blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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quinta-feira, 31 de março de 2011

O pior cego é o que não quer ver

em auto-resposta a Categorias de Vale e Azevedo

Há certas atitudes que criam desconfiança. Uma delas é a de tentar o poder a todo o custo. Bruno Carvalho tem tido, desde domingo, essa atitude, por meio da história de impugnar as eleições do Sporting. A meu ver, poder-se-ia considerar a impugnação de eleições apenas se fosse provado que as "irregularidades" acontecidas no acto eleitoral beneficiariam apenas e claramente um dos candidatos (as várias que ouvi até hoje podem beneficiar qualquer um, o mais ou o menos votado): nomeadamente, penso na introdução deliberada de boletins de voto referentes a votantes ausentes, preenchidos a favor de determinado candidato, nas urnas.
Depois, a mim, mais do que quem seja o presidente, até porque não o posso escolher (por não ser sócio), interessa-me que o Sporting ganhe (no futebol, que nas modalidades, louvor seja feito a Moniz Pereira, Mário Patrício e tantos anónimos, continuamos sempre a ganhar). E será difícil que o Sporting ganhe se houver novas eleições (relembro o acontecido na eleição de Bettencourt [que decorreu no mês de Julho], além da incompetência que este revelou para ser presidente do clube...). Ir a novas eleições implica perder mais uma pré-época e, por consequência, mais uma época inteira (que poderá custar bem mais do que isso...). Depois, a impugnação de eleições implica a queda do bom nome do Sporting e, como todos sabemos, construir um bom nome e uma estrutura de respeito custa - além disso lá vamos continuar a ser o alvo de chacota dos lampiões (os tais que fazem assembleias gerais num camarote do estádio, mas que depois vêm fazer pouco das dos outros) e dos portistas (que há perto de 30 anos não fazem ideia do que sejam eleições...). É tempo de acalmar, unir esforços, trabalhar em comum por um objectivo maior: devolver a equipa de futebol do Sporting ao que é o Sporting, a maior força desportiva nacional (como diz o artigo do El Mundo Deportivo, o Sporting é muito mais que futebol, e é esse bónus que o torna um dos maiores da Europa, como era desejo dos fundadores).
Quer eu gostasse disso quer não, Godinho Lopes é o presidente do Sporting. E Bruno Carvalho começa a tornar-se numa desilusão (eu, que já me conheço, é que não me devia ter deixado iludir...).

sexta-feira, 25 de março de 2011

Natas com mel e nozes

Um dia destes, numa conversa casual, um colega dava a receita da "melhor sobremesa do mundo": natas com mel e nozes. A conversa derivou, naturalmente, noutro sentido (partilha de informações gastronómicas...) mas no meu pensamento ficou uma ligação entre fé e gulodice.
A promessa de Deus a Abraão e aos que lhe descendem (Gn 12) é de uma «terra que mana leite e mel» (Ex 3, 8), daí a tal ligação. Se Abraão conhecia esta sobremesa, a confiança que tinha na existência dessa terra que Deus lhe prometia foi acompanhada por uma valente gulodice. Se Deus conhecia a sobremesa, também não foi - perdoe-se-me a expressão, estou a falar de Deus... - parvo, e sabe que o homem se conquista também pela boca.
Também Jesus há-de passar grande parte da sua vida pública sentado à mesa. A refeição é lugar de encontro e de Revelação. Um dos milagres de Jesus é dar de comer, mandar dar de comer («Dai-lhes vós mesmos de comer», Lc 9, 13). "O" milagre de Jesus é dar-Se Ele mesmo como alimento (Jo 6, 35).
Assim, lembro a receita para encher de novo as Igrejas: natas, mel, nozes. Na Terra da Promessa.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Fragmentos (iii)

Lisboa-Tercena-Lisboa

olhe, boa sorte, e as melhoras para o senhor, está bem? não está! ela disse logo que não, que não ia pagar a essa! a amélia tem estado muito doente. tem de ir lá para cima. o passos coelho. não há património do estado. começa lá a avançar. olha, agarra-te aqui. deixe estar que eu depois levanto-me. deixe parar. ela mandou-me a confirmação a dizer porque é que não vais, pedro? vamos! vamos para o tamariz mas eu tenho os contactos no telemóvel. ele se for vai com ela. eu estava a chegar aqui no amadora oeste. sai às cinco de lá. 'tá tudo bom? ya, não, eu é que vou comprar-te então. não, 'tá, até logo. adeus, obrigada igualmente, obrigadinha. oh sou márinho, então, 'tá rijo ou quê? 'tá mal disposto, olhe. tu lá sabes. se a gente não se vir bom fim de semana. em "t" já ela tem. a ver se domingo faço qualquer coisa. vá lá, tive sorte. eu vinha daquele lado e abana-me com a cabeça. sim, acabar as coisas. 'tou a chegar, calma. mete-as na água, no domingo tira-as. toda a gente virou assim, deu com ele. e ele disse-me não, você tem namorado. ele discorda sempre. eu ainda não arranjei palavras para comentar esta foto.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Haiku saído dos escombros

