blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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terça-feira, 31 de julho de 2012

Oratio mea in nocte mea

  שִׁ֗יר הַֽמַּ֫עֲלֹ֥ות רַ֭בַּת צְרָר֣וּנִי מִנְּעוּרַ֑י יֹֽאמַר־נָ֝א יִשְׂרָאֵֽל׃  רַ֭בַּת צְרָר֣וּנִי מִנְּעוּרָ֑י גַּ֝ם לֹא־יָ֥כְלוּ לִֽי׃  עַל־גַּ֭בִּי חָרְשׁ֣וּ חֹרְשִׁ֑ים הֶ֝אֱרִ֗יכוּ לְמַעֲנֹותָם  יְהוָ֥ה צַדִּ֑יק קִ֝צֵּ֗ץ עֲבֹ֣ות רְשָׁעִֽים׃  יֵ֭בֹשׁוּ וְיִסֹּ֣גוּ אָחֹ֑ור כֹּ֝֗ל שֹׂנְאֵ֥י צִיֹּֽון׃  יִ֭הְיוּ כַּחֲצִ֣יר גַּגֹּ֑ות שֶׁקַּדְמַ֖ת שָׁלַ֣ף יָבֵֽשׁ׃  שֶׁלֹּ֤א מִלֵּ֖א כַפֹּ֥ו קֹוצֵ֗ר וְחִצְנֹ֥ו מְעַמֵּֽר׃ וְלֹ֤א אָֽמְר֨וּ׀ הָעֹבְרִ֗ים בִּרְכַּֽת־יְהוָ֥ה אֲלֵיכֶ֑ם בֵּרַ֥כְנוּ אֶ֝תְכֶ֗ם בְּשֵׁ֣ם יְהוָֽה׃

De profundis clamavi ad te Domine
 Domine exaudi vocem meam fiant aures tuae intendentes ad vocem deprecationis meae
 si iniquitates observabis Domine Domine quis sustinebit
 quia tecum est propitiatio cum terribilis sis sustinui Dominum sustinuit anima mea et verbum eius expectavi
 anima mea ad Dominum
 a vigilia matutina usque ad vigiliam matutinam expectet Israhel Dominum
 quia apud Dominum misericordia et multa apud eum redemptio
 et ipse redimet Israhel ex omnibus iniquitatibus eius

Do fundo do abismo clamo a ti, Senhor!
Senhor, ouve a minha prece!
Estejam teus ouvidos atentos
à voz da minha súplica!
Se tiveres em conta os nossos pecados,
Senhor, quem poderá resistir?
Mas em ti encontramos o perdão;
por isso te fazes respeitar.
Eu espero no Senhor! Sim, espero!
A minha alma confia na sua palavra.
A minha alma volta-se para o Senhor,
mais do que a sentinela para a aurora.
Mais do que a sentinela espera pela aurora,
Israel espera pelo Senhor;
porque nele há misericórdia
e com Ele é abundante a redenção.
Ele há-de livrar Israel
de todos os seus pecados.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

