um dia serei capaz
de me despedir
do medo
de ficar enamorado
pela luz dos teus olhos
hoje ainda é cedo
um tempo de trevas
que tarda em passar
mas é na aurora
que o mistério se esconde
por isso ainda vale a pena esperar
um dia serei capaz
de me despedir
do medo
de ficar enamorado
pela luz dos teus olhos
hoje ainda é cedo
um tempo de trevas
que tarda em passar
mas é na aurora
que o mistério se esconde
por isso ainda vale a pena esperar
há uma luz que sobe
ao cimo das montanhas
e só tu o sabes
é um segredo bem guardado
que escapa a todos
os que decidem não sair do tédio,
não olhar o mundo
com olhos sempre novos
a beleza do mundo
e o que se esconde nas palavras,
caberia tudo aqui
mas isto,
lamento,
não é um poema.
ninguém sabe o que isto é.
que companhia procuras
quando tudo o que encontras
é solidão pelas esquinas?
resta-te subir a uma árvore
e esperar
de que vale a volta ao mundo
e tantos carimbos num passaporte
se nunca paraste para chorar
com um pôr-do-sol?
a noite avança
e ainda me dóis demais
ainda magoa
saber que não vais ler estas linhas
ou que não te vão fazer estremecer
isto são só versos de desamor
coisas parvas
como eu sempre
virá ainda o dia
em que a dor da fome
se transformará em maré.
(há sempre uma outra fome
que há-de saciar plenamente,
a fome do pão da vida)
os filhos de Deus ainda
esperam palavras de misericórdia.
esses famintos, profeta,
tens de querer saciar.
Não são só rochas que vão
quando as rajadas e as bombas
soarem sobre Palmira.
É a intelligentia mundi
a que julgamos pertencer,
a vida da mãe que percorria o fórum
com o filho pela mão,
a história dos homens
que esculpiram uma cidade
com a força das suas mãos.
Diógenes ainda rompia
pela Acrópole cheia de gente.
Era o meio-dia.
As gentes olhavam
e apontavam-no:
«É o louco».
Tudo o que ele queria
era que a luz ténue e inútil
da sua velha lanterna
lhe apontasse um homem,
um último homem
disposto a morrer de amor.
não há magia alguma
no nome caga-lume
mesmo quando eles
escolhem chocar-me
contra o peito
a meio do passeio nocturno.
houve um tempo
em que me espantava
com a luz dos caga-lumes.
uma diversão mais
a somar à contagem
das matrículas dos autocarros.
houvesse ainda crianças
capazes de subir aos prédios
como antigamente às árvores
para observar os ninhos
e aprender uma forma carinhosa
de respeitar os pássaros
e ainda poderíamos
esperar um outro futuro
virá ainda o dia,
sabemo-lo nas entranhas,
em que o menino
deixará a cova dos leões
para interpretar os sonhos do rei.
nesse dia sorriremos,
cantaremos canções de vitória
com as nossas harpas depositadas
junto aos rios.
virá o tempo de sermos felizes,
o tempo da verdadeira liberdade.
faz pouco sentido
colorir as imagens
de uma cidade destruída
por anos de bombardeamentos
anos de homens
a ser lobos dos homens
a não ver homens nos homens
a não ser homens
a senhora leva o filho pela mão
e os seus olhos não se elevam
dói demais ver de perto
o que conseguimos destruir
hoje decidi partir
em busca do lugar
onde há uma palavra que transforma
a casa é só solidão
desde que a deixaste
e é demasiado penoso
este ofício
de querer ser o mais pequeno dos homens
é pouco mais o que me resta aqui
já não é necessário
aprender uma caligrafia própria
para preencher livros vários
da área da contabilidade
como nas relações
a tecnologia vai tomando o lugar
do artesanato
ontem sonhei que ainda se exigiam
aulas e tratados de caligrafia
para quem escreve versos de amor
e poemas com contabilidade dentro
quis aprender do teu sorriso matinal
a deixar a minha antiga
obsessão pelas madrugadas
deixaste de me sorrir
continuei a não entender a noite
e tudo o que precede a madrugada
uma luz que vem de dentro
faz estremecer a noite
não abuses demasiado da luz
da tua velha lanterna
quando saíres na entremanhã
em busca de um novo amor