blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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sábado, 29 de janeiro de 2011

Coisas decentes em semi-insónia

Ao não conseguir dormir, calhou-me descobrir este site bem interessante. Apesar de em alemão, tem versões online de edições críticas da Bíblia nos originais e da Vulgata. A consultar por qualquer pessoa minimamente interessada (e com ferramentas para isso) nos estudos bíblicos mais a sério. A visitar aqui. Com link também na barra lateral do blog, na lista de sites.

Remédio para a solidão (ii)


Problema em vias de solução. Domingo viaja comigo para Lisboa, se Deus quiser.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Remédio para a solidão

É o Salmo 22.

לַ֭מְנַצֵּחַ עַל־אַיֶּ֥לֶת הַשַּׁ֗חַר מִזְמֹ֥ור לְדָוִֽד׃
2 אֵלִ֣י אֵ֭לִי לָמָ֣ה עֲזַבְתָּ֑נִי רָחֹ֥וק מִֽ֝ישׁוּעָתִ֗י דִּבְרֵ֥י שַׁאֲגָתִֽי׃
3 אֱֽלֹהַ֗י אֶקְרָ֣א יֹ֖ומָם וְלֹ֣א תַעֲנֶ֑ה וְ֝לַ֗יְלָה וְֽלֹא־דֽוּמִיָּ֥ה לִֽי׃
4 וְאַתָּ֥ה קָדֹ֑ושׁ יֹ֝ושֵׁ֗ב תְּהִלֹּ֥ות יִשְׂרָאֵֽל׃
5 בְּ֭ךָ בָּטְח֣וּ אֲבֹתֵ֑ינוּ בָּ֝טְח֗וּ וַֽתְּפַלְּטֵֽמֹו׃
6 אֵלֶ֣יךָ זָעֲק֣וּ וְנִמְלָ֑טוּ בְּךָ֖ בָטְח֣וּ וְלֹא־בֹֽושׁוּ׃
7 וְאָנֹכִ֣י תֹולַ֣עַת וְלֹא־אִ֑ישׁ חֶרְפַּ֥ת אָ֝דָ֗ם וּבְז֥וּי עָֽם׃
8 כָּל־רֹ֭אַי יַלְעִ֣גוּ לִ֑י יַפְטִ֥ירוּ בְ֝שָׂפָ֗ה יָנִ֥יעוּ רֹֽאשׁ׃
9 גֹּ֣ל אֶל־יְהוָ֣ה יְפַלְּטֵ֑הוּ יַ֝צִּילֵ֗הוּ כִּ֘י חָ֥פֵֽץ בֹּֽו׃
10 כִּֽי־אַתָּ֣ה גֹחִ֣י מִבָּ֑טֶן מַ֝בְטִיחִ֗י עַל־שְׁדֵ֥י אִמִּֽי׃
11 עָ֭לֶיךָ הָשְׁלַ֣כְתִּי מֵרָ֑חֶם מִבֶּ֥טֶן אִ֝מִּ֗י אֵ֣לִי אָֽתָּה׃
12 אַל־תִּרְחַ֣ק מִ֭מֶּנִּי כִּי־צָרָ֣ה קְרֹובָ֑ה כִּי־אֵ֥ין עֹוזֵֽר׃
13 סְ֭בָבוּנִי פָּרִ֣ים רַבִּ֑ים אַבִּירֵ֖י בָשָׁ֣ן כִּתְּרֽוּנִי׃
14 פָּצ֣וּ עָלַ֣י פִּיהֶ֑ם אַ֝רְיֵ֗ה טֹרֵ֥ף וְשֹׁאֵֽג׃
15 כַּמַּ֥יִם נִשְׁפַּכְתִּי֮ וְהִתְפָּֽרְד֗וּ כָּֽל־עַצְמֹ֫ותָ֥י הָיָ֣ה לִ֭בִּי כַּדֹּונָ֑ג נָ֝מֵ֗ס בְּתֹ֣וךְ מֵעָֽי׃
