blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Poema de Deus


Edificar o poema de Deus

É construir a imagem de Deus para a apagar,

Apagá-la para conhecer Deus.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Almada Negreiros

«Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido».

quinta-feira, 24 de junho de 2010

"Pensar é estar doente dos olhos"

Tudo que vejo está nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo comigo

Que teria uma creança se, ao nascer,

Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento

Para a completa novidade do mundo...

Creio no mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a primeira inocência,
E toda a inocência é não pensar...
Alberto Caeiro, O Guardador de rebanhos - II.

Portugal e o mundo globalizado

«O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo», Fernando Pessoa, Portugal entre passado e futuro.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Questão teológica

Porque será que durante a época de exames a minha cabeça não está para pensamentos teológicos? Esforça-te, André, esforça-te...

Tempo do mundo às avessas, por João César das Neves

- Dona Fernanda, então por aqui? Agora me lembro, ainda não lhe dei os parabéns pelo seu homem. Vi-o no concurso da televisão. Que honra! Muitos parabéns! Fiquei orgulhosa como se fosse meu!
- É verdade, dona Cátia. Estamos muito contentes. Foi muito bom, até para compensar a desgraça da minha irmã. Não sabe? Imagine que o marido dela é administrador de um banco.
- Não me diga! Que vergonha! Mas qual? Daquele criminoso, o BCP?
- Olhe nem sei bem. Mas aquilo é tudo a mesma gente. Coitada da minha irmã, anda muito ralada! Felizmente que o amante está muito bem. Era segurança num bar, mas agora conseguiu ficar dado como deficiente por causa de uma sova que levou e o subsídio é excelente.
- Ainda bem! Que sorte! Olhe, essa sorte não tenho eu. Ando muito preocupada com o meu sobrinho. Não, não é com o homossexual. Não, esse está óptimo. Foi ao estrangeiro casar com o amigo e agora até estão a pensar adoptar uma criança por lá. O que me preocupa é o outro, o Zé. Tem um restaurante, imagine. Um restaurante de luxo.
- Ai, coitado! Em que se havia de meter! E tem tido muitas queixas?
- Pois. Calcule que nem sequer usava sabão líquido nas casas de banho e os exaustores são de baixa extracção. Estou com medo que mais cedo ou mais tarde acabe na cadeia, pobrezinho!
- Compreendo, compreendo. As ralações que temos! E então o que é que a traz por cá? Eu vou agora ali à direcção da escola queixar-me. Veja lá que a minha filha me disse que lá na escola não há máquinas de distribuição de preservativos na casa de banho das raparigas. Só na dos rapazes. Não é uma vergonha?
- Um escândalo. Depois se há problemas a culpa é dos pequenos! Eu também tenho de lá ir mas, infelizmente, é derivado ao comportamento do meu Ronaldinho.
- Não me diga que ainda é por causa da gravidez?
- Não, que ideia. Isso está tudo resolvido. Eles os dois trataram a questão com muito bom senso. Nem pareciam ter 13 anos! O aborto correu muito bem e o meu rapaz até já arranjou outra namorada bastante mais velha. Não, o que me preocupa é aquele grupo com que ele anda.
- Qual? A banda de rock satânico? Oh, minha amiga não se apoquente com isso. Nós lá em casa até dissemos ao nosso rapaz para criar uma. Antes isso que andar pelos ATL da paróquia com aqueles beatos a meter patranhas na cabeças dos miúdos. Na banda é muito mais seguro e saudável. Não só é artístico, como abre horizontes e um dia, quem sabe... Olhe, não me preocuparia nada com isso.
- Não, não é isso. Nós também estamos muito satisfeitos por ele andar com a banda. É um excelente meio de educação. Ao princípio ainda me chocavam um bocado as letras das canções, a falar de suicídio e sangue, mas agora até acho graça. Rapazes são rapazes, não é? Não, é muito pior. Ele também anda metido em coisas mesmo graves com aquele outro grupo clandestino. Já ouviu falar, não? Aquele grupo de fumadores que no outro dia até apareceu no jornal por um deles fumar dentro do metro.
- Que horror! O seu filho fuma? Mas isso faz imenso mal à saúde e polui o ambiente. Então ele não pensa no aquecimento global? Esta juventude está perdida!
- Eu sei, eu sei! Tentámos tudo para o afastar do vício, mas nada. O meu marido até quis ver se o interessava em blogs pornográficos, chats neonazis e outras coisas que fossem também um bocadinho subversivas e clandestinas mas não fizessem tanto mal. Mas nada! Ele não larga o cigarro! A culpa é do meu homem e eu já lhe disse. Imagine que quando o miúdo era pequeno lhe dava pistolas e outros brinquedos de violência. Claro que tinha de ter esta consequência, não era?
- Que horror! Imagino como anda apoquentada. E nos estudos, que tal anda ele? Os meus antigamente era um castigo. Davam muitos erros de ortografia mas isso agora, com este novo programa para o insucesso escolar, deixou de criar problemas porque já não conta. E, mesmo na Matemática, o que interessa é a criatividade dos miúdos. Se os professores explicam mal que culpa têm os pequenos?
- Eu digo o mesmo. Se eles depois acabam todos no desemprego, ao menos gozem a juventude.

