blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Fechado para balanço

Como qualquer boa loja de roupa ou café manhoso fazem, também ou o poema contínuo encerrará para balanço nestes últimos dias do ano. Trata-se de um pequeno período necessário para que o próprio blog, como coisa independente do seu autor e dos seus leitores, descanse e pense na sua vida. 
É um tempo para que o blog pense sobre o que andou a fazer este ano. Nas pessoas que deixou cá entrar (o marmanjo que escreve os posts; os que foram referidos, sabendo ou não, "conhecidos" ou não, nos textos; cada uma das pessoas que comentou os vários textos e imagens; cada um daqueles que, menos interactivo, não deixou de encontrar aqui um "lugar" que fosse verdadeiramente seu), nos pensamentos que por cá andaram, em tudo o que cá foi feito.
ou o poema contínuo vai aproveitar estes dias até à entrada do novo ano para o seu retiro anual de silêncio, não fosse ele [o silêncio] a condição da escuta, e não fosse este blog, ou pelo menos não quisesse ser, um espaço de escuta (não fosse o seu autor um aprendiz de teólogo, e não fosse a teologia a ciência da escuta).
Até ao novo ano, ou o poema contínuo vai rezar as orações que o seu autor cá escreveu. As orações, os poemas, as parvoíces, as pessoas que cá aparecem. Tudo. O blog vai rezar tudo, para entrar no novo ano com nova força e novo vigor (sem caras novas nem grandes inovações XPTO, mas com a força e o vigor que o silêncio, ainda que de apenas três dias e pouco, sempre permite).
Abraço a todos e até 2012!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Desejos de um Santo Natal!

 Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.
Καὶ ὁ λόγος σὰρξ ἐγένετο καὶ ἐσκήνωσεν ἐν ἡμῖν, καὶ ἐθεασάμεθα τὴν δόξαν αὐτοῦ, δόξαν ὡς μονογενοῦς παρὰ πατρός, πλήρης χάριτος καὶ ἀληθείας.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus. E o Verbo fez-se carne e acampou connosco, e nós vimos a sua glória, a glória do unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade.

Jo 1, 1.14
 
DO LIVRO DOS NÚMEROS

Como são penetrantes os vales que se prolongam nos olhos que
                               [transbordam de visões
Transbordam como cântaros à beira da corrente
Como aloés plantados ao redor do acampamento
Como imagens de cedros vindo à memória de repente
Transbordam as palavras de quem vê e cai
Com os olhos cheios de sementes

Ele vê, mas não é para agora
Ele contempla, mas não de perto
Planta cedros para os anos futuros
Carrega cântaros para a sede que vem

Como são belas moradas as crianças prolongando-se
Como as palavras de Balaão que sopra nos juncos
Palavras do homem no lugar penetrante
De quem ouve. Palavras
De quem cai em êxtase e se ergue pelo tacto

Contempla por entre os aloés e os dedos
A criança que acampou connosco agora
O menino que abre uma estrela e nos convoca
Ele contempla. Ele vem. Ele é um cedro que transborda

Palavras de quem vê e derrama
Os olhos e os cântaros sobre si

Daniel Faria

Desejo a todos os que por aqui passam um Santo Natal! Que a celebração de Deus feito Homem seja a do encontro entre os homens.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