16 יָ֘בֵ֤שׁ כַּחֶ֨רֶשׂ׀ כֹּחִ֗י וּ֖לְשֹׁונִי מֻדְבָּ֣ק מַלְקֹוחָ֑י וְֽלַעֲפַר־מָ֥וֶת תִּשְׁפְּתֵֽנִי׃
17 כִּ֥י סְבָב֗וּנִי כְּלָ֫בִ֥ים עֲדַ֣ת מְ֭רֵעִים הִקִּיפ֑וּנִי כָּ֝אֲרִ֗י יָדַ֥י וְרַגְלָֽי׃
18 אֲסַפֵּ֥ר כָּל־עַצְמֹותָ֑י הֵ֥מָּה יַ֝בִּ֗יטוּ יִרְאוּ־בִֽי׃
19 יְחַלְּק֣וּ בְגָדַ֣י לָהֶ֑ם וְעַל־לְ֝בוּשִׁ֗י יַפִּ֥ילוּ גֹורָֽל׃
20 וְאַתָּ֣ה יְ֭הוָה אַל־תִּרְחָ֑ק אֱ֝יָלוּתִ֗י לְעֶזְרָ֥תִי חֽוּשָׁה׃
21 הַצִּ֣ילָה מֵחֶ֣רֶב נַפְשִׁ֑י מִיַּד־כֶּ֝֗לֶב יְחִידָתִֽי׃
22 הֹ֭ושִׁיעֵנִי מִפִּ֣י אַרְיֵ֑ה וּמִקַּרְנֵ֖י רֵמִ֣ים עֲנִיתָֽנִי׃
23 אֲסַפְּרָ֣ה שִׁמְךָ֣ לְאֶחָ֑י בְּתֹ֖וךְ קָהָ֣ל אֲהַלְלֶֽךָּ׃
24 יִרְאֵ֤י יְהוָ֨ה׀ הַֽלְל֗וּהוּ כָּל־זֶ֣רַע יַעֲקֹ֣ב כַּבְּד֑וּהוּ וְג֥וּרוּ מִ֝מֶּ֗נּוּ כָּל־זֶ֥רַע יִשְׂרָאֵֽל׃
25 כִּ֤י לֹֽא־בָזָ֨ה וְלֹ֪א שִׁקַּ֡ץ עֱנ֬וּת עָנִ֗י וְלֹא־הִסְתִּ֣יר פָּנָ֣יו מִמֶּ֑נּוּ וּֽבְשַׁוְּעֹ֖ו אֵלָ֣יו שָׁמֵֽעַ׃
26 מֵ֥אִתְּךָ֗ תְֽהִלָּ֫תִ֥י בְּקָהָ֥ל רָ֑ב נְדָרַ֥י אֲ֝שַׁלֵּ֗ם נֶ֣גֶד יְרֵאָֽיו׃
27 יֹאכְל֬וּ עֲנָוִ֨ים׀ וְיִשְׂבָּ֗עוּ יְהַֽלְל֣וּ יְ֭הוָה דֹּ֣רְשָׁ֑יו יְחִ֖י לְבַבְכֶ֣ם לָעַֽד׃
28 יִזְכְּר֤וּ׀ וְיָשֻׁ֣בוּ אֶל־יְ֭הוָה כָּל־אַפְסֵי־אָ֑רֶץ וְיִֽשְׁתַּחֲו֥וּ לְ֝פָנֶ֗יךָ כָּֽל־מִשְׁפְּחֹ֥ות גֹּויִֽם׃
29 כִּ֣י לַ֭יהוָה הַמְּלוּכָ֑ה וּ֝מֹשֵׁ֗ל בַּגֹּויִֽם׃
30 אָכְל֬וּ וַיִּֽשְׁתַּחֲוּ֨וּ׀ כָּֽל־דִּשְׁנֵי־אֶ֗רֶץ לְפָנָ֣יו יִ֭כְרְעוּ כָּל־יֹורְדֵ֣י עָפָ֑ר וְ֝נַפְשֹׁ֗ו לֹ֣א חִיָּֽה׃
31 זֶ֥רַע יַֽעַבְדֶ֑נּוּ יְסֻפַּ֖ר לַֽאדֹנָ֣י לַדֹּֽור׃
32 יָ֭בֹאוּ וְיַגִּ֣ידוּ צִדְקָתֹ֑ו לְעַ֥ם נֹ֝ולָ֗ד כִּ֣י עָשָֽׂה׃

Diz um homem infelizmente demasiado habituado a estar só. Que passa mais de doze horas por dia fora de casa. Que passa a vida sozinho em autocarros. Mas que ainda vai compensando a coisa em conversas de café e em jantares com os amigos e tal. E com esse remédio para a depressão que é o tintol...