Do Diário de Notícias de 4/2/2008.

Santo António

Santo António era conhecido, também, por ter o dom da ubiquidade. A Internet aproxima-nos dessa experiência... Além de estar aqui, estou também em theo-odisseia. Vale a pena ler este projecto conjunto que tem tudo para dar certo.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Breaking promisses


No fim do Mundial alguém me lembra de escrever um post só para dizer mal deste senhor? Começo a ficar farto do homem!

Globalização e desporto

Mesmo rompendo, em parte, a promessa que tinha feito de não voltar a abordar temas desportivos neste blog enquanto continuar o Mundial, achei que, por causa dos comentários de racismo primário que se continuam a ouvir e ler, desde o facebook até aos programas de comentário desportivo, devia escrever este post (que segue o mesmo espírito deste, em que falo do tema partindo da homilia de Bento XVI no Terreiro do Paço).
De facto, a crítica que faço é ao facto de que, começo-me a aperceber, o desporto, e em particular o futebol, não tanto ao nível do que é a prática mas do que é a opinião das pessoas do meio, vive desligado da nova (ou não tão nova...) realidade do mundo globalizado...
Se nas várias áreas, desde a economia à política (menos), passando pela religião (muito menos), já se percebeu que estamos diante de um mundo globalizado, pensando as coisas a um nível macro, assumindo muitas missões como tarefa de todos, chamando para trabalhar os melhores, sem olhar ao Bilhete de Identidade (ou Cartão do cidadão, normalmente chamado de Cartão único devido ao resultado da sigla...) de cada um, no desporto, pelo menos quando se trata das selecções nacionais, parece que ainda não se percebeu isso...
Como dizia no início, desde as redes sociais (da net) aos programas televisivos de comentário desportivo, muito se ouve e lê de racismo e fascismo primários, ainda que encapotados (é só a mim que aquela conversa de «uma selecção portuguesa só de portugueses» soa a Hitler a falar de apuramento da raça?), a propósito das selecções nacionais. Essas pessoas ainda não entenderam que, num mundo globalizado, há circulação das pessoas pelo globo, quer num sentido - pessoas que saem dum determinado país para outro não perdendo, como referência, o país de origem -, quer noutro - pessoas que vão de um país para outro, adquirindo, pela maior variedade de razões, o segundo como referência. E que, no mundo de hoje, uma selecção desportiva deve ser construída com base nesses pressupostos, ou seja, por exemplo, a selecção portuguesa precisa de contar com os portugueses que nasceram no Congo, na Venezuela, na França, na Alemanha, e com os brasileiros que quiseram ser portugueses...

Um caso à parte, e que merecia um estudo da agência da ONU contra o racismo e a xenofobia, ou coisa do género, é o do Brasil, que é tratado com diferença quando se fala destes assuntos. Explico com exemplos concretos: Zidane é francês de origem argelina, Danny é português nascido na Venezuela, Gelson Fernandes é suíço de origem cabo verdiana, mas Cacau é um brasileiro naturalizado alemão, e Deco, Pepe e Liedson brasileiros naturalizados portugueses...

sábado, 19 de junho de 2010

Morte de Saramago e o paraíso

Pelo padre Manuel Morujão (reportagem, bem interessante, aqui; recolhe depoimentos do padre Tolentino e do padre Morujão; outra proposta é esta entrevista a Tolentino Mendonça, da TSF, também no site do SNPC): «Penso que Deus, ao encontrá-lo na eternidade, terá havido alguma surpresa: "Como o senhor tem a coragem de me dar um abraço se o critiquei tanto?", imagina o padre, referindo-se a quais seriam as palavras de Saramago. No suposto diálogo, na visão do padre, Deus responderá: "Você criticou outro, não o Deus do amor e da misericórdia."»

sexta-feira, 18 de junho de 2010

António Zambujo (i.ii)

Já disse que este gajo é um génio?


Morrreu José Saramago

E a morte de um ateu deixa-me sem palavras... Não quero ser um crente vingativo, a dizer que agora é que o senhor vai passar "as passas do Algarve", mas não posso achar que ser ou não crente é indiferente, no momento da morte... Assim, guardo para este momento o que é mais certo que o homem encontre do outro lado. O silêncio.