o meu problema com o teu problema

quando te foste embora com um olhar cansado, um rosto preocupado, uma promessa de um caminho solitário em silêncio e o desejo de um diálogo com animais que não te respondem, lembrei-me porque há uns anos me tornei uma besta que não tem verdadeiros sentimentos por quase ninguém.
afinal, já quase me esquecia, a amizade faz sofrer. e não me estou a referir ao fim das relações, nem às saudades que a distância cria quando estamos longe. estou-me a referir às dores de cabeça, às coisas estúpidas que se faz ao cabelo nos transportes públicos para ocupar as mãos preocupadas, a essas coisas que se ganham quando um amigo verdadeiro tem um problema. porque, afinal, nessas alturas nada me serve: nem os conhecimentos teóricos de antropologia filosófica, que me mostrariam que afinal o homem é mesmo limitado e não posso fazer nada para ajudar, nem os ombros amigos que se oferecem, quando o que se precisa é de milagres, nem sequer aquela indignação solidária, que transforma em qualquer coisa sobre-humana um simples momento de catarse. não servem de nada as metáforas das dores por que a mãe passa para poder ter a alegria de ver nascer um filho, nem dessas coisas todas das dores e sofrimentos necessários para as coisas mesmo boas. 
a verdade é que diante do teu problema não posso fazer nada, e para mim é difícil lidar com isso. a verdade é que diante da minha preocupação genuína contigo não posso fazer nada, e para mim é difícil lidar com isso. a verdade é que perante o facto de gostar genuinamente de ti (descansa, como de outros amigos com outros problemas que me causam outras dores) não posso fazer nada, e para mim é difícil lidar com isso. porque, afinal, nestes momentos só sirvo mesmo para ter dores e reconhecer que não posso fazer nada. que não passo de um inútil. de um inútil que não pode fazer mais que gostar das pessoas, trazer ao seu coração os problemas dos amigos, sofrer com eles e oferecer esse sofrimento a Deus. 
obrigado por me reensinares o que é ter amigos verdadeiros, dos que estão lá sempre, que falam das coisas sérias e das outras, que se tocam, que se riem e que sofrem dores quando os outros têm problemas. obrigado por me lembrares, como alguns outros amigos, que a amizade pode sempre ter lugar e podemos sempre surpreender-nos. obrigado.

Emigrar

mas hoje anuncio que me despeço
à procura de um país de árvores
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

os senhores sérios mandam-me emigrar
e eu quero responder ao seu apelo
ir para um outro país
mas não um desses que já existem
quero ir em busca de um país de árvores
de mar, de vales e de montanhas,

de pessoas,
pessoas que ainda amem

Autobiografia (xv)

ou

ORAÇÃO DE UM PROFESSOR DE MORAL AO CABO DE MUITAS REUNIÕES

«Meu filho, se entrares para o serviço de Deus,
prepara a tua alma para a demora.»

«Meu filho, se entrares para o serviço de Deus,
prepara a tua alma para a provação.»

(Sir 2, 1)

Músicas in memoriam

No meio de todo um conjunto interminável de reuniões que me recordam que não sou o Santo António, há sempre espaço para ouvir (e ouvir outra vez, e outra vez, e outra vez) esta música, que me traz múltiplas recordações, daquelas que mexem com o meu coração. Fazem-me lembrar os tempos em que a liturgia era, para mim, uma coisa bonita, a beleza do tempo do Advento e de tudo o que ele comporta de tempo de espera e de certeza (nunca hei-de deixar de me emocionar com o capítulo 5 do Cântico dos Cânticos), o dom do bom gosto cultural que Deus distribui pelos meus amigos e que me faz ser um privilegiado, ainda que sem mérito para isso. Ouvir esta versão do Rorate quase me faz esquecer que ainda tenho mais uma série de reuniões e de coisas para fazer. Mais importante, faz-me lembrar que toda a experiência de oração nos transporta para fora do tempo, porque para o lugar de Deus.


sábado, 17 de dezembro de 2011

Novena do Natal

Começa hoje a novena de preparação do Natal do Senhor. Para os interessados em rezá-la, deixo aqui a Antífona de hoje em gregoriano e a partitura de «Infeliz Adão não chores», texto popular do Oeste do Patriarcado a partir das referidas Antífonas. Vamos preparar-nos para celebrar o nascimento de Jesus!



sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A casa da ciência

ou o sucesso do jool.com.pt

Numa aula do meu curso, um professor dizia que o sucesso das ciências humanas e, dentro destas, da teologia em particular, só ocorrerá quando for reconhecido o seu lugar na casa da ciência. Segundo ele, o problema é que hoje o termo «ciência» se confunde com a ciência experimental e com as chamadas ciências exactas; tudo o resto é como que desprezado no seu valor científico. 
Isto tudo para dizer que as ciências humanas, na medida em que lidam mais com palavras e com cultura do que as outras, quer queiramos quer não incluí-las na casa da ciência, podem sempre ser-nos úteis. Hoje, ao percorrer o feed de notícias do facebook, deparei-me com algumas expressões de indignação de pessoas que são meus contactos perante uma notícia segundo a qual o governo estaria a considerar mudar a data do Natal. Ainda que bastasse o ridículo da própria frase, que logo denunciaria o seu teor cómico, socorri-me da ciência: tratei logo de confirmar a fonte da notícia, verificando que era o jornal tv65.net, que se assume como um jornal «onde a notícia é pura imaginação da equipa de redação» [escrita segundo o novo acordo é da responsabilidade das pessoas do jornal!].
As pessoas desabituaram-se da confirmação de fontes, e depois dá nisto. Também, assumo que sítios como o facebook nos tornam pessoas mais acríticas, no sentido em que damos por nós a partilhar coisas com as quais se calhar nem sequer concordamos, mas porque outro amigo partilhou, ou porque tem umas cenas giras ao início também partilhamos. As pessoas assumiram, erradamente, que tudo quanto se encontra na internet é credível.
Pior, para mim, é o contributo da televisão para este estado de coisas. Se o assunto é economia, lá temos um senhor economista todo engravatado no telejornal a explicar-nos coisas. Se o assunto é matemática, tem de ser um matemático a falar, que isso não é coisa que as pessoas dominem. Já se o tema for religião, não precisamos de chamar os teólogos, antes as velhas que passam na rua Augusta. Se o tema for geografia, o melhor é dar a palavra à Cátia da casa dos segredos, que concerteza nos esclarecerá melhor que um geógrafo. Se se tratar de História, satisfazemo-nos com um contador de histórias a fazer propaganda fascista, em vez de ouvirmos verdadeiros especialistas.
Em tempo de revisão curricular nas escolas, gostava que alguém de direito olhasse para isto... Que na revisão dos currículos não se esqueçam das ciências humanas e não escorracem a teologia, porque tirar umas e outra é dar o primeiro passo para criar uma sociedade de gente burra que nem uma porta. Se for essa sociedade que querem, uma coisa fica desde já dita: não contem comigo!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Só estúpido (intuições sobre o emagrecimento)

No acto nobre de emagrecer
há toda uma reconciliação com os ossos
que, causando uma certa alegria,
alguma satisfação,
não deixa de me causar estranheza,
uma forma de repulsa.

(Haiku) popular português

Todos têm grandes vidas
menos eu.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Santo da noite escura

Era impossível deixar passar em claro o dia de um dos meus Santos favoritos, São João da Cruz. Lembro-o nos múltiplos sentidos em que é para nós exemplo: santidade, claro, radicalidade de vida, qualidade poética. É notável a quantidade de pessoas que foram influenciadas por este homem do longínquo século XVI, como Hans Urs von Balthasar ou Adília Lopes. É interessantíssimo como muitas das intuições teológicas que se desenvolvem no século XX são já as de João da Cruz. É fenomenal a visão que este Santo tinha da fé, num tempo em que não se compreende que ela possa ser também tempo de silêncio de Deus, de noite espiritual, de radical solidão e abandono.
Precisamos hoje como nunca de voltar aos textos de São João da Cruz (até para compreender outros mais actuais, como a autobiografia de Madre Teresa de Calcutá), ainda por cima quando as suas Obras Completas estão traduzidas para português e se encontram a um preço relativamente acessível. 
Porque São João da Cruz é o padroeiro dos poetas, partilho hoje este poema de Maurice Bellet, que pode bem ter como fundo a espiritualidade do Santo de hoje.

Edificar o poema de Deus
É construir a imagem de Deus para a apagar, 
Apagá-la para conhecer Deus.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Escritores que me aterram

A ver, sem dúvida, esta entrevista de Gonçalo M. Tavares a Marcelo Rebelo de Sousa e Júlio Magalhães. Continuo cada vez mais a perceber que os romancistas se tornam os novos filósofos e, por que não, até os novos teólogos, no sentido em que são aqueles que, olhando fora da realidade, a descobrem na sua verdade. Adoro a intuição de que abrir um livro é como entrar numa igreja, e de que hoje, quando me pedem para rezar, só me lembro da tabuada.

Podem ler e ouvir, clicando aqui.

