blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

lágrima (ii)

a guerra começou
ao raiar da manhã

e as mães fecham-se para dentro
com o medo dos filhos de farda,
o homem que amam de farda
com uma arma na mão
apontada à cabeça de outro homem,
alguém amará também esse homem,
a mira a desviar-se do coração do outro homem,
um choro contido pela bala que não quer sair
e destruir outro que é em tudo igual a si

lágrima (i)

acordo a meio da noite
e com o coração em sobressalto
choro de alegria

o ser humano é 
uma máquina perfeita
para glorificar a imperfeição

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

milagres

aqui faz frio
e as vozes que lá vêm
escutam-se ainda
muito ao longe

virão os dias quentes
tardes partilhadas ao sol
uma hipótese para o novo

as figueiras
hão-de florir

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

doação

 take my hand, I'm a stranger in paradise



dou-te a mão enquanto dormes
e cantam pássaros num dia de sol
dentro do meu coração

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

amor tem m no nome

habituei-me a não esperar nada,
uma vida batida pelos horários,
os toques no emprego,
as viagens de regresso a casa
sempre iguais, ao som das mesmas canções,
sempre muito iguais e as mesmas, as canções,
o jantar com o pão sobre a mesa,
mesmo quando ninguém toca o pão sobre a mesa,
o tempo perdido num lugar nenhum
antes de dormir sozinho

e quando já não esperava nada
vieste tu
bater à porta do meu coração
e ser luz e riso

in illo tempore

à mesa do jantar
a mãe perguntava
se os filhos podem ser
alistados para a guerra

um nome retorcido
para o mistério do amor

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

moinho de ferro

quando à noite caminho
na aldeia sob o ladrar dos cães
há um aconchego que traz
o teu cheiro no meu casaco
que protege do frio
e me abraça e diz
que estás aqui,
estás sempre aqui comigo

rosas de pedra

não era uma flor a germinar
era uma pedra
no lugar do coração

todos os dias, manhã cedo,
tirava água do poço
que iluminava aquele deserto
e regava a pedra,
chorava também muito
sobre a pedra,
exigia à pedra que ganhasse vida
e se tornasse flor viva,
coração vivo a acelerar

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

a passagem das horas

no fim dos tempos,
quando vier o fim dos tempos,
pedirei como dom uma pedra
que se transforme em coração salvo

cova de dominique

o canto das gaivotas ao longe
a confundir o ruído do amado
que vem pelo mar
e a aumentar o desejo da amada
que o espera ao rés das águas

assim em ti os sons da cidade
quando chego