Aproveito para dizer que nunca li nada - excepto umas crónicas e uns artigos de opinião - de José Saramago. Nunca foi pessoa que me seduzisse enquanto escritor - por ser comunista... Mais uma vez cá está a minha lógica bastante adulta a trabalhar... - mas foi, considero, um injustiçado quanto à questão da sua forma de pontuar um texto, isso não posso deixar de o dizer. Num país de gente que escreve "á" em vez de "à", "fizes-te" em vez de "fizeste", "amamos" em vez de "amámos", etc., que questiona o acordo ortográfico por medo de ser colonizado pela ex-colónia e não por fazer sentido que escrevamos como escrevemos, qual é a moral para criticar Saramago, quando ele pontua o texto de forma a servir a sua intenção narrativa? Pior do que isso, para mim, é que criticar a forma de pontuar de Saramago é criticar, também, a forma de pontuar e de escrever de António Lobo Antunes - de quem, infelizmente, também só li crónicas... - e valter hugo mãe - de quem li a máquina de fazer espanhóis e o remorso de baltazar serapião, que recomendo -, esses sim dois génios da literatura portuguesa...

Novo fado

De facto, enquanto apreciador e cantor de música litúrgica, sempre me interessou, pela forma como tratam as palavras (para isso sempre me chamou a atenção o padre Nuno Isidro...), o canto dos fadistas. Sendo jovem, sempre estive também atento às várias notícias que, cada vez que surge um novo fadista, saem à rua. E já foram vários os artistas que saíram com esse rótulo de "novo fado", desde Camané, Mariza, Raquel Tavares, Ana Moura, Carminho, Ricardo Ribeiro... Mas quanto a estes cantores, sempre me faltou qualquer coisa para ficar, de facto, um fã... Camané canta realmente muito bem, mas não faz em mim um click; Mariza é apreciada por toda a gente, e, como já disse a propósito de outras coisas, dificilmente gosto do que todos gostam; Raquel Tavares (que me desculpe...) sempre me chamou mais a atenção por ser uma mulher bonita (talvez seja das cinco cantoras portuguesas mais bonitas); Ana Moura (mil perdões!) é um nariz; Carminho é mais uma que cantando muito bem, tem um problema, é amiga de um amigo meu, e isso faz-me sempre desconfiar se não gostarei de a ouvir cantar por esse facciosismo; Ricardo Ribeiro, por razões fisionómicas (é gordo como eu, leia-se), é alguém com quem crio empatia, mas confesso que nunca fui um grande ouvinte da sua música...
Um nome que sempre me havia passado ao lado, e que me chegou por via do programa Bairro Alto, da rtp2, foi o de António Zambujo. Mas depois de ouvi-lo pela primeira vez, cantando a canção Readers Digest, do Miguel Araújo Jorge (Mendes), dos Azeitonas, encontrei, realmente, o que é o novo fado. E sim, concordo com o Mendes e com Caetano Veloso quando o põem entre os melhores cinco cantores do mundo! Além disso, cada vez mais percebo que se não fosse do Oeste seria, sem dúvida, alentejano... O melhor é que o ouçam...


quinta-feira, 17 de junho de 2010

Do nome do blog

Agora, o que me apetece é partilhar convosco a parte I do Tríptico de Herberto Helder, o poeta que me inspirou para dar nome a este blog...

TRÍPTICO

I

Transforma-se o amador na coisa amada
com seu
feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio da sua última vida.
O amador transforma-se de instante para instante,
e sente-se o espírito imortal do amor
criando a carne em extremas atmosferas, acima
de todas as coisas mortas.

Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro.
E a coisa amada é uma baía estanque.
É o espaço de um castiçal,
a coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se em noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.

Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
do amador.
Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada são um único grito
anterior de amor.

E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o seu espírito de amada.
Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silêncio do mundo
e do amor.


HELDER, Herberto, Ou o poema contínuo, Lisboa, Assírio & Alvim 2004.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A seis horas de um exame

A seis horas do meu exame de Escritos Paulinos, aqui deixo este poema de W. H. Auden que o professor sugeriu numa das aulas...

Ah, diz-me a verdade acerca do amor

Há quem diga que o amor é um rapazinho,
E quem diga que ele é um pássaro;
Há quem diga que faz o mundo girar,
E quem diga que é um absurdo,
E quando perguntei ao meu vizinho,
Que tinha ar de quem sabia,
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
E disse que isso não servia para nada.

Será parecido com uns pijamas,
Ou com o presunto num hotel de abstinência?
O seu odor faz lembrar o dos lamas,
Ou tem um cheiro agradável?
É áspero ao tacto como uma sebe espinhosa
Ou é fofo como um edredão de penas?
É cortante ou muito polido nos seus bordos?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Os nossos livros de história fazem-lhe referências
Em curtas notas crípticas,
É um assunto de conversa muito vulgar
Nos transatlânticos;
Descobri que o assunto era mencionado
Em relatos de suicidas,
E até o vi escrevinhado
Nas costas dos guias ferroviários.

Uiva como um cão de Alsácia esfomeado,
Ou ribomba como uma banda militar?
Poderá alguém fazer uma imitação perfeita
Com um serrote ou um Steinway de concerto?
O seu canto é estrondoso nas festas?
Ou gosta apenas de música clássica?
Interrompe-se quando queremos estar sossegados?
Ah! diz-me a verdade acerca do amor.

