blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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quinta-feira, 19 de março de 2015

valquírias

a verdadeira poesia
está toda no poema
que ficará por escrever

atenção que não disse
o poema não escrito
ainda não escrito
falei no que jamais
irão escrever

quarta-feira, 18 de março de 2015

domingo, 8 de março de 2015

David embala os seus netos

Ao som da lira
canta-lhes salmos
sobre vitórias na guerra
e derrotas no amor

«o amado não estava à porta.
morrerei de amor».

os dedos em sangue

são tão apaixonantes
os versos de violência
que quase nos esquecemos
dos versos de amor

quarta-feira, 4 de março de 2015

duas gaivotas na cidade

volta o sol da primavera
e os riscos que os aviões traçam no céu
duas gaivotas sobrevoam
os prédios do bairro social

ninguém as nota na cidade
ninguém teme tempestades no mar

boina escura

não faço parte de nenhum partido político
e só tenho a quarta classe.
como uma aguadilha com feijões de lata
aquecida num fogão de dois bicos.
sou um andrajo de existência,
palavras caras que aprendi
num dicionário de capa azul,
propriedade do meu filho do meio.

o dicionário tem páginas manchadas de saliva.
o meu filho molha os dedos
antes de buscar as palavras seguintes.

lê muito, o meu filho do meio,
relatórios e manuais que não
consigo entender. nunca leu
o romance que lhe ofereci nos anos.
nunca leu livros de poemas.
não conserva o respeito
pelo cheiro da província.

eu cá ainda sonho
com o som do arado a cortar a terra
e com o poema que isso transporta.
aqui, na cidade, sou um prisioneiro
que as palavras vêm, amiúde, libertar.

segunda-feira, 2 de março de 2015

o mês de março

um dia a primavera volta
levando a melancolia dos dias
e o poema que ela desperta.

cerejeiras em flor:
o mistério do recomeço.
não hão-de dar fruto,
as cerejeiras do japão.

um país que seca

tiraram-nos uma companhia de bailado
faz dez anos por esta altura,
não sei bem em que tempo estamos.
vão-nos tirando o conservatório nacional
pedra a pedra, a cada pedra que cai.
tiram do mundo os livros que não se vendem,
antoinettes cortadas à guilhonita,
barbáries que nos passam ao lado.
dia a dia, esforço a esforço,
homens de gravata a queimar a cultura de um país.
«não nos tirem os copos grossos das tabernas,
não nos tirem o vinho, não nos tirem as tabernas»,
dizia o homem de lágrimas nos olhos,
«não nos tirem um país».