blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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sexta-feira, 28 de maio de 2010

D. José e o casamento entre pessoas do mesmo sexo

Depois de ter expressado aqui a minha opinião sobre a promulgação da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo pelo Presidente da República, ao passear pelo site do Diário de Notícias encontrei uma notícia onde o meu Bispo se manifestava no mesmo sentido.
De facto, quando razões de cariz económico se sobrepõem à consciência, algo só pode ir mal... Infelizmente os comentários feitos revelam como as pessoas não percebem o fundamental da notícia e assumem uma atitude típica dos tempos contemporâneos que é a de se refugiar nos pecados dos outros como se a sua existência apagasse os pecados e falhas dos próprios... Como se o facto de haver pecadores na Igreja (desde as Cruzadas (ou "crusadas", como escrevia um cavalheiro) aos abusos da Inquisição, passando pelos (mais ou menos) recentes casos de pedofilia; por muito que a Igreja, ao contrário de muitos outros, peça perdão por tudo isso) apagasse o facto de o Presidente da República ter ignorado a sua consciência, ou de andarmos a tomar decisões que não respeitam a profunda dignidade e desenvolvimento da humanidade...

Para perceberem a minha última frase sugiro a leitura dos números 2357-2359 do Catecismo da Igreja Católica:

2357 A homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que experimentam uma atracção sexual exclusiva ou predominante para pessoas do mesmo sexo. Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos séculos e das culturas. A sua génese psíquica continua em grande parte por explicar. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves (103) a Tradição sempre declarou que «os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados» (104). São contrários à lei natural, fecham o acto sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afectiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados.

2358. Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objectivamente desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição.

2359. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.

(podem ou não concordar com isto; o que queria dizer é que não digo nada de original mas me fundo na doutrina da Igreja)

terça-feira, 25 de maio de 2010

Ruy Belo e a poesia de inspiração cristã

É curioso que seja quando se afasta do espaço eclesial que Ruy Belo constrói a grande maioria da sua obra poética, muita dela com clara inspiração cristã. Já havia posto aqui um dos seus poemas - "Nós, os vencidos do catolicismo", que inspirou a obra do meu professor Alfredo Teixeira Não sabemos já de onde a luz mana -, hoje porei aqui um outro, Para a dedicação de um homem. Podemos não valorizar e ler os nossos poetas, mas somos, sem dúvida, um país de poetas.

Para a dedicação de um homem

Terrível é o homem em que o senhor
desmaiou o olhar furtivo das searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra desse homem
não há outra que o diga a ele próprio
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia.

BELO, Ruy, Todos os poemas, Lisboa, Assírio & Alvim 2009.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Paganização

Com a chegada do calor, começa a perguntar-se sobre este ano há ou não primavera e verão e coisa e tal... Esta coisa das estações do ano, a mim, fez-me pensar antes em algo que me disseram ontem: uma igreja de Lisboa (obviamente não direi qual) receberá um concerto de primavera... Julgo que estas coisas nos devem fazer reflectir, no mínimo. Depois de gente cristã que morreu (e morreu mesmo, não morreu "a fingir", nem discutiu no parlamento... Morreu!) para que a festa do Sol fosse o Natal do Senhor, para que a Santa Páscoa, a Ascensão e o Pentecostes não se confundissem com festas primaveris, para que vivêssemos a partir do Evangelho e não dos critérios pagãos, é agora um espaço católico que se abre à mensagem pagã - ainda por cima sendo o dito concerto no próximo domingo (23 de Maio), por que não chamá-lo "Concerto de Pentecostes"?... De facto, o mundo vem confirmar as minhas histórias teológicas. Leiam a do Comissário e do Cristão e logo percebem este post... Por muito que não existam "cristãos anónimos" acho que alguns que seriam isso são mais cristãos que muitos cristãos...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Casamento entre pessoas do mesmo sexo

No dia em que é promulgada a lei que legitima o casamento entre pessoas do mesmo sexo (normalmente, e quanto a mim erradamente, designado de casamento homossexual - o facto é que os homossexuais sempre puderam casar, desde que com pessoas de sexo oposto; por muito ridículo que possa parecer, é a verdade...) ocorrem-me algumas coisas que quero partilhar aqui no blog:

1. A questão de consciência que o Presidente afirmou pesar sobre ele mas que ignorou por "questões de Estado" e porque "se defendesse as suas preferências pessoais íamos muito mal" é um erro grave (ele que pusesse os olhos no Rei Balduíno!). Quando alguém abdica da sua própria consciência algo só pode, mesmo, ir muito mal...

2. Furto-me aqui a discussões sobre a relação entre este tema e a moral cristã, pois julgo que já se fez muito nesse âmbito (destaco o trabalho do padre Gonçalo Portocarrero de Almada, de quem encontrarão muitos textos aqui). Depois, fazendo minhas as palavras de Kierkegaard que referi numa das pequenas histórias teológicas do blog, porque não quero fazer o papel do palhaço criando uma discussão interminável e onde facilmente se chega à malcriadice gratuita (assim surja um interlocutor...).

3. Pena que este momento que muitos consideram um grande passo democrático - como entenderão, isso não é partilhado por mim... - seja o sinal do fim do instituto democrático do referendo. Bem sei que a maioria PSD-CDS já havia feito o mesmo há uns anos impedindo o acelerar da "despenalização" (descriminalização) da "interrupção voluntária da gravidez" (aborto), mas a nova recusa da maioria parlamentar em ouvir os populares vem mostrar que os políticos só têm verdadeiro interesse em ouvir o povo quando este for dizer o que eles querem ouvir... E ignorar o povo não é, não pode ser nunca, uma atitude democrática (é, de resto, mais própria dum país que começa a ter, sem perceber, os "dois ou três Salazares" que o povinho mais antigo tanto deseja)... Como diz... "o povo": Foi p'ra isto que fizeram o 25 de Abril?