«Substâncias radioactivas tinham sido libertadas do incêndio do reactor 4 da central de Fukushima Dai-Ichi, os ventos arrastavam-nas para aquela cidade do japonês que falava com o telemóvel português (até em Tóquio o nível de radioactividade "aumentou consideravelmente", disse o primeiro-ministro Naoto Kan, com ar de quem anuncia o aumento de cinco cêntimos no gasóleo). E com esse cenário de fogo, de água e de ar apocalípticos, o japonês disse ao filho que nem tudo eram tristezas: "A lua tem raios prateados."»

Ferreira Fernandes, dn de 16.03.2011

segunda-feira, 14 de março de 2011

sexta-feira, 11 de março de 2011

À rasca

ou porque não vou participar em protestos no dia de amanhã

Desde que tenho memória que me lembro de a minha geração ser depreciada. Em pequeno, assentaram-nos (aos jovens e, desde logo, às crianças que a seguir viessem) o cognome de «rascas». Na origem, isso tinha a ver não só com o facto de se achar que era mesmo assim a dita geração, rasca, de reles e ordinária, como pelo uso da palavra pelos mais jovens (foi rasca como podia ter sido «bué», «roscoff», «mallaica» [das palavras mais ridículas que aparecem no dicionário de uma geração; pelo menos usávamo-la ali na zona das Caldas!] ou outra qualquer). Hoje, grace à senhora dona Deolinda, geração «à rasca» ou a da casinha dos pais ou «não posso mais» ou outras partes que tais da mais que famosa canção [para ouvir é clicar aqui], aproveitadas em alguns carnavais.
O facto é que ser à partida depreciado (como é normal na passagem de geração, existe sempre resistência à diferença e à rebeldia, para mais num país onde, de um 25 de Abril para o outro, a diferença e a rebeldia podiam ser muito maiores) sempre obrigou a dita geração a esforçar-se mais, para poder esfregar na cara dos mais velhos (passe a violência da expressão) que afinal não era tão rasca assim.
O problema é que os tempos em que hoje eu e os da minha geração crescemos não são os mesmos dos nossos pais. Crescemos num tempo de mudança, não só no sentido das tais "liberdades e garantias" que a revolução de 74 trouxe, como também de mudança de realidade e mentalidade económica e financeira (a maioria de nós come desde pequenino num dia tanto como a maioria das pessoas da geração que nos precede comia numa semana, e isto, para eles, na melhor das hipóteses; não apanhámos racionamentos nem Grandes Guerras e respectivos pós; tivemos tantos brinquedos na infância como, juntas, as dez gerações que nos precederam). E este é o problema crucial. Vendedores de ilusões à parte - porque "tão ladrão é o que rouba como o que fica à porta", ou seja, só se vendem ilusões, como qualquer outra coisa, se houver quem as compre - o facto é que vivemos com muitíssimo mais que os mais velhos que nós, e habituámo-nos a que assim é que tem de ser. O tal esforço para provar que não somos rascos nunca foi, grosso modo, uma realidade, porque as circunstâncias exigiam e exigem de nós menos sacrifícios que aos anteriores.
Temos hoje a possibilidade de estudar mais (os que hoje andam no ensino básico nem por isso melhor...), de obter qualificações, mas isso levou a que começassem a proliferar cursos de tudo e mais alguma coisa, alguns sem grande aplicação na vida das pessoas, bem como a proliferar vagas em cursos que já se sabe conduzirem ao desemprego, mas as Universidades tornaram-se instituições de solidariedade luxuosa para certos indivíduos e the show must go on [trocado por miúdos, há professores, catedráticos ou não, a ganhar verdadeiros balúrdios, e a forma de não os mandar para o desemprego é continuar a mandar alunos - que paguem propinas - para os cursos onde eles leccionam, mesmo que sejam esses a encontrar depois o desemprego...]. Depois, qualificação obtida, começam os problemas. Não há trabalho na nossa área de formação e - por isto não me manifestarei amanhã - recusamo-nos a fazer outros trabalhos, porque são "menores".
O problema da geração de hoje é a falta de verdadeiros self made men. Os nossos pais eram do tempo dos self made men da construção civil, dos electrodomésticos, dos pequenos impérios das tais coisas "menores" que hoje nem sequer sonhamos fazer. Os self made men da nossa geração entretêm-se a lixar os outros da nossa geração, ocupando sem formação para tal lugares que a exigem e agarrando-se como podem à cadeira, mesmo que isso implique o desemprego ou o trabalho fora da sua área de alguém com mais competência. Os self made men dos anos 70, 80 e 90 tinham de trabalhar para o serem, os de hoje simplesmente tiveram sorte.
Não me manifesto amanhã porque o que tenho é falta de trabalho. Falta de trabalhar mais, de me esforçar mais e de me queixar menos. Generalizo: temos, a geração rasca e à rasca e tudo, falta de trabalhar mais, de nos esforçarmos mais, de vermos mesmo que, como atribuem a Einstein, só no dicionário o sucesso vem antes do trabalho. Quando nos esfalfarmos tanto como os nossos pais fizeram e continuarmos sem alternativas, aí sim, vou convosco para a rua. Por respeito ao meu pai, à minha mãe, aos meus avós e aos justos que me precederam.

