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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Se isto fosse, afinal, a minha vida

a propósito desta notícia

Um dia decidi, como todos os homens a sério, ser apenas racional. Na sociedade de hoje, ser racional implica pôr o dinheiro à frente de tudo o resto e eu, como homem a sério, assim fiz. Comecei a fazer contas e percebi que esta coisa de ter amigos me andava a dar cabo da carteira. Então, como não me queria tornar, pelo menos à partida, num anti-social, comecei a cortar naqueles que só via de vez em quando (numa festa de anos, num casamento, por acaso numa qualquer rua, na internet...). «Se só os vejo de vez em quando é porque, afinal, não servem para nada. Vou acabar com isto de lhes pagar cafés e de ir ao encontro deles». 
Voltei a fazer contas e - raios! - mesmo sem estas pessoas continuava a viver acima das minhas possibilidades. Decidi, então, cortar em mais um tipo de amigos. Desta vez, escolhi os que tinham relações com outras pessoas. «Espera lá, se deixares de te encontrar com os amigos que têm mulher e com as amigas que têm homem também ficas a poupar. Pelo menos eles que não tragam mais essas "malas" atrás, que isto a vida está difícil para todos, e se ainda há dinheiro para duas sandes, para três já se acabou». 
Peguei novamente na calculadora (sim, que mesmo depois de já ter perdido tantos amigos ainda não tinha aprendido a fazer contas sozinho!) e, espanto dos espantos, continuava a viver acima do que posso. Então, peguei no grupo de amigos que restava, escolhi um ou outro mais importante, e disse aos outros que só podia passar com eles metade do tempo que até então passávamos, porque a vida está difícil para todos e tinha de me deixar dessas aventuras de estar com pessoas. Ainda decidi que havia outros amigos que podiam deixar de o ser por uns tempos: podíamos fazer uns anos de intervalo na nossa amizade e voltaríamos a ver-nos quando fôssemos mais velhos e responsáveis.
Quando dei por mim, estava só com um ou dois amigos. Esses, de facto, começaram a andar muito mais tempo comigo, tornámo-nos inseparáveis, mas as nossas vidas eram agora mais pobres, porque se limitavam a um círculo fechado. Dei por mim a ficar mais burro, mais triste, mais só, porque uma vida pequenina faz pequenino aquele que a vive. Poupar dinheiro, afinal, não me serviu de nada, só me arranjou uma valente depressão...

Nota do autor: Para relacionar este texto com a notícia sugerida no topo, basta substituir os amigos que se vêem de vez em quando por Educação Musical, Formação Cívica, Educação Moral e Religiosa, etc., os amigos acompanhados por EVT e os amigos com que se passa a estar apenas metade do tempo, ou de quem devia deixar de ser amigo por uns tempos, por História, Geografia, Ciências Naturais, Educação Visual, etc.. É triste que as pessoas olhem apenas para o dinheiro e não percebam que um homem com uma formação menos global é um homem mais burro, mais triste e mais só. De que vale saber escrever se não há assunto para a escrita, e de que vale saber fazer contas se elas são sempre sobre coisas abstractas?

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