blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

la maison (parte ii)

para o Valter
 
ἡμεῖς μωροὶ διὰ Χριστόν
1 Cor 4, 10
 
 
no topo do parque eduardo vii,
pertinho do eleven,
entre umas sebes vivia um homem
 
 
até que decidiram cortar as árvores
para ficarem bonitas
e ele ficou desalojado
 
os dois idiotas riam e diziam
«cortaram os arbustos
e desalojaram o sem-abrigo»
 
já não sabiam o que era mais ridículo
se a existência de um sem-abrigo desalojado
ou que haja pessoas desalojadas
por causa da beleza
(mesmo que vivessem em casas de cartão)

la maison (parte i)

debaixo da ponte
um homem vive
numa casa de cartão e plásticos

todos sabemos
que as pontes servem para ligar
- e as casas? -
não servem também para ligar,
as casas?

as casas também ligam
mesmo que sejam feitas de cartão
                          [e plásticos
porque nos afastam
do frio e da solidão exposta do mundo

domingo, 4 de novembro de 2012

Um Natal para gente adiantada

Sou pouco fã de que se comece já a pensar no Natal, afinal ainda falta bem mais de um mês, e afinal até há um tempo litúrgico previsto para a sua preparação espiritual, sendo que a outra preparação não precisará, certamente, de mais tempo do que essa. De qualquer modo, sei que há sempre quem comece já a pensar nessa altura do ano e quero ajudar essas pessoas. 
Quando estiverem a pensar em dar prendas, pensem em livros. Depois, pensem em livros baratos. E pensem em livros de autores portugueses. Se tiverem um mínimo interesse pela teologia, recomendo-vos o livro Nenhum caminho será longo [Prior Velho, Paulinas 2012], de José Tolentino Mendonça, uma boa reflexão sobre o tema da amizade a partir de um ponto de vista teológico (como toda a obra teológica e ensaística do padre Tolentino, acaba por ser também um bom tratado sobre o que é, ou devia ser, o papel do próprio teólogo no mundo). Além disso, para os interessados em teologia mas que nunca tiveram acesso a obras deste tema, há sempre um livro relativamente barato e que vale a pena ler, para compreender a sociedade ocidental em que vivemos. Chama-se Bíblia Sagrada e pode encontrar-se, de forma relativamente fácil, em diversas traduções e aos mais variados preços.
Se tiverem um mínimo interesse pela literatura, podem sempre oferecer Não é meia noite quem quer [Lisboa, Dom Quixote 2012], o mais recente livro de António Lobo Antunes, o português que devia ter sido Nobel e nunca foi porque não é comuna, ou ainda O filho de mil homens [Carnaxide, Alfaguara 2011], última obra de Valter Hugo Mãe, uma boa reflexão sobre o que ainda nos pode unir neste tempo de escombros.
Por fim, aos interessados em poesia deixo três recomendações, garantindo que é aqui que, em matéria de livros, certamente gastarão menos dinheiro ficando mais bem servidos. Em primeiro lugar, sugiro O comportamento das paisagens, de Pedro Tiago [Lisboa, Artefacto 2011], obra de um autor jovem e que, não por acaso, é meu irmão. Depois, é sempre de ler Como se desenha uma casa [Lisboa, Assírio & Alvim 2011], do recentemente falecido Manuel António Pina . Por fim, a obra mais recente de poesia de José Tolentino Mendonça, Estação Central [Lisboa, Assírio & Alvim 2012], onde se encontra este poema (na p. 25):

Quando Deus vacila em mim

«Deus é impotente e fraco no mundo, e
somente  assim está connosco e nos ajuda.»
Dietrich Bonhoeffer

Quando Deus vacila em mim
sem adornos, ataduras, sem outro pretexto
Quando o sinto a ponto de perder-se
na folhagem a meu lado
compreendo o grande mistério
uma lei face à qual as palavras
não servem

Deus abraça o meu vazio profundamente grato
Abraça a imundície de todos os seus filhos
e continuamente declara-os bem aventurados

Pois Deus sendo casto deixa-se consumir
com a paixão insultuosa
dos devassos