Desconstrução de um texto

Na ânsia de dizer mal dos tempos actuais, um certo cavalheiro decidiu pôr no facebook o texto que passo a transcrever a seguir (no final porei o nome do senhor, para verem que não foi alguém fictício):

"Nasceste antes de 1986? Então lê isto... Se não ... lê na mesma.... Esta merece!!!!! Deliciem-se...

Nascidos antes de 1986. De acordo com os reguladores e burocratas de hoje, todos nós que nascemos nos anos 60, 70 e princípios de 80, não devíamos ter sobrevivido até hoje, porque as nossas caminhas de bebé eram pintadas com cores bonitas, em tinta à base de chumbo que nós muitas vezes lambíamos e mordíamos.

Não tínhamos frascos de medicamentos com tampas 'à prova de crianças', ou fechos nos armários e podíamos brincar com as panelas. Quando andávamos de bicicleta, não usávamos capacetes. Quando éramos pequenos viajávamos em carros sem cintos e airbags, viajar à frente era um bónus. Bebíamos água da mangueira do jardim e não da garrafa e sabia bem. Comíamos batatas fritas, pão com manteiga e bebíamos gasosa com açúcar, mas nunca engordávamos porque estávamos sempre a brincar lá fora. Partilhávamos garrafas e copos com os amigos e nunca morremos disso. Passávamos horas a fazer carrinhos de rolamentos e depois andávamos a grande velocidade pelo monte abaixo, para só depois nos lembrarmos que esquecemos de montar uns travões. Depois de acabarmos num silvado aprendíamos. Saíamos de casa de manhã e brincávamos o dia todo, desde que estivéssemos em casa antes de escurecer. Estávamos incontactáveis e ninguém se importava com isso. Não tínhamos Play Station, X Box. Nada de 40 canais de televisão, filmes de vídeo, home cinema, telemóveis, computadores, DVD, Chat na Internet. Tínhamos amigos - se os quiséssemos encontrar íamos à rua. Jogávamos ao elástico e à barra e a bola até doía! Caíamos das árvores, cortávamo-nos, e até partíamos ossos mas sempre sem processos em tribunal. Havia lutas com punhos mas sem sermos processados. Aprendíamos a andar de bicicleta, na bicicleta do pai ou do vizinho e chegámamos a casa com os joelhos todos esfolados. Batíamos ás portas de vizinhos e fugíamos e tínhamos mesmo medo de sermos apanhados.

Íamos a pé para casa dos amigos. Acreditem ou não íamos a pé para a escola; Não esperávamos que a mamã ou o papá nos levassem. Criávamos jogos com paus e bolas. Jogávamos à bola e brincávamos ao pião. Jogávamos à carica e ao berlinde, às três covinhas. As meninas jogavam às padrinhas e saltavam à corda. Brincavam às cazinhas e às enfermeiras. Se infringíssemos a lei era impensável os nossos pais nos safarem. Eles estavam do lado da lei.

Esta geração produziu os melhores inventores e desenrascados de sempre. Os últimos 50 anos têm sido uma explosão de inovação e ideias novas. Tínhamos liberdade, fracasso, sucesso e responsabilidade e aprendemos a lidar com tudo.

És um deles?

Parabéns!

Passa esta mensagem a outros que tiveram a sorte de crescer como verdadeiras crianças, antes dos advogados e governos regularem as nossas vidas, 'para nosso bem'. Para todos os outros que não têm idade suficiente pensei que gostassem de ler acerca de nós. Isto, meus amigos é surpreendentemente medonho... E talvez ponha um sorriso nos vossos lábios.