Em minha casa não há chaminé

Nunca acreditei que as prendas de Natal fossem trazidas por senhores gordos que descem chaminé abaixo. Felizmente, a minha casa não tem chaminé, ou melhor, tem um pequeno buraquinho por onde o fumo sobe para o sótão desocupado, mas onde é impossível caberem senhores gordos com prendas. 
Os meus pais sempre me disseram que era o Menino Jesus quem trazia os presentes. Durante uns anos, ainda acreditei que Ele, como Senhor do Universo, tinha as chaves de minha casa e vinha lá pôr os presentes enquanto estávamos na Missa da meia-noite. Depois, ainda com uns seis, sete anos, a minha mãe explicou-me que não se tratava do Menino Jesus em pessoa que andava mundo fora numa carrinha da DHL e com um bruto molho de chaves, mas antes eram os meus pais que compravam as coisas com a força dada pela fé nesse Deus que se faz menino.
Conto esta história para dizer que desde pequeno me assentaram os pés na terra em relação ao Natal. Não se trata de nenhuma época mágica, de reunião familiar, de solidariedade nem de nada disso que as pessoas dizem que é. O Natal é uma coisa bastante simples (embora ao mesmo tempo não tão simples): Deus faz-se homem. E isso é um mistério grande demais, tanto que Paulo de Tarso o definiu como «escândalo para os judeus e idiotice para os gregos». Deus fazer-se homem está para lá de toda a magia, de todas as festas de família, de toda a solidariedade. Percebi que ser solidário no Natal, tal como reunir a família e distribuir presentes só tem sentido se isso for feito como forma de entrar no mistério de Deus a fazer-se homem, se nos centrarmos em Jesus e nos esquecermos dos nossos umbigos.
Irrita-me que se centre a solidariedade no Natal sem sequer já nos lembrarmos do porquê de ser uma época que puxa especialmente por esse valor (se Deus mesmo se faz homem, então todos os homens devem procurar atingir o máximo de humanidade, ser reconhecidos como pessoas dignas). Chateia-me que o Natal se reduza a festa da família, como se durante o resto do ano a família não interessasse para nada (até costumo perguntar aos meus alunos, quando falamos sobre esta festa, se será Natal em Agosto se juntar a família para uma churrascada).
Mas o que me deixa mesmo triste é que o Natal já não seja aquilo que, repito, é, tão simplesmente e ao mesmo tempo tanto acima da nossa razão: a celebração do עמנואל, Deus connosco, Deus feito homem. Até porque, como disse atrás, se recentrarmos a festa naquilo que ela é, descobrir-nos-emos mais solidários e com mais vontade de juntar a família. Se nos voltarmos de novo para o sentido desta festa, vamos perceber porque é que se começou a falar nos gordos que descem chaminés (ou antes nos Bispos que distribuíam presentes?) e nas árvores de folha perene que se enfeitam (porque nasceu Aquele que morrerá jamais).

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Se isto fosse, afinal, a minha vida

a propósito desta notícia

Um dia decidi, como todos os homens a sério, ser apenas racional. Na sociedade de hoje, ser racional implica pôr o dinheiro à frente de tudo o resto e eu, como homem a sério, assim fiz. Comecei a fazer contas e percebi que esta coisa de ter amigos me andava a dar cabo da carteira. Então, como não me queria tornar, pelo menos à partida, num anti-social, comecei a cortar naqueles que só via de vez em quando (numa festa de anos, num casamento, por acaso numa qualquer rua, na internet...). «Se só os vejo de vez em quando é porque, afinal, não servem para nada. Vou acabar com isto de lhes pagar cafés e de ir ao encontro deles». 
Voltei a fazer contas e - raios! - mesmo sem estas pessoas continuava a viver acima das minhas possibilidades. Decidi, então, cortar em mais um tipo de amigos. Desta vez, escolhi os que tinham relações com outras pessoas. «Espera lá, se deixares de te encontrar com os amigos que têm mulher e com as amigas que têm homem também ficas a poupar. Pelo menos eles que não tragam mais essas "malas" atrás, que isto a vida está difícil para todos, e se ainda há dinheiro para duas sandes, para três já se acabou». 
Peguei novamente na calculadora (sim, que mesmo depois de já ter perdido tantos amigos ainda não tinha aprendido a fazer contas sozinho!) e, espanto dos espantos, continuava a viver acima do que posso. Então, peguei no grupo de amigos que restava, escolhi um ou outro mais importante, e disse aos outros que só podia passar com eles metade do tempo que até então passávamos, porque a vida está difícil para todos e tinha de me deixar dessas aventuras de estar com pessoas. Ainda decidi que havia outros amigos que podiam deixar de o ser por uns tempos: podíamos fazer uns anos de intervalo na nossa amizade e voltaríamos a ver-nos quando fôssemos mais velhos e responsáveis.
Quando dei por mim, estava só com um ou dois amigos. Esses, de facto, começaram a andar muito mais tempo comigo, tornámo-nos inseparáveis, mas as nossas vidas eram agora mais pobres, porque se limitavam a um círculo fechado. Dei por mim a ficar mais burro, mais triste, mais só, porque uma vida pequenina faz pequenino aquele que a vive. Poupar dinheiro, afinal, não me serviu de nada, só me arranjou uma valente depressão...