Espreitei a casa de verão,
E não estava lá,
Tentei o Tamisa em Maidenhead
E o ar tonificante de Brighton,
Não sei o que cantava o melro,
Ou o que a tulipa dizia;
Mas não estava na capoeira,
Nem debaixo da cama.

Fará esgares extraordinários?
Enjoa sempre num baloiço?
Passa todo o seu tempo nas corridas?
Ou a tocar violino em pedaços de cordel?
Tem ideias próprias sobre o dinheiro?
Pensa ser o patriotismo suficiente?
As suas histórias são vulgares mas divertidas?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Chega sem avisar no instante
Em que meto o dedo no nariz?
Virá bater-me à porta de manhã,
Ou pisar-me os pés no autocarro?
Virá como uma súbita mudança de tempo?
O seu acolhimento será rude ou delicado?
Virá alterar toda a minha vida?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

W. H, Auden, Diz-me a verdade acerca do amor, Lisboa, Relógio de Água 1994.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Mundial de futebol - antes que Portugal salte fora

(sim, a imagem é de 1986, mas apenas porque ainda havia jogadores de bigode rijo!)

Antes que Portugal salte fora do Mundial, o que pode acontecer a qualquer momento (espero que seja protelado ao máximo, o momento...), gostaria de escrever este post sobre algumas coisas que acho que correram mal na preparação da equipa e que levam ao desfecho que verificamos (exibição paupérrima frente à Costa do Marfim, que augura uma eliminação precoce).
A primeira de todas é o sentimento dos jogadores em relação à selecção. Vê-se que não estão minimamente preocupados em servir o país, por muito que digam o contrário. A primeira coisa que fizeram foi discutir com a estrutura federativa os valores de prémios de jogo (na conjuntura actual podiam muito bem abdicar desses prémios e oferecê-los a uma instituição; mais do que as bandeiras nas janelas, postas pelos adeptos, seriam gestos simples como esse e... o dos bigodes!... Sim, podiam ter deixado crescer os bigodes, que criariam melhor relação com as pessoas), muitos deles aproveitam as conferências de imprensa para comentar possíveis oportunidades de carreira que o Mundial lhes possa abrir... Com atitudes destas, claro que não encontramos ninguém verdadeiramente a servir o país e a querer deixar a pele em campo.
Depois, temos o aspecto de que já falei. Os jogadores revelam-se egoístas e sem mínima preocupação pelos adeptos. Uma iniciativa simples como «Queremos a selecção com bigode na África do Sul», a ser aceite pelos jogadores, criaria a empatia que tanto se diz que falta... Mas os jogadores só aderiram à moda das vuvuzelas porque receberam - e bem - por isso... Iam lá agora deixar as suas imagens de metro-homossexuais só por causa desses parvos que teimam em dar valor à equipa portuguesa...
Um terceiro e último aspecto é, de facto, a falta de liderança. Temos um seleccionador que, usando a imagem da navegação, deixa-se ir à bolina quando devia pegar no comando do barco com outra força; temos um Cristiano Ronaldo com um discurso desfasado dos colegas; o nosso jogador mais internacional vai chorar para as conferências de imprensa porque discutem sobre se ele devia ser titular; a Federação, como eu já disse, deixa que a primeira coisa que os jogadores fazem em estágio seja discutir prémios de jogo...

Se fico contente com algo, é como católico. Se Portugal ganhar isto, muito mais gente vai acreditar em milagres!

Ah, e deixo uma promessa. Só volto a falar de Mundial depois de Portugal sair. Seja já na fase de grupos, seja nas eliminatórias, seja - Deus queira - após a final.

Portugal - Costa do Marfim

Depois do Portugal - Costa do Marfim, jogo inaugural da equipa portuguesa no Mundial de futebol da África do Sul, a única coisa que me interessa partilhar e dizer acerca do jogo é isto (porque se uma imagem vale por mil palavras, quanto não valem várias imagens acompanhadas de som?):


