blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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quinta-feira, 29 de junho de 2017

terceira fila junto à janela

quando eu tinha catorze anos
passava despercebido.
nas aulas sentava-me na terceira fila,
junto à janela, e olhava para a rua
o tempo todo. suspirava.
as raparigas da turma
não me ligavam nenhuma,
eu gostava de uma rapariga da turma
que não me ligava nenhuma,
felizmente ainda não eram os tempos
de as raparigas gostarem de mim
só como amigo
quando não gosto delas
só como amigo,
na verdade acho que hoje não gosto
de ninguém como mais do que amigo.
os professores faziam-me perguntas
e eu dava as respostas certas,
às vezes, ou errava e ficava vermelho.
nunca punha o dedo no ar
para responder a perguntas postas à turma.

há uns meses estava numa sala
com seiscentas e tal pessoas
e um amigo disse o meu nome
e apontou para mim.
as pessoas olharam todas
na minha direcção
e bateram palmas
e eu encostei-me a uma coluna
a querer esconder-me e a ficar vermelho.
não sei se agradeço ao meu amigo,
sei que de repente o coração bateu mais,
caí de novo nos catorze anos
e na terceira fila a olhar para a rua
e a suspirar por não sei quê.

sábado, 24 de junho de 2017

ornatos

vinte e três e cinquenta e sete:
passa um filme escuro
filmado em coimbra.
a banda sonora transporta-me:
o meu corpo já está cá
mas deixei o coração
nos discos que faziam sucesso
em dois mil e um.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

ana

não tinha nada a dizer
mas continuavam a querer ouvir
as minhas palavras
enquanto mãe e médica

quinta-feira, 8 de junho de 2017

lanceta

foi hoje que quase fui capaz
de voltar a escrever o teu nome

ainda não sou capaz de escrever o teu nome
e de assumir que demasiadas porcarias que escrevo
são ainda a pensar em ti

segunda-feira, 5 de junho de 2017

solitudine

doutor, não sei
como se chora um filho único,
nem marido tive,
ouço sons pela casa à noite,
às vezes carrego no botão
de um aparelhinho
que me deixaram da central de alarmes,
os seguranças vêm e não é ninguém,
só um sarafano a passear na cozinha
ou o exaustor da casa de banho
que ficou esquecido.
peço-lhe uns comprimidos,
um chá, não sei, uma forma
de chorar esse filho inexistente,
a vida que nunca cheguei a ter

eufemismos de boné

quando digo que os teus olhos verdes são lindos
é mesmo dos teus olhos verdes que falo

notas para escrita de cinema

num bom filme policial
o autor não consegue identificar o criminoso.

o bom thriller
é aquele em que o desejo do mau da fita
se concretiza da forma mais escabrosa possível.

filmes de comédia
devem ter cenas de lucha libre
e canções dos balcãs.

não pode haver filmes românticos
sem passeios de mão dada,
um beijo à chuva com o throwing my arms around paris em fundo,
um disco dos tindersticks como banda sonora.

a minha autobiografia
tem meia hora de estática
e um homem com as patilhas do stuart staples,
os olhos de bowie e a voz de mark sandman
a ler poemas de ruy belo
numa taberna da província.