A maioria dos estudantes que estão hoje nas universidades nasceu em 1986. Chamam-se jovens. Nunca ouviram 'we are the world' e uptown girl conhecem de westlife e não de Billy Joel. Nunca ouviram falar de Rick Astley, Banarama ou Belinda Carlisle. Para eles sempre houve uma Alemanha e um Vietname. A SIDA sempre existiu. Os CD's sempre existiram. O Michael Jackson sempre foi branco. Para eles o John Travolta sempre foi redondo e não conseguem imaginar que aquele gordo fosse um dia um deus da dança. Acreditam que Missão impossível e Anjos de Charlie são filmes do ano passado. Não conseguem imaginar a vida sem computadores. Não acreditam que houve televisão a preto e branco.

Agora vamos ver se estamos a ficar velhos:

1. Entendes o que está escrito acima e sorris.

2. Precisas de dormir mais depois de uma noitada.

3. Os teus amigos estão casados ou a casar.

4. Surpreende-te ver crianças tão à vontade com computadores.

5. Abanas a cabeça ao ver adolescentes com telemóveis.

6. Lembras-te da Gabriela (a primeira vez).

7. Encontras amigos e falas dos bons velhos tempos.

SIM ESTÁS A FICAR VELHO/A heheheh , mas tivemos uma infância do caraças" (Paulo Reis)


Meus amigos. Fala alguém nascido no ano da graça do Senhor de 1986. Descontando os tiques saudosisto-fascistas revelados pelo autor do texto, acho que isto é coisa de um comunista-fascista. Comunista, porque fixa a data de 1986 apenas por ser a entrada de Portugal na União Europeia. Fascista, por este alimentar de um saudosismo dos tempos que já lá vão, normalmente desacompanhado de um desejo de mudar o mundo, hoje, com as armas que nos são dadas hoje, e não com as de há 10, 20 ou 30 anos, quando ainda éramos crianças.

Decidi escrever este texto para informar o seu autor. Informá-lo de que nasci em 1986, fui criança nos anos 90 e ainda caibo em muito do que escreve. Nasci sem computadores, com dois canais de televisão, vi putos a beber água das poças, ficava na rua até à noite, brinquei com carros de rolamentos e nas árvores e comi fruta pulverizada e coisas fora do prazo e fui a tascas que a ASAE encerrou e vi o Michael Jackson a mudar de cor e não, não me lembro dos outros cantores de que fala mas não tenho pena disso porque sou da década dos Pearl Jam e dos Nirvana e porque os bons, mesmo bons, músicos (Beethoven, Mozart e etc.) são intemporais, e não me lembro só de haver cd's porque ainda ouvi muito vinyl, incluída a banda sonora da telenovela Sassaricando, e porque os primeiros leitores de cd's eram coisa para saudosistas burgueses como o autor do texto acima, que gaba o passado mas anda aí a gozar os bens do presente. Porque, e com isto me calo, os que nasceram antes de 1986 foram os que fundaram o BPN e o BPP e o BCP e os que estão no governo e os que fizeram casas e compraram carros e acompanhantes de maior ou menor luxo com dinheiro que chegou depois de 86 e que deviam ter investido na agricultura ou na indústria. Quer um conselho, Paulo? Antes de escrever um texto destes, fale com pessoas da idade que quer denegrir. Ia perceber que a geração de 86 não é nada disto. Já a de 90 (ahah)... Ai, volta Cavaco, volta Soares, volta Salazar!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Da necessidade da acção (católica)

Da necessidade da acção e da existência da preguiça

Numa das melhores cadeiras que tive no curso, Ética, o professor dizia que não servem de nada os manuais de instruções. Quando é preciso salvar um homem, de que serve ler o manual de instruções de como salvar um homem? Morre o homem, e o leitor do manual de instruções junta à sua inutilidade o drama inefável de ver morrer um homem. Para salvar um homem, é preciso pôr mãos na massa, lançar-se ao homem e chamá-lo de volta.
E é preciso fazê-lo quer se trate de salvar um homem em paragem cardíaca (era desse tipo de salvação que falava o parágrafo anterior) quer de salvar um homem da morte eterna. Não serve de nada ler os melhores tratados de teologia, os Santos Agostinhos e Sãos Tomás e São Paulos e Evangelhos e Hans Urs von Balthasares e Rahners e Ratzingers e Papas e tudo se isso não ajudar a, no momento concreto de salvar uma pessoa, nesse em que ela está entre a vida e a morte, fazê-lo efectivamente.
Vejo muita gente - muitas vezes também eu mesmo faço parte dessa gente - que quando tem a hipótese de ajudar a salvar um homem da melhor maneira que conheço, apresentar-lhe Jesus Cristo, se mete a ler para si manuais de instruções, ou a ler manuais de instruções à pessoa. E o pior é quando se faz a segunda coisa, que é como se dissesse à pessoa: "Desenrasca-te meu amigo".
Os dias de hoje exigem de nós acção, exigem-no de mim. Exigem que deixe de ser um preguiçoso da pior espécie. Que deixe de ler manuais de instruções às pessoas, e das pessoas - porque essas não vêm de certeza com manuais de instruções. Que eu não seja como o Frei Tomás, e o que eu digo seja o que eu faço.

