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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Viagem ao país da técnica

a propósito do mais recente vídeo da revista sábado

Acompanhando as redes sociais, tenho reparado na indignação de muitos face a uma entrevista da sábado a universitários portugueses. Obviamente, também me sinto triste por viver num país de gente inculta, particularmente quando essa gente está em vias de obter qualificação superior. Mas, mais do que isso, sinto-me triste por viver num país onde, desde que se começou a ter uma verdadeira política educativa,  sempre se privilegiou a atribuição de diplomas em detrimento da instrução. 
Logo nos tempos do Estado Novo (período, de resto, designado por gente com formação académica como "Antigo Regime", sem que isso choque ninguém) interessava mais acabar, ao menos, a quarta classe do que saber, efectivamente, ler e escrever. Era importantíssimo saber os rios e caminhos-de-ferro das colónias ultra-marinas, ainda que se tivesse dificuldade em ler uma palavra trissilábica ou, de outra qualquer forma, mais complicada. 
À medida que a escolaridade obrigatória foi aumentando, a preocupação continuou a mesma: dar diplomas. Diplomas de 6.º, diplomas de 9.º, diplomas de 12.º, diplomas universitários. A esses diplomas nunca correspondeu efectiva aquisição de conhecimentos básicos (diga-se, sobretudo, ao nível da escrita e da leitura) nem muito menos interesse cultural. E esse é um problema grave, porque os que hoje formam já foram formados no mesmo sistema e são, eles também, e com muita mágoa o digo [sem entrar em generalizações, todos nós conhecemos felizes excepções a esta regra e graças a Deus que assim é!], gente que não domina bem a língua portuguesa e que não é particularmente culta. Façam perguntas de artes a professores de línguas, perguntas de gramática a professores de ginástica, perguntas de desporto a professores de ciências ou de religião a professores de matemática e logo verão as respostas.
O problema disto tem a ver com uma tendência para a especialização, embora hoje esta não seja verdadeiramente em nada (uma vez que se acabou com uma das poucas coisas decentes do sistema educativo da ditadura, o ensino técnico). Não se quer uma educação global e integral da pessoa e depois acaba-se com pessoas que não sabem nada: não chegam a ser suficientemente bons na sua área de especialidade e não se interessam por mais nada. Não lêem livros, a menos que sejam do jornalista da moda ou autobiografias de gente sem especial interesse, não vêem filmes de jeito, só ouvem música nas rádios comerciais, só falam sobre trabalho ou sobre as vidas dos outros.
Eu, que procuro o mais que posso fugir deste esquema, quer enquanto formado quer enquanto formador, acho que devemos dar atenção a estes alertas, antes que seja tarde demais para sairmos deste estado de miséria cultural e, por que não, espiritual.

3 comentários:

  1. Concordando em parte, e até gostando de ler o que escreveu, não queria deixar de passar a oportunidade e dizer que é lamentável que escreva sobre este assunto tão complexo sem fazer ideia do que fala, quando fala do ensino do Antigo Regime e contrariamente ao que pensa e diz, naquele tempo não interessava acabar, ao menos, a quarta classe, tinha que ser e no mesmo dia começavam muitos desses jovens a trabalhar no campo.
    Mas com a sua quarta classe sabiam e sabem efectivamente ler e escrever e realizam operações matemáticas de uma forma maravilhosa.
    Deixo-lhe um conselho não compare o que não é comparável e tenha mais respeito por uma geração, meus pais e avós, que muio deram e fazem pelo nosso Portugal.

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  2. Conheço pessoas que não precisaram de acabar a quarta classe para começar a trabalhar no campo. Conheço pessoas que iam à escola todos os dias, sim, mas limpá-la. E conheço efectivamente pessoas que completaram a quarta classe no tempo do Estado Novo e não sabem ler nem escrever em condições e muito menos interpretar um texto. Repito, conheço mesmo estas pessoas. Óbvio que também conheço outros que aprenderam com vantagem em relação ao que se faz hoje e, de facto, sabiam e sabem ler e escrever e fazem operações matemáticas maravilhosas (entre eles contam-se, pelos vistos, os seus avós e os seus pais, e também os meus avôs e os meus pais [as minhas avós eram das que iam à escola todos os dias para a limpar]). Como eu digo no próprio texto, ao falar sobre outro tema, quando se escreve sobre estes assuntos corremos sempre o risco de generalizar, ou pelo menos de sobrevalorizar certos aspectos - normalmente, dar mais valor a coisas que sabemos da nossa experiência pessoal. E eu quando falei daquilo é porque, na minha terra, confronto-me com muita gente que diz aos mais novos que no seu tempo é que era porque sabiam os rios do Ultramar todos de cor, mas depois tem dificuldade em ler em voz alta e ainda mais em interpretar uma simples notícia de jornal... Mas não queria, nem por nada, ofender as gerações anteriores, pelo menos gratuitamente (visto que as gerações actuais podem sempre ser ofendidas...). Queria só mostrar que o problema, em parte é o mesmo, porque a realidade é que de há quase um século para cá a preocupação sempre foi mostrar aos estrangeiros que os portugueses são alfabetizados e instruídos, mas fazê-lo com números e não com trabalhos científicos que resultassem disso...
    Um abraço, e peço imensa desculpa por tudo o que no texto possa ofender quem quer que seja.

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  3. Meu caro, é com grande estupefacção que vi o artigo que referiste e não posso deixar de te subscrever. O que se viu na reportagem não pára de me chocar e é difícil de perceber como é que aquelas pessoas conseguiram entrar no ensino superior! Parece-me a mim, e tal como referiste, que para além da cada vez menor acuidade com o ensino, existe uma cada vez maior necessidade de entregar diplomas e de se dizer com orgulho que "Portugal, tem agora mais 10% de licenciados do que há vinte anos" e isto tudo seria muito bonito se realmente os licenciados, ou pelo menos a maior parte deles, correspondesse ao nível de conhecimento que seria suposto ter quando se acaba este tipo de ensino.
    Parece-me também que a televisão e toda a indústria cultural influenciam negativamente estas pessoas, levando-as a consumir o fácil e o acessível, preterindo o que os poderia enriquecer a nível artístico e da sensibilidade. Infelizmente, não acho que esta situação melhore, até que convém impor um certo nível de ignorância, não vão as pessoas começar a pensar e terem noção da triste realidade e incompetência que as rodeia. Enfim, um abraço é o que lhe desejo.

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