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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Resto de solidão e resto de companhia

O capítulo vinte e um de um dos meus livros preferidos, a máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe, tem como título «precisava deste resto de solidão para aprender sobre este resto de companhia». Desde a primeira vez que li essa frase que me ficou na memória. Para uma pessoa que vive uma solidão mais ou menos voluntária, não deixa de ser marcante esta frase, pois qualquer resto de companhia vem iluminar a minha solidão.
De há uns anos para cá, habituei-me a viver sozinho. Não num sentido real, porque sempre partilhei casa com outras pessoas, mas num sentido mais espiritual. Desabituei-me dos afectos e aprendi a viver assim. Hoje percebo como isso me tornou uma pessoa difícil, com dificuldade em lidar com elogios, com abraços e com beijos e com essas coisas todas.
Nos últimos tempos, como nunca, e ainda que graças a uma conjugação de diversos factores exteriores a mim, tenho-me apercebido da fecundidade que a solidão afinal pode trazer (ainda que no meu caso possa ser [não consigo ainda discernir se será ou não] passageira), pois faz-nos valorizar ainda mais a companhia. Entre colegas do tempo do Seminário que são ordenados, amigos com quem saí (por acaso, por causa da ordenação dos colegas...), colegas de trabalho que falam comigo fora do horário de trabalho, têm-se sucedido marcas de companhia (as tais de que me desabituei: continua a não haver beijos, coisa que não me importa particularmente, mas tem havido muitos abraços e elogios à minha pessoa). E cada uma delas me surge como um milagre, como que a lembrar que a vida se joga hic et nunc. A minha solidão fez-me, mesmo, aprender que há sempre um resto de companhia. Que há sempre um amigo que gosta de mim, que há sempre uma colega que acha que vale a pena ouvir o que tenho para dizer, que há sempre um Deus que não me deixa e que - espante-se! - morreu por mim. Ressuscitou por mim. E tudo isso, por causa da solidão, me faz ver que quem ganha sempre é a companhia.

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