obras, noventa e cinco réis para tirar as nódoas do filho do Tobias, um poema para lembrar que me chamaram raio de sol radioso, Carol is dead and I'm dancing in the streets, um Sínodo Diocesano, tirar Portugal da crise com água em pó e painéis solares, wat als? to hurt you, onda choc para chocar, mesmo, e agora isto. cama.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

sun light

de ver a luz do sol no brilho lindo dos teus olhos
talvez me tenha tornado um raio de sol radioso

hoje estão nuvens negras no céu
não há raios de sol radiosos, nem dos outros

há o brilho lindo dos teus olhos, menina,
e a promessa de um raio radioso a envolver-nos aos dois

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Os beijos não dados

Ó amor, em terra
longínqua...
quando os beijos
não dados
serão dados?

(ó amor, em terra
longínqua...)
migram agora
as aves
para o sul

(ó amor, em terra
longínqua...)
voltarão amanhã
as aves
dos mares do sul?

(ó amor, em terra
longínqua...)
os beijos não dados
serão, um dia,
todos dados:
ó amor, em terra
longínqua!

D. M. Montagna, I bacia non dati

sábado, 18 de janeiro de 2014

brevis

«Um amigo é, às vezes, o deserto,
outras, a água.»
Eugénio de Andrade

que um dia saibas quanto te quero

que um dia saibas quanto acho
conhecer bem os teus olhos nos meus

viajantes sem sono

na estrada da vida
há sempre caminhos de encontro
para os buscadores
(por muito que busquem por estradas, às vezes,
tão diversas)

o que importa é não deixar de buscar
e celebrar os encontros que acontecem
na estrada

como na música dos smiths
there is a light that never goes out
é ir sempre à procura da luz

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

segunda casa em ruínas

percorro a casa em ruínas.

não me assusta a madeira que range
nem o esterco abundante dos pássaros
nem as telhas que caem
tão-pouco a possibilidade de fantasmas

assusta-me a inexistência de fantasmas.
é sozinho que percorro a casa
e essa solidão pode ser para sempre

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

perikathármata

na parede clara de um prédio
escreveram a palavra merda
para lembrar aos homens
o que eles são

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

trazia um livro na mão

andava quase sempre a pé
pelas ruas esconsas da cidade
e contava as distâncias em cigarros

(estou a um volume de tabaco de ti
às vezes estou a três ou quatro cigarros de ti
e é tanto
às vezes estou num cigarro contigo
e parece que continuamos tão longe)

viajava com um livro na mão
esse artefacto tão inútil
não era uma enxada nem um revólver nove milímetros
não dá para fazer nada com um livro

as pessoas vinham à janela e diziam
vai ali um homem
com um livro na mão,
anda ver

se isto é um homem
não quero ser assim

domingo, 12 de janeiro de 2014

a realidade supera o sonho

ia a ler que
todos os homens viam nas palavras meigas
anúncios de sedução
e a ouvir que
to die by your side is such a 
heavenly way to die
quando
parece uma mala a cair,
o senhor não vai para casa,
vai para o hospital

já sabia que os homens
são como malas que caem
e que não gostam de hospitais

há muito tempo que não via um
cair assim, como uma mala
e ser examinado no chão
por tantos olhos

foi como uma história real
em que a realidade vem despertar o poema
superar o sonho,
todos os sonhos do mundo

vejo vivos

mais complicado do que ver mortos
há tanta gente que diz que os vê

é ver vivos
como os que eu vejo todos os dias
e acho que mais ninguém vê

(ninguém vê os malucos que passam
nem pára para ouvir as suas conversas
só eu
deve ser uma lei qualquer da atracção)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

refúgio de um canalha

A oração é o último refúgio de um canalha
Bart Simpson

o tão pouco que valho
o tão pouco que sou
o tão pouco que sei
é o que rezo nas minhas orações

Tu, ó Deus, que enches os espaços,
fazes com que já não seja
um canalha
mas um homem minimamente a sério

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

dá-me a mão

Take my hand, I'm a stranger in paradise
José Tolentino Mendonça

estou farto de fingir
que sou forte e feliz

preciso que alguém tome a minha mão
sou um peregrino com sede
e perdi-me da fonte

toma a minha mão
leva-me à fonte que mata a sede
do deserto da minha alma

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

the queen is dead

o que mais me dói
em não te amar mais
(em não saber se ainda te amo)
é que nunca gostei tanto de ti
quanto dos discos dos smiths

e a luz que não se apaga
às vezes tem uma chama que fraqueja

There is a light that never goes out

Leva-me a sair esta noite
Onde haja música e pessoas
Que sejam jovens e vivas
Guiando no teu carro
Eu nunca, nunca quero ir para casa
Porque eu não tenho uma
Nunca mais

Leva-me a sair esta noite
Porque eu quero ver pessoas e
Quero ver vida
Guiando no teu carro
Oh, por favor, não me largues em casa
Porque não é a minha casa, é a casa deles
E não sou mais bem-vindo

E se um autocarro
Bater contra nós
Morrer ao teu lado
É uma forma celestial de morrer
E se um camião
Nos matar aos dois
Morrer ao teu lado
Bem, o prazer - o privilégio é meu

Leva-me a sair esta noite
Leva-me a qualquer lado, não quero saber
Não quero saber, não quero saber
E na passagem subterrânea escura
Eu penso «Oh Deus, a minha oportunidade chegou finalmente»
(Mas então um medo estranho  apoderou-se de mim
Não consegui perguntar)

Leva-me a sair esta noite
Oh, leva-me a qualquer lado, não quero saber
Não quero saber, não quero saber
Guiando no teu carro
Eu nunca, nunca quero ir para casa
Porque eu não tenho uma,
Nunca tive uma


Oh, há uma luz que nunca se apaga,
Há uma luz que nunca se apaga.

(tradução - fraquinha - minha do tema dos Smiths que dá título ao post)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

oratio ci

se queres saber o que rezo
às vezes não é nada
outras a gratidão por ser tão pouco

se o Deus que às vezes te cativa
é o que me faz feliz
isso já deve ser oração que chegue

o que querem do poeta

ele escrevia há muito tempo.
tanto tempo que já todos o sabiam.
tanto tempo que o queriam a trabalhar por encomenda.
tanto tempo que lhe pediam poemas de amor.
o homem queria explicar que não podia ser,
que um poeta não é uma máquina de gelados
e que o poema nasce de dentro,
das entranhas, do fundo de um coração,
mas não conseguia,
de há tanto tempo escrever
esqueceu-se de como se fala.

dos olhos dos peregrinos

o olhar dos peregrinos silenciosos
ainda espanta de alegria as mulheres
e de estranheza os homens

na cidade já não há quem olhe para o céu
e começam a ser poucos os que o fazem nas aldeias

ribamar, 30.xii.2013