Horário de um aluno, professor e pessoa

(a quem interessar encontrar-me)

Segunda-feira

6.oo Levantar
7.55 Carreira 11 da vimeca
8.15 Dar aula em Linda-a-Velha
10.50 Dar aula em Queijas (pelo meio, carreira 02 da vimeca e paragem para café junto à Noronha Feio, Queijas)
14.15 Dar aula em Queijas (pelo meio, almoço)
17.40 Dar aula em Queijas
18.40 Apanhar a carreira 13
20.00 Casa. Comer, trabalhar, dormir

Terça-feira

6.oo Levantar
7.55 Carreira 11 da vimeca
8.15 Dar aula em Linda-a-Velha
11.45 Dar aula em Queijas (pelo meio, carreira 02 da vimeca e paragem para café junto à Noronha Feio, Queijas)
14.15 Dar aula em Queijas (pelo meio, almoço)
17.40 Dar aula em Queijas
18.40 Apanhar a carreira 13
20.00 Casa. Comer, trabalhar, dormir

Quarta-feira

7.00 Levantar
8.30 Ter aulas na UCP
14.30 Dar aula em Linda-a-Velha (pelo meio, carreira 11)
17.40 Dar aula em Queijas (pelo meio, carreira 02)
18.30/19.00 Carreira 13
20.00 Casa. Comer, trabalhar, dormir

Quinta-feira

7.00 Levantar
8.30 Ter aulas na UCP
17.40 Dar aula em Tercena (pelo meio, carreira 101 da lt)
20.00 Casa. Comer, trabalhar, dormir

Sexta-feira

7.00 Levantar
8.30 Ter aulas na UCP
17.40 Dar aula em Queluz de Baixo (pelo meio, carreira 101 da lt)
20.00 Casa. Comer, trabalhar, dormir

Sábado

Entre as 11.00 e as 14.30 Apanhar o autocarro para Caldas
17.30 Dar catequese nas Gaeiras
19.00 Missa nas Gaeiras

Domingo

Vai a malta passear.

Declaração (virtual) de voto

"Fazer ruptura com esta situação, começar um ciclo de glória e pôr o Sporting Clube de Portugal no lugar em que merece estar"
(esta frase é cortesia de Carlos Alves)

E o blog suspende os seus posts sobre bola em geral e Sporting em particular até 26 de Março à noite, pelo menos.