Nota do autor: Para relacionar este texto com a notícia sugerida no topo, basta substituir os amigos que se vêem de vez em quando por Educação Musical, Formação Cívica, Educação Moral e Religiosa, etc., os amigos acompanhados por EVT e os amigos com que se passa a estar apenas metade do tempo, ou de quem devia deixar de ser amigo por uns tempos, por História, Geografia, Ciências Naturais, Educação Visual, etc.. É triste que as pessoas olhem apenas para o dinheiro e não percebam que um homem com uma formação menos global é um homem mais burro, mais triste e mais só. De que vale saber escrever se não há assunto para a escrita, e de que vale saber fazer contas se elas são sempre sobre coisas abstractas?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Dicas de nutrição

A crise económica tem-me ajudado a emagrecer.

O rapaz que não sabia andar de metro sozinho

Havia um rapaz que não sabia andar de metro sozinho. Invariavelmente, apanhava o comboio na direcção errada. O problema não estava numa incapacidade de leitura, visto que ele lia bem e até sabia uma ou outra língua estrangeira. Parecia antes uma espécie de bloqueio, uma espécie de atracção pelo abismo, que ouvi uma vez ser marca distintiva dos que se tornam adultos.
Tomar o comboio errado nem sequer era o maior dos problemas, mas apenas uma parte. O maior problema é que porque aconteceu uma e outra vez enganar-se, o rapaz deixou pura e simplesmente de andar de metro. O medo do erro apagou-lhe a capacidade de arriscar. O medo do risco tirou-lhe a possibilidade da esperança de mudança. E é isso que mata tudo. Porque o próximo comboio, pode trazer lá apenas a solidão mas pode sempre trazer lá dentro ainda uma réstia do amor, e isso vale uma vida.

O homem que usava sapatos de mulher

As crises podem sempre criar situações que nos causam espanto. As interiores e as exteriores. A provar isto mesmo - e como a tão falada crise financeira não é de agora, veio-me hoje à memória a imagem de um senhor que usava sapatos de mulher, na gare de autocarros de Leiria.
As crises vêm-nos lembrar a necessidade de sermos ousados e criativos, fazem-nos ir mais longe. Lembro-me que o senhor com sapatos de mulher não estava sozinho, estava entre outros homens conversando com normalidade. No entanto, não teve medo do ridículo, não teve medo de arriscar, precisou de encontrar uma solução para o seu problema. Olhar para ele fez-me lembrar como os portugueses são, de facto, desenrascados: para um problema (andar descalço) uma rápida solução (usar sapatos de mulher, já que uma vez que se produzem mais os preços são mais baixos).
O desafio que o homem que usa sapatos de mulher me deixa é o de saber ser assim desenrascado nas crises interiores. O homem obriga-me a perder a vergonha e a arriscar, positivamente. O homem obriga-me a pensar que se soubermos, como povo, ser desenrascados na resolução das nossas crises interiores constantes (precisamos de aprender que as crises podem ser - e são - uma coisa positiva) teremos menos crises exteriores.

sábado, 3 de dezembro de 2011

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Oratio brevis

ἰδοὺ καινὰ ποιῶ πάντα (Ap 21, 5)

Senhor,
perdoa-lhes porque querem viver tudo de todas as maneiras.


Ensina-lhes - e a mim, Senhor, e a mim! -
que não precisam disso,
porque Tu renovas todas as coisas!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Versos de um monge

Parei no silêncio
a ouvir o canto dos pássaros

e o tempo em mim parou
enquanto passava lá fora