talvez isto seja um adeus

se da minha vida fazem parte vómitos, poemas, mesmo que sobre o osso da pila, missas católicas bem celebradas, preocupação com o correcto crescimento das crianças, abnegação, atenção aos mais fracos, conversas com aqueles a quem ninguém liga, a consciência de que a linha que separa a normalidade da loucura é muito ténue, uma forma de amor por mulheres que não passa por querer uma ama, interesses culturais desrespeitados pelos meus amigos, esforços não notados, uma certa atracção pela loucura, gosto pela liberdade, fé católica, noção de que o estado novo foi uma nódoa, repito, uma nódoa, na história de portugal, a certeza de que a penitência é mesmo um sacramento e é possível o perdão, a noção de que não sou perfeito nem certinho, a falta de desejo de ser perfeito e certinho ou pelo menos de fingir que sou perfeito ou certinho porque assim é que se engatam gajas, a percepção dos problemas não resolvidos pelos meus amigos em relação à adolescência que não tiveram, porque foi triste, um certo asco a pessoas que têm a mania que sabem tudo sobre tudo, que acham que os outros não sabem nada e não fazem nada de jeito (a começar por um senhor chamado adolfo, que gostava muito de fazer isso; pensa no que isto pode querer dizer, se fores capaz), a humildade de reconhecer que sou uma merda, repito, uma merda, então talvez seja o momento de te dizer adeus. vai, amigo, liberta-te e vai viver a tua vida perfeita e feliz onde passas a vida a criticar toda a gente. adeus, talvez nos vejamos um dia. adeus. talvez um dia a minha vida deixe de ter estas coisas. talvez um dia a tua vida passe a ter estas coisas. talvez um dia eu abra os olhos. talvez um dia abras também os olhos, repito, talvez um dia abras os olhos, que pior que o cego que não quer ver é o que acha que vê muito bem e não vê um boi à frente dos olhos. talvez um dia respeites as pessoas que conseguem pôr por escrito aquilo de que não conseguem falar. talvez um dia respeites as pessoas, em geral. talvez um dia deixes de falar sobre as pessoas que gostam de ti só para as criticar e deixes de dar o rabinho às chefias. talvez um dia voltes a ser católico. nesse dia, podemos reencontrar-nos.

n.a.: provavelmente, nunca vais ler isto. mesmo que leias, provavelmente não vais perceber nada do que aqui está escrito. não vais querer perceber nada do que aqui está escrito. afinal, isto está escrito. não tem a ver com aviões nem com fazendas, que são as únicas coisas de valor que há no mundo, enquanto trabalhares com aviões e tiveres fazendas (no dia em que trabalhares com esterco, finalmente ele vai ter o valor que há muito lhe é devido no mundo). entrei de luto, perdi um amigo e perdi-me a mim. adeus, até um dia.

sábado, 21 de julho de 2012

programas de tv

antónio tinha um programa de tv sobre o tarrafal, em cabo verde. quando faleceu, os cabo-verdianos agradeceram-lhe porque fez publicidade ao seu país, que é um bom destino turístico. urbano tinha um programa de tv sobre teoria geocêntrica. quando faleceu, copérnico agradeceu-lhe pelas férias nos calabouços de roma. josef tinha um programa de tv sobre gulag. quando faleceu, os opositores do regime agradeceram-lhe a oportunidade de poderem conhecer tão bem a sibéria. adolfo tinha um programa de tv sobre judeus. quando faleceu, eles agradeceram-lhe porque, os poucos que sobraram, puderam voltar à terra prometida. josé tinha um programa de tv onde inventava coisas sobre portugal. quando faleceu, todos lhe agradeceram porque foi um grande comunicador e um historiador notável.

neste texto não há nada de estranho? há. a parte do josé é real... mas há mais: o josé que inventava histórias sobre portugal foi ministro do antónio, que, no seu programa de tv, falava sobre os benefícios de umas férias no tarrafal, em peniche ou em caxias, a fazer terapias de sono, a ficar em pé durante dias e a passar fome, apenas porque não se concordava com ele. o josé foi ministro da educação e nesse período educou umas pessoas à bastonada e mandou outras estudar na guerra em áfrica. o josé, trinta e tal anos depois, enquanto inventava coisas sobre portugal a ver se as pessoas se esqueciam dos belos gestos que teve, conseguiu afirmar que o seu amigo antónio era um democrata.

eu sei que sou mau. mas quando morrer digam mal de mim. não façam de mim o homem bom que nunca fui. não transformem fascistas em democratas. nunca. não digam que fascistas foram grandes homens e gente importante. nunca.

terça-feira, 3 de julho de 2012

solidão

a noite as árvores a chuva miudinha os pingos nas costas o tabaco as caixas multibanco a fazer barulho os talões as ameixas no chão as mensagens de telemóvel as chamadas de números desconhecidos que só dão música clássica a angústia um fundo de tristeza que não deixa de estar temperado com alegria a melancolia o atraso de vida aos vinte e cinco anos de idade a caminho dos vinte e seis