Sabeis em que tempo vivemos: já é hora de acordardes do sono, pois a salvação está agora mais perto de nós do que quando começámos a acreditar. (Rm 13, 11)

Professor e tudo

Um teólogo na escola pública não deixa de ser uma avis rara.
Da parte dos colegas professores é, principalmente, fonte de questões. Muitos são os pedidos de esclarecimentos, desejos de conversas que os horários de uns e outros fazem com que nunca aconteçam, as dúvidas acerca do que andará ele a fazer nesse espaço de mistério que é a EMRC.
Da parte dos alunos é alvo de uma espécie de carinho especial que não se explica. Se o "stôr" «não é o nosso psicólogo» não deixa de, muitas vezes, cumprir essa função. «O "stôr" é o mais fixe que nós temos», mesmo que depois não haja razão nenhuma aparente para isso. Não raras vezes, o quorum que assiste às aulas à janela é maior que o que se encontra dentro da sala.
De facto, as aulas de EMRC tornam-se muitas vezes espaço de dizer o que não se diz noutros espaços da escola... Falar da família (dos pais e dos padrastos e das mães e de tudo e da miséria a que isto chegou, na família...) e da escola antiga de que se gostava muito, e dos colegas que gozam com eles, e de tudo. Também de falar na Bíblia, e de uma perspectiva cristã do mundo.
A realidade é que o sistema de ensino actual ensina a criar razoáveis cientistas para as ciências naturais, alguns profissionais competentes, mas percebo-o inimigo do pensamento próprio, da capacidade de uma síntese própria do estudo feito. É o tempo do copy/paste. O lugar do teólogo é ajudar a pensar com o olhar da fé. Levantar questões, chamar a atenção, batalhar nos valores, dar instrumentos de investigação.
Mas, entre os colegas professores e os alunos, o lugar do teólogo na escola é o mesmo que deve ser o do cristão em todo o lado: ser pergunta, ser estranho, diferente, incómodo (no bom sentido do termo). E ser ainda aberto a todos, e responder à pergunta que é, e fazer novas perguntas, em busca de que todos se tornem eles mesmos perguntas. Porque só a interrogação nos permite fazer caminho.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Procrastinar

Ao terminus do curso continuo com o malvado vício de deixar tudo para a véspera... Aproxima-se a recta final!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Evangelho segundo "Os Simpsons"