sábado, 12 de junho de 2010

Tradição eclesial vs. tradição académica

Ontem, pela noite, passei pelo blog do M.A.T.A., e vi lá certos comentários, de gente favorável ao que designam por "tradição académica", que me levaram a escrever este post.
As afirmações desses cavalheiros fizeram-me lembrar duma conversa que tive, com uns amigos, uma vez que estávamos a ler um flyer daqueles que publicitam material ligado à dita "tradição académica"... A certa altura chega um padre, nosso amigo e professor, ao qual começámos a contar todos os rituais previstos pela dita "tradição" (desde os rasgões que se fazem na roupa (quem faz e onde faz), aos locais onde se colocam aqueles emblemas que me fazem lembrar os remendos que quando era puto se punham nos joelhos, a mais uma série de coisas). Ele vira-se para nós e diz: "Isso? Isso para mim é gente ressabiada por não ter os rituais e a Tradição da Igreja, inventando por isso os seus próprios rituais!"
Já na altura percebi que era de facto esse o ponto da dita "tradição", mas depois de ontem ter encontrado uma entrada de blog onde uma jovem escrevia a história da "tradição académica" (claramente, do ponto de vista de quem lhe é favorável) percebi como ele tinha, de facto, razão. Realmente, em Portugal, desde que há universidades há praxes (no sentido de ritos de iniciação à vida universitária), mas que foram muitas vezes interrompidas por abusos, como a morte de uma pessoa (em 1727) (factos que, julgo que de forma pouco inocente, a dita jovem oculta)... Além disso, a dita "tradição académica" ancestral invocada tem... cem anos! É após a instauração da República que a "tradição académica" se estabelece como a temos hoje. Desde os códigos de conduta, aos dress codes, tudo é posterior a 1910 (o dress code, informação da dita "academista", é de 1957). Trazer os códigos actuais da "tradição académica" para a época da República não é, da minha parte, inocente. A fase da instauração da República é de forte anti-clericalismo, por isso a renovada "tradição académica" surge como forma de dar resposta à necessidade de ter rituais. Os dress codes são claramente uma decalage das vestes clericais (a gravata demonstra o desejo de uma universidade laica, tudo o resto, até a camisa branca, revela uma colagem evidente ao traje clerical (só falta o cabeção)), a invenção de hierarquias tem a ver com o facto de já não haver uma hierarquia espiritual e por isso ser preciso criar outra.
Depois, se a "tradição académica" podia ir buscar algo de bom à Tradição eclesial, não foi... Foi buscar a dimensão de poder - e não a de serviço - ao clero, foi-se apropriar de categorias religiosas para proporcionar actos que muitas vezes são bárbaros e desumanos. Poderia ter ido buscar, ao menos, a capacidade de pedir perdão pelos erros cometidos (se já vi e li gente - os próprios Papas! - na Igreja a pedir perdão pelos erros dos cristãos - desde a Inquisição às Cruzadas, passando pela pedofilia ou o caso de Galileu - nunca vi ou li ninguém da "tradição académica" a fazê-lo; preferem sempre dizer que "esse não é dos nossos")... O problema, é que muitas vezes a própria Igreja - e este é um erro pelo qual, eu, como membro da Igreja, peço perdão - é conivente com estas atitudes, fechando as Missas de Bênção das fitas a quem não for da "tradição académica" (lembro estes senhores padres que a Missa é, por natureza, aberta a toda a gente... Os únicos condicionalismos deviam ser os de espaço...)!!!

Para terminar, gostaria apenas de justificar o uso de aspas sempre que me refiro à "tradição académica". É que, para mim, a tradição académica não é isso. Tradição académica é estudo, investigação, aprendizagem (algo que vem desde a Academia platónica e não desde a Universidade de Coimbra). A verdadeira Academia (a Universidade em si) já permite a esta gente ter aquilo que vão criar por fora (tem sistema hierárquico - os vários graus académicos (licenciado, mestre, doutor), os professores (cuja posição de duces lhes vem por via de conhecimento e não meramente por uma matemática simples do número de anos que se está na Academia (mesmo que não aprendendo nada e nem sequer indo às aulas)); tem dinâmicas de integração (aprender onde são as salas ou auditórios onde se têm as aulas, aprender onde é a biblioteca ou outros lugares de investigação, aprender a investigar, a estudar a sério, a reflectir); tem lugares para premiar o mérito de quem o merece (entregas de diplomas)). Agora, de facto, a verdadeira Universidade não permite (excepção feita a certas aulas com certos professores...) a humilhação gratuita e a selvajaria... E, cada vez mais, me parece que é isso que estas pessoas procuram. Não querem a Universidade como lugar de formação integral do seu ser pessoa mas antes como espaço de convívio e de fazer amizades... Tenho muitos amigos que nunca saberão, por dentro, o que é uma universidade, mas que sabem muito bem o que é convívio e fazer amizades. Sem ser preciso que lhes chamem "bestas"...

Papa fala aos padres no fim do ano sacerdotal

Não sendo padre, mas sendo cristão católico, preocupa-me que os ataques feitos à Igreja Católica Apostólica Romana sejam feitos, as mais das vezes, para com o clero. Por isso gostei de ver esta reportagem, que vos sugiro, em que o Papa responde, sem ser em discurso escrito, de forma bastante corajosa às críticas ao celibato, e fala sobre o que deve ser a vida do sacerdote. É curioso que isto é o que venho escrevendo, pensando e dizendo, em vários sítios, desde há muito tempo.


terça-feira, 8 de junho de 2010

Falando de bola falo da Igreja...

