blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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domingo, 22 de agosto de 2010

Verdade

«Antes de morrer, a donzela disse para o pescador:
- A sua mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade?
O pescador deu de ombros e disse:
- A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador».

VERÍSSIMO, Luís Fernando, As mentiras que os homens contam, Lisboa, Dom Quixote 2002, p. 114.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Marco Chagas

Agosto é, para mim, desde sempre (vamos ver até quando...), mês de férias, de praia (nem sempre...) e de Volta a Portugal em bicicleta. Sou do tempo em que a Nacional 114 tinha outra importância, e ia de mão dada com o meu pai ao largo do coreto ver passar os ciclistas. De facto, o ciclismo foi um desporto de que sempre gostei, mesmo que o meu clube não tenha equipa de ciclismo (apesar de o melhor ciclista português de todos os tempos ter corrido no meu clube).
Vejo ciclismo pelo interesse que tenho no desporto em si (na parte técnica e táctica) e não apenas para ver as paisagens mostradas pelos helicópteros... E ver ciclismo na televisão portuguesa tem um grande ponto de interesse: está lá o melhor comentador desportivo português (sim, desisti do tal post de crítica gratuita ao idolatrado Freitas Lobo, substituindo-o por este...)!
Marco Chagas junta tudo aquilo que o apreciador do desporto em questão quer ouvir:
1. Foi praticante da modalidade, por isso sabe o que custa andar em cima da bicicleta, sabe o que pensam os ciclistas e não inventa estados de alma que eles possam ter. Ademais, ele não foi um ciclista qualquer (o seu recorde de quatro vitórias na Volta só agora foi igualado pelo galego David Blanco), por isso sabe o que é atacar na hora da vitória, perceber quando já se ganhou ou ainda se pode perder.
2. Domina bastante bem a parte táctica e técnica do desporto e sabe expô-la aos telespectadores numa linguagem que estes entendem, sem pretensiosismos e até pondo a dose certa de humor à mistura (gosto sempre de ouvir os termos coloquiais com que os ciclistas exprimem certas realidades da técnica ou da táctica do desporto).
3. É um verdadeiro profundo conhecedor da modalidade. Conhece os resultados da maioria das corridas velocipédicas mundiais, nota-se que é um estudioso do ciclismo, aparece sempre com o trabalho de casa feito (ciclistas e equipas sem ligação a Portugal [sobretudo quando comenta o Tour] são rapidamente identificados e são-nos dadas informações que não são de um leigo ou de quem está a inventar). Muito importante: engana-se tantas vezes no nome do ciclista que está a ser filmado num programa de várias horas como um relatador ou comentador de futebol se enganam no nome de quem tem a bola em cinco minutos (o que, tendo em conta que não se joga futebol de capacete, óculos e luvas, é obra!).
4. Correu na equipa do Sporting e ganhou muitos títulos com a camisola verde e branca vestida (eheheh)!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Haroldo de Campos - excerto de Galáxias