Uma das bolhas mediáticas dos últimos dias foi inesperadamente (ou não) fornecida pelo “Osservatore Romano”. Um artigo assinado por Luca M. Possati (um insuspeito especialista em Paul Ricoeur) começava assim: “Poucos o sabem, e fazem de tudo para escondê-lo, mas é verdade: Homer J. Simpson é católico”.
Em dezembro do ano passado, já este autor publicara no mesmo jornal um elogio daquela singular família do desenho-animado, criada pelo genial Matt Groening e que a “Times”, por exemplo, escolheu para figurar na galeria das 100 personalidades capazes de resumir o século XX.
Foto
Homer e Bart Simpson são católicos? Pode-se sempre dizer: pelo menos num episódio (que no original se intitulava “The Father, the son & the Holy Guest Star”) ambos se convertem ao catolicismo.O guião é hilariante q.b.: Bart havia sido expulso da escola e a mãe, Marge, decide inscrevê-lo num colégio severo, nada menos que a escola católica de São Jerónimo. Num daqueles comentários devastadores de Homer, ele previne o seu rapaz: “olha que ali não corres apenas o risco de apanhar más notas. Podes mesmo acabar no Inferno”. Bart, porém, para grande surpresa de todos, decide abraçar a fé católica quando ouve o Padre Sean citar Enimem numa homilia e, depois, tocar bateria numa banda só de clérigos. Marge diz-lhe que o catolicismo é como ir ao ginásio: um bando de gente, sentada, em pé, sentada e por aí fora. Mas quando Homer vai ao colégio com o propósito de retirar o filho, contagiado pela simpatia das pessoas, pela oferta de guloseimas e pela ocasião de limpar os próprios pecados através de uma longuíssima confissão, ele regressa a casa também convertido.
Certamente uma andorinha não faz a primavera, e o que define o catolicismo de Homer não é um episódio. É preciso dizer que “Os Simpsons” são a única série televisiva de animação que se permite falar de Deus. O transcendente, a oração e a Bíblia fazem parte do teatro do quotidiano, da sua agitação e da sua quietude. E a irresistível ironia serve para purificar as manipulações desse sagrado que não cessou de pontuar a vida. Quando Lisa, escandalizada com o oportunismo religioso de Bart, lhe diz “a oração é o último refúgio de um canalha”, essa frase faz-nos rir, mas põe-nos no lugar.
José Tolentino Mendonça in Página 1, 21.10.10

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Quando se vê morrer um homem

Não levei muito a sério quando me disseram que os autocarros e o metro são lugares onde se fazem grandes experiências filosóficas e teológicas. Continuei a pensar que isso é coisa que se faz a ler livros dos grandes autores, a ler a Palavra de Deus, na Missa e nos outros sacramentos, na oração pessoal, nos grandes debates académicos e nas conversas de café, de porta de faculdade ou de corredor com os colegas que também reflectem sobre estas questões. Segui pensando que isso seria coisa para, no mínimo, umas tertúlias mais ou menos organizadas, mais ou menos espontâneas, em casa própria ou de uns amigos...
Mas a vida, que me põe quase todos os dias a caminho de autocarros e do metro, ela mesma se encarregou de me mostrar que afinal a frase estava certa. Uma das experiências que faço várias vezes é a mesma que levou a pessoa que me disse esta frase a referi-la: a experiência do amor dos feios... Duas pessoas feias que são capazes dos maiores (melhores, mais belos) gestos de carinho. Já fiz a experiência do contrário, duas pessoas bonitas que têm os mais feios gestos. Uma pessoa bonita que é capaz das mais feias palavras e obras. Já agora, para inserir todas as variáveis, uma pessoa feia fazer ou dizer bonitas coisas. Duas pessoas bonitas expressarem amor. Duas pessoas feias expressarem coisas feias...
Muitas outras experiências profundas se fazem nestes meios de transporte. Uma delas é a de que, não raras vezes, eles são «solidões ambulantes», transportam gente que vai só, cortando o silêncio de estar sozinho com os mp3's e os telemóveis e os livros e etc e tal. Outra é a de que neles vemos os seres humanos tais quais são (alegres, tristes, bem ou mal educados - tudo coisas que ficam mais claras quando se está só). Lá se permite ainda chegar a momentos de inspiração especial (que a solidão pode ser boa e dar frutos), como o da minha decisão de construir a minha autobiografia, aqui no blog, como poema (ainda que eu não seja poeta, nem a isso tenha pretensões, e que quase todos aqueles textos andem à volta de Deus, que é afinal Quem está no âmago de toda a vida de um aprendiz de teológo como eu, mesmo quando absconditus), pois só o poema permite preencher o silêncio, dizer o que parece não poder ser dito.
Uma outra experiência que se pode fazer num autocarro ou no metro é ainda (e era aqui que queria chegar), e se bem que felizmente pouco comum, a de ver morrer um homem. Aconteceu-me hoje. Voltava de Queluz de Baixo, com mp3 mas sem vir a ler livro, quando, numa zona em que não é habitual, havia especial congestionamento de trânsito. Eu, ainda que sem algo de especial para fazer em seguida, improperiei para mim mesmo contra o aselha que estaria a provocar aquilo. Mais à frente, vejo um triângulo, e improperiei de novo interiormente contra o homem que teria deixado o carro avariar num sítio daqueles... Subitamente, observo um grande aglomerado de gente à frente do carro. Vejo gente a mexer-se dentro do autocarro correndo para a janela (mesmo na cidade, os abutres pressentem a morte). No chão, esvaindo-se em sangue, um homem jaz na posição fetal, enquanto uma senhora tenta ainda resgatá-lo, prendê-lo como pode à Terra. Muitos gritam: «Já nem se mexe». E eu pensei: «Este já vai entrar na terra dos vivos». Rezei. E por fim lembrei-me que, de facto, os autocarros e o metro são lugares de grandes experiências filosóficas e teológicas.
Mas, mesmo, o que não me sai da cabeça é a sensação de ver morrer um homem. A impotência de quem vê, a solidão a que ele é votado, ainda que rodeado de gente. A oração que rezei naquele momento? Essa mesma, que se reza nestas alturas. O silêncio.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Pergunta para nenhum punhado de dólares