Benfica-Sporting. Eu, sportinguista confesso (até aqui no blog), vou ao estádio do Benfica ver o jogo. Não tenho companhia e decido ir sozinho. Há lugares para sócios do Benfica, para simpatizantes do Benfica e para os adeptos e sócios do Sporting, como habitual nestes jogos. Eu, só porque me apetece e acho que não há problema, decido comprar bilhete para os lugares de sócio do Benfica. O senhor da bilheteira, muito simpático (embora pensando que eu era maluquinho...), fura o esquema e vende-me o bilhete. Sento-me. O Sporting marca golo e eu desato a festejar... Aí, antes que viesse de encontro a mim a primeira mão aberta (ou fechada!) ou o primeiro isqueiro ou bola de golfe (que a malta nos estádios é muito civilizada...) ponho-me a gritar: "Têm de me respeitar por querer festejar este golo aqui entre vocês! Porque não festejam também? Não iam deixar de ser benfiquistas só por festejar um golito do Sporting contra o vosso clube... Vá, eu tenho o direito a estar aqui! Mudem todos! Eu estou certo!"

Einstein tinha esta dúvida, e na Igreja devemos sempre pô-la: (quase) sempre que penso que estou certo e todos os outros errados algo de estranho se passa. E normalmente o que acontece é que não sou eu a estar certo...

A question that sometimes drives me hazy: am I or are the others crazy?

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O caminho faz-se andando!

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.

Antonio Machado, Proverbios y cantares XXIX

Breve interpelação das palavras de Bento XVI em Portugal

««Ide fazer discípulos de todas as nações, […] ensinai-lhes a cumprir tudo quanto vos mandei. E Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Estas palavras de Cristo ressuscitado revestem-se de um significado particular nesta cidade de Lisboa, donde partiram em grande número gerações e gerações de cristãos – bispos, sacerdotes, consagrados e leigos, homens e mulheres, jovens e menos jovens –, obedecendo ao apelo do Senhor e armados simplesmente com esta certeza que lhes deixou: «Eu estou sempre convosco». Glorioso é o lugar conquistado por Portugal entre as nações pelo serviço prestado à dilatação da fé: nas cinco partes do mundo, há Igrejas locais que tiveram origem na missionação portuguesa. Nos tempos passados, a vossa saída em demanda de outros povos não impediu nem destruiu os vínculos com o que éreis e acreditáveis, mas, com sabedoria cristã, pudestes transplantar experiências e particularidades abrindo-vos ao contributo dos outros para serdes vós próprios, em aparente debilidade que é força. Hoje, participando na edificação da Comunidade Europeia, levai o contributo da vossa identidade cultural e religiosa»

Esta citação da homilia do Santo Padre no Terreiro do Paço (integralmente aqui) deve, sem dúvida, fazer-nos reflectir sobre várias coisas, a principal delas sobre o carácter particular do nosso país no contexto dos Descobrimentos. Ao assumir esse projecto não como algo meramente comercial mas como uma missão de evangelização, reconhecemos nos que foram evangelizados pessoas. Não é por acaso que a miscigenação é algo especificamente português (temos os casos de Cabo Verde e, mais famoso, o do Brasil, onde inclusive conseguimos incutir em outros povos (alemães, holandeses, russos, japoneses) essa mesma dinâmica).
Quando queremos mandar os emigrantes embora de Portugal, quando achamos que a selecção de futebol só devia ter portugueses "puros", esquecemo-nos do ADN da nossa nação... Portugueses "puros", com que pudéssemos fazer uma selecção "pura" é coisa que nunca será possível, pois porque somos um país de mar, e, desde há quinhentos anos, uma nação de evangelizadores e descobridores - que decidiu dar «novos mundos ao mundo» (Lusíadas, II, 45), não temos nenhum pedigree... O que Sócrates dizia («Não sou ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo») podemos dizer do nosso povo, por isso há portugueses a nascer em toda a parte do globo. Por outro lado, sempre seremos país de circulação e fixação de pessoas vindas de fora (pela nossa vocação marítima), por isso muitos que nasceram noutros pontos se fixaram, fixam e fixarão em Portugal e o desejam adoptar como seu país.
O meu pedido, depois de tudo isto, é que não seja o futebol, que devia ser festa e divertimento, a estragar centenas de anos que temos como pioneiros na integração das diferentes culturas (a esse propósito cito também a entrevista do embaixador da Inglaterra em Lisboa, que podem ler, na íntegra, aqui: «Vocês têm uma grande mais-valia no mundo globalizado: a capacidade de adaptação a culturas diferentes. Uma característica que é sempre acompanhada da autocrítica. Acho isso fascinante. Façam uma lista do número de treinadores de futebol que trabalham no estrangeiro e estarão seguramente no top ten. Têm gente no Vietname, na Arábia Saudita, na Grécia. Têm uma grande aptidão para lidar com as outras culturas. No mundo globalizado isso é um grande activo»)...