e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso
e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa
não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever
mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura para
começar com a escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso
recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é
o futuro do escrever sobrescrevo sobrescravo em milumanoites miluma-
páginas ou uma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas
mesmam ensimesmam onde o fim é o comêço onde escrever sobre o escrever
é não escrever sobre não escrever e por isso começo descomeço pelo
descomêço desconheço e me teço um livro onde tudo seja fortuito e
forçoso um livro onde tudo seja não esteja um umbigodomundolivro
um umbigodolivromundo um livro de viagem onde a viagem seja o livro
o ser do livro é a viagem por isso começo pois a viagem é o comêço
e volto e revolto pois na volta recomeço reconheço remeço um livro
é o conteúdo do livro e cada página de um livro é o conteúdo do livro
e cada linha de uma página e cada palavra de uma linha é o conteúdo
da palavra da linha da página do livro um livro ensaia o livro
todo livro é um livro de ensaio de ensaios do livro por isso o fim-
comêço começa e fina recomeça e refina e se afina o fim no funil do
comêço afunila o comêço no fuzil do fim no fim do fim recomeça o
recomêço refina o refino do fum e onde fina começa e se apressa e
regressa e retece há milumaestórias na mínima unha de estória por
isso não conto por isso não canto por isso a nãoestória me desconta
ou me descanta o avesso da estória que pode ser escória que pode
ser cárie que pode ser estória tudo depende da hora tudo depende
da glória tudo depende de embora e nada e néris e reles e nemnada
de nada e nures de néris de reles de ralo de raro e nacos de necas
e nanjas de nullus e nures de nenhures e nesgas de nulla res e
nenhumzinho de nemnada nunca pode ser tudo pode ser todo pode ser total
tudossomado todo somassuma de tudo suma somatória do assomo do assombro
e aqui me meço e começo e me projeto eco do comêço eco do eco de um
começo em eco no soco de um comêço em eco no oco de um soco
no osso e aqui ou além ou aquém ou láacolá ou em toda parte ou em
nenhuma parte ou mais além ou menos aquém ou mais adiante ou menos atrás
ou avante ou paravante ou à ré ou a raso ou a rés começo re começo
rés começo raso começo que a unha-de-fome da estória não me come
não me consome não me doma não me redoma pois no osso do comêço só
conheço o osso o osso buço do comêço a bossa do comêço onde é viagem
onde a viagem é maravilha de tornaviagem é tornassol viagem de maravilha
onde a migalha a maravilha a apara é maravilha é vanilla é vigília
é cintila de centelha é favilha de fábula é lumínula de nada e descanto
a fábula e desconto as fadas e conto as favas pois começo a fala

Arnóia

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos XX

"Para ler aos noviços"

Deus não aparece no poema

apenas escutamos a sua voz de cinza

e assistimos sem compreender

a escuras perícias


A vida reclama inventários e detalhes

não a oiças

quando inutilmente perscruta as sequências do seu trânsito


Só há um modo verdadeiro de rezar:

estende o teu corpo ao longo do barco

que desce silencioso o canal

e deixa que as folhas mortas dos bosques

te cubram


José Tolentino Mendonça, O Viajante sem sono, Lisboa: Assírio & Alvim 2009.

sábado, 7 de agosto de 2010

Suas camisolas berrantes



pelos campos a vibrar são papoilas saltitantes.

FC Porto 2 - 0 SL Benfica
(não, infelizmente ainda não podem perder os dois na Supertaça... Ao menos que empatassem...)

Futebol - nova época

Apesar de não gostar de muitas das opiniões do senhor, não posso deixar de partilhar este vídeo com Manuel Moura dos Santos. É a forma de lançar aqui a época 2010/2011:


segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sugestão de vídeo para férias

Para aqueles que tiverem tempo, agora em férias, uma boa proposta é esta conversa entre José Saramago e o padre Tolentino, para o Expresso.


Música (breve)

Há uns bons dois meses que não pego na minha guitarra... Já nem baixinho ela toca... Tenho que aproveitar as férias a ver se lhe mexo...


Férias

Peço desculpa a quem eventualmente seja leitor assíduo deste blog (eventualmente haverá alguém, continuo a acreditar nisso...) pela fraca actualização que tem sofrido de há uns tempos para cá. No entanto, o motivo é o facto de me encontrar en vacances, o que no caso de um estudante como eu acaba também por ser sinónimo de menos actividade reflexiva e de menos atenção ao mundo da cultura.
No entanto, mesmo em tempo de férias faço-me acompanhar de alguns livros que gostaria de partilhar com o (hipotético) leitor:

- CLEMENTE, D. Manuel; FERNANDES, José Manuel, Diálogo em tempo de escombros, Lisboa, Pedra da Lua 2010.

- DIREITINHO, José Riço, Breviário das Más Inclinações, Lisboa, Círculo de Leitores 1997.

- LEPRINCE-RINGUET, Louis, "Fé de Físico!" - o testamento de um cientista, Coimbra, Gráfica de Coimbra 1998.

- VERÍSSIMO, Luís Fernando, As mentiras que os homens contam, Lisboa, Dom Quixote 2002.

Se tiver tempo para isso, lerei ainda qualquer coisa de António Lobo Antunes e quiçá, relerei valter hugo mãe. Espero poder ir dando notícias mais regularmente.