quarta-feira, 9 de março de 2011

40

Quarenta anos, quarenta dias. Inicia hoje o Tempo da Quaresma. Marco isso mesmo aqui no blog. Sem me querer adiantar muito em discursos teológicos (sugiro que se leiam as mensagens do Papa e do Patriarca de Lisboa para a Quaresma deste ano) realço apenas a importância da linguagem simbólica.
A Quaresma ocupa os quarenta dias que antecedem as festas pascais. Estes quarenta dias são sinal de dois acontecimentos ligados ao número quarenta (um deles já remete para o outro): os quarenta anos que o povo demorou a retornar do Egipto e os quarenta dias de Jesus no deserto.
O primeiro acontecimento é, já ele, de ordem simbólica, pelo menos se olharmos ao texto de Mateus (2, 13-15), quando este afirma que Jesus terá permanecido algum tempo no Egipto (levando em conta que Jesus morreu e ressuscitou aos trinta e três anos anos, concluímos que a viagem entre o Egipto e Israel não demoraria quarenta anos...). Os quarenta anos de viagem (Ex 13, 17 - Js 4) mostram que para ser discípulo é preciso tempo, e são um relato do que é a vida de fé: alegrias, tristezas, confiança, desconfiança, abandono, companhia, solidão, comunidade. Os quarenta anos de caminho são anos de construção de uma comunidade fiel ao Senhor, de uma comunidade crente que seja verdadeiramente digna de entrar na Terra que Deus promete ao Seu Povo.
Os quarenta dias de Jesus no deserto (Mt 4, 1-11) são já sinal da caminhada do Povo de Israel pelo deserto, ao mesmo tempo que servem para Ele rezar confirmando e fortalecendo a Sua missão - disso falam as tentações que Satanás lhe faz.
Os nossos quarenta dias de Quaresma surgem, por isso, como síntese destes acontecimentos: são tempo de nos fortalecermos como comunidade de discípulos, de rezarmos e de fortalecermos a nossa missão e de nos prepararmos para entrar na verdadeira Terra da Promessa, a Páscoa de Jesus, essa que matou a morte e nos dá a possibilidade de viver sem fim.

Reclame

Sugiro este blog, onde se propõe uma iniciativa cultural.

terça-feira, 1 de março de 2011

Apontamentos para uma teologia do silêncio

Para Juan de Yepes

«Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te.» (Mt 6, 6)

Hans Urs von Balthasar dizia que as grandes decisões da vida, mesmo as que implicam um outro ou uma comunidade inteira, são tomadas em solidão. Pegando nesta sua afirmação, digo que são também marcadas pelo silêncio - a solidão faz-se, normalmente, acompanhar pelo silêncio.
Esta solidão e este silêncio podem ser de dois tipos. Por um lado, podem ser da ordem da angústia, de quem se sente só e sem coragem para assumir as grandes decisões, de quem começa a encarar o dia-a-dia como uma pena. Por outro lado, podem ser da ordem da fecundidade, uma fecundidade de quem, mesmo na solidão, sabe que nunca está verdadeiramente só (por paradoxal que pareça), de quem sabe que há Outro que esclarece, confirma e fortalece o rumo a seguir, de quem sabe que o silêncio não é vazio mas antes a condição sine qua non da escuta - não por acaso fomos criados e queridos com dois ouvidos e apenas uma boca...
O mundo de hoje, muitos o dizem e todos o confirmamos, foge do silêncio: desde o barulho chato dos carros, das motas e dos aviões, aos mp3's, às músicas ambiente dos centros comerciais e do metro e, sobretudo, até dos elevadores, passando pelas formas "visuais" de bloquear os tempos de silêncio, como são os jornais de distribuição gratuita e toda essa tralha...
Também na Igreja se foge hoje do silêncio (não sei se tanto como o diabo da Cruz; talvez até mais...). Isto comprova-se, por exemplo, num olhar sobre a liturgia eucarística. Para muitos, ela hoje quer-se cheia de "coisas" que ocupem o tempo e encham a vista (sobretudo se não previstas no Ritual ou até se contrárias à doutrina da Igreja e completamente desadequadas do momento celebrativo em que são feitas), muitos cânticos muito "animados" e muito próximos dos gostos da nossa juventude, que de outra maneira se afastaria da liturgia (como se não houvesse jovens que gostam de grunge e rock e, simultaneamente, de música litúrgica bem cantada e bem celebrada... Às vezes parecem duras as palavras bíblicas que nos dizem que «para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu» [Ecl 3, 1]).
Foge-se da Missa que fomente momentos de silêncio meditativo, onde se cante música litúrgica e, sobretudo, canto gregoriano (que estimula esse silêncio orante), da celebração que nos transporta do ritmo frenético do dia-a-dia para o ritmo de Deus, lá onde não há espaço nem tempo (só há silêncio).
Precisamos de estar atentos a fenómenos como o de Taizé, que faz sucesso entre os jovens precisamente porque permite experiências de silêncio orante, mas sem querer fazer cópias. Voltemos às nossas raízes: à Eucaristia celebrada e vivida sem pressas, ao canto litúrgico - em particular o gregoriano - bem cantado e meditado, bem tratado, onde se dê especial atenção ao texto que se diz. Ponhamos os nossos olhos na Cruz, lugar de sacro silêncio, ponhamos os nossos olhos no discípulo amado que «viu e [acrecento eu: em silêncio] acreditou» (Jo 20, 8).