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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Em minha casa não há chaminé

Nunca acreditei que as prendas de Natal fossem trazidas por senhores gordos que descem chaminé abaixo. Felizmente, a minha casa não tem chaminé, ou melhor, tem um pequeno buraquinho por onde o fumo sobe para o sótão desocupado, mas onde é impossível caberem senhores gordos com prendas. 
Os meus pais sempre me disseram que era o Menino Jesus quem trazia os presentes. Durante uns anos, ainda acreditei que Ele, como Senhor do Universo, tinha as chaves de minha casa e vinha lá pôr os presentes enquanto estávamos na Missa da meia-noite. Depois, ainda com uns seis, sete anos, a minha mãe explicou-me que não se tratava do Menino Jesus em pessoa que andava mundo fora numa carrinha da DHL e com um bruto molho de chaves, mas antes eram os meus pais que compravam as coisas com a força dada pela fé nesse Deus que se faz menino.
Conto esta história para dizer que desde pequeno me assentaram os pés na terra em relação ao Natal. Não se trata de nenhuma época mágica, de reunião familiar, de solidariedade nem de nada disso que as pessoas dizem que é. O Natal é uma coisa bastante simples (embora ao mesmo tempo não tão simples): Deus faz-se homem. E isso é um mistério grande demais, tanto que Paulo de Tarso o definiu como «escândalo para os judeus e idiotice para os gregos». Deus fazer-se homem está para lá de toda a magia, de todas as festas de família, de toda a solidariedade. Percebi que ser solidário no Natal, tal como reunir a família e distribuir presentes só tem sentido se isso for feito como forma de entrar no mistério de Deus a fazer-se homem, se nos centrarmos em Jesus e nos esquecermos dos nossos umbigos.
Irrita-me que se centre a solidariedade no Natal sem sequer já nos lembrarmos do porquê de ser uma época que puxa especialmente por esse valor (se Deus mesmo se faz homem, então todos os homens devem procurar atingir o máximo de humanidade, ser reconhecidos como pessoas dignas). Chateia-me que o Natal se reduza a festa da família, como se durante o resto do ano a família não interessasse para nada (até costumo perguntar aos meus alunos, quando falamos sobre esta festa, se será Natal em Agosto se juntar a família para uma churrascada).
Mas o que me deixa mesmo triste é que o Natal já não seja aquilo que, repito, é, tão simplesmente e ao mesmo tempo tanto acima da nossa razão: a celebração do עמנואל, Deus connosco, Deus feito homem. Até porque, como disse atrás, se recentrarmos a festa naquilo que ela é, descobrir-nos-emos mais solidários e com mais vontade de juntar a família. Se nos voltarmos de novo para o sentido desta festa, vamos perceber porque é que se começou a falar nos gordos que descem chaminés (ou antes nos Bispos que distribuíam presentes?) e nas árvores de folha perene que se enfeitam (porque nasceu Aquele que morrerá jamais).

1 comentário:

  1. Também eu, em criança fui criada a acreditar no Menino Jesus, mas no meu caso, os meus queridos pais iam falar com o próprio Menino. Achava eu, na altura, que eles tinham mesmo o poder de falar pessoalmente com ele e talvez com Deus, sendo ele o pai, no sentido de lhes explicar que eu merecia ser presenteada com alguma surpresa. Nessa altura não pedia nada, achava que o Menino Jesus, na sua infinita sabedoria de menino prodígio, faria aparecer magicamente debaixo da árvore de natal algo que me fizesse feliz. Era mágico, de facto, porque me fazia mesmo feliz... Ao ponto de acordar quase de madrugada e despertar os meus pais para que vissem o que tinha merecido naquele natal. Nessa altura acreditar em algo desta natureza era possível... Descobrir a realidade foi uma perda... Primeiro a confusão com o Pai Natal... essa figura não existia, quem era o Pai Natal? Na minha ingenuidade de criança talvez representasse o pai do Menino Jesus! Fosse como fosse, era alguém que podia conhecer os meus pensamentos e que conseguia avaliar a minha consciência e a minha doce maneira de ser para os meus pais, avós, família em geral... Amava-os, respeitava-os e isso pelos vistos era o suficiente para haver uma entidade superior que me presenteava uma vez por ano por toda a minha dedicação espontânea e sincera.
    As luzes de natal, as bolinhas e os sinos reluzentes numa árvore que escolhíamos em família no meio de tantas (na altura, ir buscar um pinheiro ao campo era normalíssimo e parecia não implicar danos conscientes no ambiente)era só por si um ritual mágico e que culminava no desembrulhar do presente que me fora destinado. Estou feliz por ter passado alguns anos da minha infância a acreditar nessa magia. Talvez me tenha ajudado a ser quem sou hoje. Amar os outros espontaneamente é algo divino. E, mesmo sabendo que nada daquilo era real, hoje sei que me fez compreender melhor que o amor de Deus é divino. Já não recebo a dádiva debaixo da árvore de natal com a magia de outrora, mas acredito que Deus continua a presentear-me de forma especial, sempre que alguém me olha nos olhos e sorri, sempre que alguém me oferece algo de si sem pedir nada em troca. Quando menina essas subtileza nos rostos dos meus entes queridos já eram uma oferenda.
    Tu próprio, meu amigo foste uma dádiva de Deus.
    Fugi um pouco ao contexto da coisa, mas quis que soubesses que a celebração do homem feito é o nascimento de algo especial,pode ser o renascimento de nós mesmos enquanto pessoas.

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