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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

E a mim, quem me defende?

Há discussões que de si nascem estúpidas. De parte a parte. De um lado, porque há coisas que, devia-se saber, podemos pensar mas não podemos dizer, porque «a forma como se diz também diz», e quando é muito violenta pode causar equívocos. Do outro, porque a emoção sobrepõe-se quase sempre à razão e, já o sabia Jesus, o que mais ofende não é a mentira mas antes o confronto com a verdade: ««Eu tenho falado abertamente ao mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e não disse nada em segredo. Porque me interrogas? Interroga os que ouviram o que Eu lhes disse. Eles bem sabem do que Eu lhes falei.» Quando Jesus disse isto, um dos guardas ali presente deu-lhe uma bofetada, dizendo: «É assim que respondes ao Sumo Sacerdote?» Jesus replicou: «Se falei mal, mostra onde está o mal; mas, se falei bem, porque me bates?»» (Jo 18, 20-23).
O mais estúpido, para mim, é que em certas discussões acaba por haver danos colaterais. Uns sofrem porque se acham ofendidos, ainda que não o sejam - por ser professor, assumo a minha quota parte de culpa, porque precisamos de ensinar os nossos alunos a saber interpretar textos, para que estes sejam cada vez menos fontes de mal-entendidos; outros sofrem por serem confundidos com o ofensor: ou acham que o ofensor é uma pessoa distinta, ou a família do ofensor leva toda por tabela.
Discussão mais ridícula é quando um dos ofendidos é uma terra. Por muito que se possa gostar de uma terra (e eu sou homem para já gostar de várias: Gaeiras, minha terra natal, Óbidos, Caldas, A-dos-Negros e Salgueiro, terras dos meus pais, Lisboa, Póvoa de Penafirme e Caparide, onde estive no Seminário, Queijas e Linda-a-Velha, onde hoje trabalho), uma coisa tenho de reconhecer, e é uma coisa bastante simples. O bom nome de uma terra não serve de tanto como o bom nome de uma pessoa. Percebo o gosto das pessoas pela defesa do bom nome da sua terra (ainda para mais se for a minha, de que também gosto, quanto mais não seja por isso, por ser minha, o sítio onde nasci e fiz os primeiros amigos), ninguém quer ser conotado com um sítio mal-visto, e além disso as pessoas têm natural gosto no lugar de origem - é como quando nos ofendemos porque dizem mal da nossa mãe, ainda que lhe reconheçamos o defeito criticado. Mas continuo a achar que o bom nome de uma terra serve de menos que o de uma pessoa. Vivi dois anos em Chelas, que deve ser das terras de Portugal com mais mau nome. O facto é que lá, no bairro, nunca ninguém me fez mal, nunca presenciei nenhum assalto, de resto, as pessoas à medida que me iam conhecendo até me cumprimentavam de forma mais cordial que em muitas terras mais pequenas. Isto para dizer que Chelas pode ter a má fama que quiserem mas quem lá vive sabe que, excepção feita a certas zonas, como em todos os sítios, até é um bairro pacato e agradável para os seus residentes.
Com o bom nome das pessoas as coisas são diferentes. As pessoas, ao contrário das terras, arranjam amigos, saem à rua, deslocam-se, precisam de arranjar emprego. Eu, se tiver mau nome, não arranjo amigos, não arranjo emprego, tenho medo de me deslocar porque sou olhado de soslaio. E sabemos que isso é um primeiro passo para doenças psicológicas graves (que, descansem, não tenho, só quero pôr as pessoas a pensar). Defender o bom nome de uma terra antes de nos preocuparmos com o bom nome das pessoas envolvidas, de um e outro lado, pode causar estes problemas. Porque o pior que pode acontecer a uma terra é que mais ninguém vá para lá viver (mas, como expliquei, os que lá estão sabem o que sentem, e não a deixarão), já o pior que pode acontecer a uma pessoa é bem mais grave. Porque às pessoas, vejo menos vozes a levantar-se em defesa!
A mim, quem me defende?

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