sábado, 5 de junho de 2010

Pedofilia na Igreja - questão rápida

Como se fosse um Rui Santos não desportivo, questiono sobre qual é o problema deste povinho que a propósito de tudo quanto meta Igreja tem de vir falar nos casos de pedofilia... Ou seria por quererem que os casos se julgassem nos tribunais (o que acho menos provável face à segunda hipótese) ou porque querem um julgamento em praça pública, feito pelos media... O que tem, de facto, vários defeitos. Um deles é que a globalidade dos jornalistas (e que me perdoem os bons profissionais do ramo, que os há) nem na sua profissão são bons (basta ver a falta de domínio da língua portuguesa, para nem sequer falar das línguas estrangeiras necessárias aos enviados especiais ou aos entrevistadores de pessoas que não falam a nossa língua, ou o desinteresse total pelo vocabulário específico de cada área (da economia à religião, passando pela aeronáutica ou o desporto)), quanto mais na de investigadores, juízes e advogados. Depois, a sua imparcialidade está quase sempre corrompida (na globalidade dos assuntos, há muito que não há um jornalismo imparcial...)...
Além disso, volto a um dos meus temas favoritos: o que estes cavalheiros, ressabiados porque não gostaram da catequese em pequenos (já o disse, estas pessoas deviam ir a um psicólogo tratar o problema, em vez de andarem aí a comentar em twitters e facebooks!; e nós, no espaço intra-eclesial, devemos trabalhar para não criar mais pessoas destas, repensando as formas de acolhimento e actualizando a linguagem pela qual transmitimos o Evangelho), verdadeiramente querem é fazer uma contra-Inquisição... Hoje ser tolerante já não é respeitar o espaço do outro, é antes transformar o antigo opressor em vítima, é fazer o opressor passar pelo que passou o antes oprimido... A sociedade que se diz moderna contraria dois mil anos de modelo de vida cristão («Eu, porém, digo-vos: Não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.» (Mt 5, 39)), mesmo que nunca plenamente aplicado - e nós, cristãos, temos muita culpa disso!, a um regresso à Lei de Talião («Mas se houver acidente fatal, darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão.» (Ex 21, 23-25))... Quem é retrógrado, quem é?

sexta-feira, 4 de junho de 2010

That's what friends are for

Depois de muitas das conversas proporcionadas no passeio de ontem à tarde noite pela zona de Santa Cruz e Torres Vedras, com direito a jantar de alheira, apeteceu-me pôr aqui um post sobre os meus amigos... De facto, quando ontem conversava com o Tiago sobre a reacção de algumas pessoas, no círculo faculdade-seminário, à nossa presença, dada a nossa situação de ex-seminaristas, acabei por perceber a verdadeira utilidade dos amigos, que é, e digo-o o mais sinceramente possível, NENHUMA!
Se formos a ver, tal como ninguém escolhe o seu clube de futebol, é-se daquele e pronto, por vezes - quanto a mim quase sempre - a razão da "escolha" até seria mais ilógica do que lógica, também não se escolhe os amigos, e é só nesse sentido que tantas vezes eles acabam por ser um prolongamento da nossa família.
A família - óbvio -, não se escolhe, mas cada vez mais penso que os verdadeiros amigos também não. Se me puser a pensar naqueles que são os meus verdadeiros amigos (sim, vou citar nomes, tentando não me esquecer de ninguém, o que será uma missão hercúlea se não mesmo impossível - excluirei da lista as pessoas da família - pais, irmãos, que obviamente são meus amigos e de quem obviamente sou amigo, e Nosso Senhor, também por razões óbvias...) - o Valter, o Tiago, o João Paulo, o Paulo, o Duarte e o Duarte, o Ruben, o Diogo, o Artur, o Ivo, o Ramom, o meu padrinho, o Marco (de certeza me esqueci de alguém mas não quero ofender essa pessoa em particular!; sim, é só gente máscula que por aqui aparece, mas são ossos de um ofício de quem passa cinco anos no seminário e já antes tinha, manteve e continua a ter tanto jeito para lidar com o sexo feminino como um mudo para cantar o fado...), vejo que não há razão nenhuma que me faça chegar àquela amizade.
A razão da amizade é, quanto a mim, só o encontro. O único momento que consigo precisar numa relação de amizade é o encontro (e isto, sim, vale para Nosso Senhor, para a família, para cada um dos amigos): onde foi que conheci aquela pessoa. Depois, aquilo que me faz de facto ser amigo daquela pessoa é algo de que nunca me consigo lembrar. E é por isso que digo que a amizade, aquela verdadeira, tem a ver com a falta de interesse, não tem interesse. Só sou verdadeiramente amigo de alguém porque não preciso da pessoa para nada, mas mesmo assim ela faz-me falta, preocupo-me com ela e sinto-me bem quando estamos juntos (obviamente, no caso de Nosso Senhor e da minha família, seria presunção dizer que não preciso deles para nada, daí também o estatuto especial que lhes atribuí). As pessoas de que falei no primeiro parágrafo deixam de ser "amigas" porque verdadeiramente nunca o foram, percebo que para essa gente nunca passei de um instrumento para as suas necessidades práticas ou para a concretização da sua missão de ser o seminarista perfeito e santinho...
A verdadeira amizade tem muito de eros, não num sentido sexual mas de simples desejo, muito de filia, por isso digo que os amigos são como prolongamento da família, mas mesmo muito mais de agapé, amor (sim, amor aos amigos!) desinteressado! Era isso que dizia São Paulo em 1 Cor 13, 1-13...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Nota rápida sobre a selecção de futebol (ii)

