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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Desconstruir o Homem e não o texto

Com a alegria própria de quem sabe que a maior parte das coisas de que gosta são tesouros escondidos (tesouros porque as acho valiosas, escondidos porque, na sua maioria, não são do conhecimento geral, ou me parecem ser menos conhecidas do que deveriam) decidi, um dia destes, no meio de uma conversa em que me pareceu vir a propósito, apresentar a uma pessoa a poesia de Adília Lopes. E, mal os poemas chegam às suas mãos, comecei a ser todo desilusão. Percebi que ainda há muito quem não perceba o objectivo da arte contemporânea, e da poesia em particular.
A pessoa em questão, que ensina Língua Portuguesa, pôs-se a desmontar todo o processo de criação dos textos, dizendo-o ridículo, básico, e classificando-o como não-poesia. Seria, no máximo, uma brincadeira de crianças, uma brincadeira com as palavras. Era, certamente, obra de quem não anda bem da vida.
Pus-me a pensar - embora não o tenha dito (sou um cobarde, no fundo sou um cobarde, e preferi entrar na onda de dizer que, «'tá bem, do ponto de vista do esforço de composição literária não é nada muito evoluído») - que essa pessoa desligou a máquina de sentir e vive só com a máquina de pensar - então, pensei também que essa pessoa não deve andar, certamente, de muito bem com a vida...
Mas com este texto não pretendo fazer juízos de valor sobre o estado da vida dos outros, antes perguntar-me por algo que me parece mais legítimo. Porque é que diante da arte teimamos em montar toda a máquina de análise de pensamentos e de processos criativos e literários e artísticos e tudo em vez de, simplesmente, sentirmos a arte? Porque é que quando, finalmente, a arte quer voltar a, só, «fazer-nos cair de joelhos», teimamos em pisá-la com os nossos fantásticos métodos racionais?
Eu não prefiro a poesia que é coito com as palavras, que é corte às palavras. Prefiro aquela que me desconstrói, que me faz pôr questões, que cria imagens que vão além do racional e do visível, que cria novos mundos. Prefiro um poema onde se compara Deus a uma mulher-a-dias e onde se diz que achamos que a fé é pirosa e a vida não presta - onde o texto "racional" vai tão longe? - a um onde se queira falar de Deus mas onde se tenha tanto cuidado em mimar as palavras que se esqueça o objecto do poema. Prefiro a poesia onde nos possamos desconstruir como homens do que aquela em que nos limitamos a desconstruir o processo criativo do homem que fez o poema.
Na mesma conversa, uma amiga a quem já tinha dado a conhecer Adília Lopes, interrompeu apenas para dizer: «Eu sou só uma leiga, por isso gostei muito deste

Nota 4

Se tu amas por causa da beleza, então não me ames!
Ama o Sol que tem cabelos doirados!

Se tu amas por causa da juventude, então não me ames!
Ama a Primavera que fica nova todos os anos!

Se tu amas por causa dos tesouros, então não me ames!
Ama a Mulher do Mar: ela tem muitas pérolas claras!

Se tu amas por causa da inteligência, então não me ames!
Ama Isaac Newton: ele escreveu os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural!

Mas se tu amas por causa do amor, então sim, ama-me!
Ama-me sempre: amo-te para sempre!

porque é bonito».
Eu, que, em todos os sentidos, não quero ser mais que um leigo, preferia de todas as formas ter ido apenas por aí.

1 comentário:

  1. Meu caro, não queria de modo nenhum deixar de comentar este texto e apenas para agradecer principalmente a ti e também ao Pedro, por me terem aberto ao Mundo poético de Adília Lopes. Embora ainda não tenha lido concretamente muita coisa, dos poemas que pesquisei fizeram-me de facto fruir da arte, poética neste caso, e render-me, também não mais que um leigo, a beleza dessa mesma arte poética de Adília Lopes. Um abraço.

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