Um homem que ganhava a vida a dizer mal dos outros poderá ir para o Céu?

O teólogo é um ente estranho

O que fazes?

Teologia

O quê? Que é isso? Isso não é só de padres? Explica-me mais. Fala-me mais. Havemos de conversar sobre isso.

Fala-me de Deus.

E eu respondo.
Como sei, como vivo, como rezo.
E penso para mim mesmo
no título da biografia de Clarice Lispector:
«Eu sou uma pergunta».

O cristão é uma pergunta

Sonho doutro homem

A impotência

pode matar

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Autobiografia (xii)

O que é feito de ti?

Salv(acção)

Freud não salvará o mundo

Niestche não salvará o mundo

Kant não salvará o mundo

Platão não salvará o mundo

Sócrates (qual deles?) não salvará o mundo

A Beleza salvará o mundo!

A Bondade salvará o mundo!

A Verdade salvará o mundo!

O AMOR salva o mundo!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Autobiografia (xi)

Raios partam
aos namorados
aos maridos
aos amigos coloridos

porque estarão
todas as pessoas interessantes
sempre ocupadas?
caramba, pá.

Autobiografia (x)

comer cigarros
comer chocolates
comer amendoins
comer sardinhas (em tomate picante?)
comer atum
comer carne
e pouco peixe

Comer a Palavra,
Tragá-la, mastigá-la.
E esperar que todo o organismo a absorva
e nada saia por aí...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Estar só

Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste
e te afastas dos meus gritos?
Brado em vão e sem repouso.
Encho os dias e as noites com as vozes desta angústia,
e o teu silêncio me cerca.

Chamavam por ti os antigos, e os apelos ecoavam
em tuas altas escarpas.
Eu porém sou como um verme - a vergonha do meu povo.
Escarnece quem me vê:
- Confia no Senhor, porque salva aqueles que ama.

Foste tu quem me tirou do ventre de minha mãe,
tu que eras o meu Deus desde o fundo da matriz.
Oh, não te afastes mais de mim, quando a angústia
me rodeia.

Inumeráveis me envolvem os touros de Basã.
Leões que abrem bocas para me dilacerar.
E os meus ossos desconjuntam-se.
Derrete-se meu coração como cera contra as chamas.
Seca-se a boca de argila.

Ladra o tumulto dos cães. Sangrando de pés e mãos,
rolo sobre um chão mortal.
Espalharam os meus ossos, dividiram minha túnica:
não te afastes mais de mim, ó grande força celeste!
Arranca aos cães e ao gládio esta vida singular.
Toma-a às garras dos leões e aos altos cornos dos búfalos.


Salmo 22 mudado para português por Herberto Helder (Herberto HELDER, O Bebedor Nocturno, Lisboa, Assírio & Alvim 2010.)

Autobiografia (ix)

No meio do som dos homens e mulheres
- esses, que parecem ser felizes -
vivo um silêncio aterrador.
Os olhos brilham
e por dentro correm lágrimas.
(maricas é o homem que não consegue chorar!)

Je ne sais quais grita,
estoira-me os tímpanos,
mas só ouço o silêncio.
Farto de não conseguir deixar de parecer sempre bem
e bem-disposto, ou bem disposto...

Ah, meu Deus, meu Deus,
só Tu não me abandonaste!...

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011