Porquê vuvuzelas quando podíamos ter aquele senhor do trompete que ia ver os jogos do Porto ou um arraial de Zés Pereiras comandado pelo jovem adepto do Vilanovense que possui o íntimo desejo de ser comerciante de leite (apareceu na Liga dos Últimos)?

Nota rápida sobre a selecção de futebol

Ou porque a maioria das declarações da chamada vox populi (que se é voz de Deus também, quando este - o populi - é burro, não chega ao céu) acerca dos brasileiros naturalizados me cheiram a conversas eivadas de um racismo e fascismo primários... Por isso sugiro a todos que vejam este vídeo, que não tem nada a ver com o tema, mas fala em racismo e em bola e é muito, muito engraçado. Dedico-o ao meu amigo Ruben Viegas, por razões óbvias!

Porque nem os músicos se safam da Igreja...

Num tempo em que em tudo, desde o modelo económico até aos modelos de compromisso de amor, se tenta afastar da herança cristã, gosto de me lembrar de como em coisas simples e em que quase nem se repara a Igreja mostra a sua influência! Até nos nomes da notas musicais (no caso de Portugal, veremos até quando, também nos dias da semana - lembro que é algo em que somos caso único na Europa Ocidental e estamos numa de ser modernos não por ter sentido mas para sermos como os outros porque eles já são assim ou assado...)... É só ver o hino a São João Baptista, do Liber Usualis:

Ut queant laxis resonare fibris
Mira gestorum famuli tuorum,
Solve polluti labii reatum,
Sancte Joannes.

Nuntius celso veniens Olympo,
Te patri magnum fore nasciturum,
Nomen, et vitae seriem gerendae
Ordine promit.

Ille promissi dubius superni,
Perdidit promptae modulos loquelae:
Sed reformasti genitus peremptae
Organa vocis.

Ventris obstruso recubans cubili
Senseras Regem thalamo manentem:
Hinc parens nati meritis uterque
Abdita pandit.

Sit decus Patri, genitaeque Proli,
Et tibi compar utriusque virtus,
Spiritus semper, Deus unus, omni
Temporis aevo. Amen.

Aos mais desatentos chamo a atenção: 1. Para a imagem acima; 2. Para o texto, com o que interessa a negrito: Ut queant laxis resonare fibris/ Mira gestorum famuli tuorum,/ Solve polluti labii reatum,/ Sancte Joannes. [o ut foi posteriormente substituído pelo "do" que hoje usamos; o "si" toma as iniciais de São João (lembre-se q o "J" em latim se lê "I")].

Dia de...

Já noutros dias de "coisas" me insurgi contra o facto de estes existirem... Hoje, dia da criança, faço o meu manifesto final contra todos estes dias de... "coisas"/pessoas... Se num primeiro momento muitos destes dias (sublinho sobretudo o dia da mulher) serviam, de facto, para nos alertar para o facto de haver ainda na nossa sociedade diferença de direitos - e deveres, senhores, e deveres... - com base no sexo - ou género, como modernamente se diz -, agora já nem sequer há essa utilidade. Se ainda me lembro de estudar a Declaração dos Direitos da Criança no dia a ela devido, também me lembro de como este dia se tornou apenas num momento para passear os panamás e para mostrar como as professoras organizam muito bem os seus alunos em filas "dois a dois, de mão dada".
Não fosse meia dúzia de fiéis sindicalistas em protesto, por muito que não goste muito dessa classe, e já não tínhamos dia do trabalhador que fosse digno desse nome... Não fossem os perfumes e os relógios e o que era o dia da mãe, do pai ou dos namorados (o dia de "São" Valentim, que tinha tanto de santo (talvez até de Valentim) quanto eu tenho de benfiquista...)? É pena como dias que, efectivamente, nos podiam ajudar a reflectir sobre coisas importantes - o respeito pela criança, a igualdade efectiva da mulher na sociedade - sem a ridiculeira de quotas ou do habitual gesto de oprimir o opressor, como se o facto de criar novas vítimas resolvesse o problema... -, o papel dos pais na educação -, se tornem dias que interessam, sobretudo, e quase exclusivamente, a alguns sectores da actividade comercial... Pode ser que com o aumento do IVA a malta se preocupe mais em passar tempo os pais, a namorada ou os filhos do que em gastar dinheiro em coisas que estão cada vez mais caras...