aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.
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quinta-feira, 31 de outubro de 2019
Para explicar a destruição
Para explicar as palavras vãs
Para explicar o mistério da infância
quarta-feira, 30 de outubro de 2019
Para explicar um passeio no parque
Para explicar a dor
terça-feira, 29 de outubro de 2019
Para explicar as casas em construção
tão perdidos por aí
à procura de um lugar
onde assentar a cabeça
e descansar em paz,
tão perdidos à procura
da pessoa que é esse lugar
que abriga e acalma,
às vezes encontramo-la
e nem damos por isso
e fugimos rua abaixo
porque a alegria assusta mais
que a solidão voluntária
Para explicar o quinto capítulo do Cântico dos Cânticos
Para explicar o exercício da escuta
segunda-feira, 28 de outubro de 2019
Para explicar a suspensão voluntária do juízo
de moedas a rodopiar
sobre o tampo marmóreo
de uma taberna antiga
as nossas vidas em suspenso
à espera da próxima dor
e da alegria que se esconde
nas margens de nós
Para explicar a adolescência
à hora de ir dormir
agarro-me ao ursinho de peluche
que me acompanha desde pequena
e não me abandona nunca
faz sempre o que eu quero
e gosta tanto de mim
e ele segreda-me ao ouvido
que é melhor assim a solidão
do que assumir as rédeas
e o risco de um amanhã novo
da hipótese de que as coisas corram bem
que haja uma companhia que alegra os dias
o meu urso empurra-me para baixo
e eu gosto assim
para quê sonhar?
sexta-feira, 25 de outubro de 2019
Para explicar a distância
Para explicar as moradas
Para explicar as viagens (ii)
terça-feira, 22 de outubro de 2019
Para explicar o desamparo
Para explicar a sede
segunda-feira, 21 de outubro de 2019
Para explicar a pequenez
queria às vezes o dom
de ter uma alma pequenina
como o coração da mãe
quando o seu filho sofre
o dom de um coração que cresce
quando os filhos crescem
e voltam a andar por si
no mundo dos felizes
sexta-feira, 18 de outubro de 2019
Para explicar a queda de um homem
quinta-feira, 17 de outubro de 2019
a partida de emaús
Para explicar as viagens
terça-feira, 15 de outubro de 2019
Para explicar a cor dos prédios
segunda-feira, 14 de outubro de 2019
os frutos da estação
sexta-feira, 11 de outubro de 2019
pedras, ratos & canções de amor
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
lost in translation
as escadinhas para o alpendre
que dá acesso à casa
depois a própria casa e as suas divisões
a sala vazia de tudo menos um sofá
e umas garrafas ao canto
a casa de banho abandonada e suja
os lençóis dobrados sobre a cama no quarto
era o silêncio que habitou quem ocupou
aquele lugar
e que deixaram ali como memória
o que lá fomos à procura
estore entreaberto
nasce um dia novo
e é sempre noite em mim,
as moedas perdidas a ramalhar nos bolsos,
um livro de poemas na pasta de couro,
vários cadernos rabiscados a tinta preta,
a possibilidade do amor em suspenso,
as saudades de casa que talvez não saudades de casa,
a memória do conforto de não enfrentar
o que não se conhece,
o horário de trabalho ainda não decorado
num papel já meio amarrotado
e assinado fora da linha,
um abraço apertado à incerteza
e as promessas, tantas, que ficarão por cumprir
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
os castelos altaneiros
há sempre uma palavra ainda por cumprir
escondida nas pedras do buraco grande
da torre do facho
a que ninguém presta grande atenção
porque esse castelo agora tão ao longe
oitenta quilómetros de distância
às pedras com que se erguem
as saudades de casa
de não saber onde e com que pedras
erguer uma casa a que chame minha
o castelo às vezes tão perto do coração
como nunca esperei que fosse acontecer
uma chave de fendas contra a parede
que segredos escondem
os sons que se ouvem pela manhã?
já não os pássaros que cantam
e o barulho dos tractores,
agora uma espécie de gemidos
a sair dos prédios, tremuras,
buzinas ao longe e o som dos carros,
não há os latidos dos cães
nem às vezes o silêncio
com que esperava ainda o amor.
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
Para explicar o desconhecido
com as presenças agora mais próximas
e os pequenos milagres que acontecem
para acalmar os batimentos incertos
e afogá-lo, ao medo, bem fundo no tejo
até que seja luz nova
espelhada no mar da palha
a lembrar que amanhã
é sempre outra coisa
que podemos querer melhor
sexta-feira, 4 de outubro de 2019
Para explicar a cor das nuvens
há uma melancolia qualquer
nas nuvens baixas que aparecem
em dias como este,
nuvens como máquinas de pôr a pensar
nas palavras não ditas,
nuvens como gritos dirigidos
às raparigas de jerusalém
quando se está doente de amor,
essa enfermidade que consentimos
mesmo quando faz doer até aos ossos
quinta-feira, 3 de outubro de 2019
fazenda
o que busco é a profundidade das raízes
das videiras velhas agora abandonadas,
como se dali viessem as memórias felizes
de uma infância que há-de voltar
transformada e transportada em outras vidas,
como se dali viesse um segredo,
porque se esconde muita sabedoria
nas vinhas velhas deste mundo,
sobre como descer ao fundo de um coração
que se quer conquistar e ao mesmo tempo
deixar livre como tem de ser sempre
terça-feira, 1 de outubro de 2019
folhas castanhas
enquanto no outono
as folhas caem das árvores
como o pequeno príncipe
na areia do deserto
insisto em olhar para outro lado
um horizonte distante
céu a pôr-se laranja por entre nuvens
já não vermelho
porque o amor
é uma casa que se espera de pé
à espera de uma canção
há uma luz que nunca se apaga,
dizias naquela tarde
em que esperavamos a vida
num banco de jardim encravado entre os prédios.
que não serve de nada a luz,
dizia-te eu, porque isto é escuridão tantas vezes,
não há túneis sequer para terem luzes ao fundo,
é tudo muito bonito e há as flores nos campos
mas não me queres como eu te quero,
sei o que isso dói porque me acontece
estar nesse teu papel.
fomos interrompidos por um velho
que pede um cigarro e lume,
uma luz que nunca se apaga.