Vale a pena ler... From Brazil

«Meu coração está aos pulos!

Quantas vezes minha esperança será posta à prova?

Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?

Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau."

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!»

Elisa Lucinda

Pequenas histórias teológicas (4) (média-grande)

«Se o sal se torna insosso

A sabedoria é para o insensato como uma casa arruinada;
a ciência do insensato reduz-se a palavras inocentes.
Sir 21, 18

O COMISSÁRIO (bem-intencionado): Camarada cristão, podeis, de uma vez por todas, dizer-me claramente o que sois vós, cristãos? Em boa verdade, que é que ainda pretendeis no nosso mundo? Onde reside o vosso direito à existência? Qual o vosso mandato?
O CRISTÃO: Antes de mais, somos homens como todos os outros, que colaboram na obra de construção do futuro.
O COMISSÁRIO: Quanto à primeira coisa, acredito; quanto à segunda, bem gostaria de esperar.
O CRISTÃO: Desde há algum tempo estamos, de facto, «abertos ao mundo», e alguns de nós até, de forma séria, «se converteram ao mundo».
O COMISSÁRIO: Isso parece-me um suspeito palavrório de padre. Seria, na realidade, ainda mais bonito se vós, «homens como os outros», vos tivésseis já convertido a uma existência digna de homens. Mas venhamos aos factos. Porque ainda sois cristãos?
O CRISTÃO: Hoje, somos cristãos amadurecidos, pensamos e agimos com responsabilidade moral.
O COMISSÁRIO: Bem o quero esperar, já que vos apresentais como homens. Mas acreditais em algo de particular?
O CRISTÃO: Isso não é muito importante; o que importa é a palavra epocal; o acento, hoje, recai sobre o amor ao próximo. Quem ama o próximo ama Deus.
O COMISSÁRIO: No caso de Ele existir. Mas, como não existe, não o amais.
O CRISTÃO: Amamo-lo implicitamente, de modo não objectivo.
O COMISSÁRIO: Ah, a vossa fé não tem, pois, nenhum objecto. Avancemos. A coisa está a ficar clara.
O CRISTÃO: Não é assim tão simples. Cremos em Cristo.
O COMISSÁRIO: Já dele ouvi falar. Mas, do ponto de vista histórico, parece que pouco se sabe, infelizmente, a seu respeito.
O CRISTÃO: Concordo. Praticamente nada. Por isso, acreditamos menos no Jesus histórico do que no Cristo do
kerygma.
O COMISSÁRIO: Que género de palavra é essa? Chinês?
O CRISTÃO: Grego. Significa a pregação da mensagem. Sentimo-nos tocados pelo acontecimento linguístico da mensagem da fé.
O COMISSÁRIO: E que há nessa mensagem?
O CRISTÃO: O importante é modo como por ela se é afectado. A um pode prometer o perdão dos pecados. Esta era, em todo o caso, a experiência da comunidade primitiva. Terá sido induzida a isso pelos acontecimentos relativos ao Jesus histórico, do qual verdadeiramente não sabemos bastante para estarmos certos de que ele...
O COMISSÁRIO: E chamais a isso a vossa conversão ao mundo. Sois os obscurantistas de sempre. E é com esse palavreado difuso que quereis colaborar na construção do mundo!
O CRISTÃO (
joga o seu último trunfo): Temos Teilhard de Chardin! Ele causou grande impressão na Polónia!
O COMISSÁRIO: Também já nós a causámos. Não precisamos, para isso, de a receber de vós. Mas é bom que também tenhais chegado, por fim, a tal ponto; simplesmente, acabai de vez com a tralha mística, que nada tem a ver com a ciência, e então poderemos discutir, entre nós, acerca da evolução. Nas outras histórias não me meto. Se delas vós próprios sabeis tão pouco, já não constituís um perigo. Assim poupais-nos uma bala. Temos na Sibéria campos muito úteis, onde podereis demonstrar o vosso amor pelos homens e colaborar, de uma forma válida, na evolução. Lá lucrar-se-á mais do que nas vossas cátedras alemãs.
O CRISTÃO (
algo desiludido): Subvalorizais a dinâmica escatológica do cristianismo. Nós preparamos o futuro reino de Deus. Somos a verdadeira revolução mundial. Égailté, liberté, fraternité: eis a nossa tarefa originária.
O COMISSÁRIO: É pena que outros tenham tido de lutar por vós. Depois, não é difícil estar presente. O vosso cristianismo não vale um caracol.
O CRISTÃO: Vós estais
connosco! Sei quem sois. Pensais de forma honesta, sois um cristão anónimo.
O COMISSÁRIO: Nada de insolências, rapazola. Também agora já sei que chegue. Vós próprios vos liquidastes e, assim, poupastes-nos a perseguição. Desandai!»


VON BALTHASAR, Hans Urs, Córdula ou o momento decisivo, Lisboa, Assírio & Alvim 2009, 126 p.

Arte contemporânea - Hegel

«Nos seus inícios, a arte ainda retém algo de misterioso, um pressentir misterioso e uma nostalgia, porque as suas configurações ainda não deram inteiramente relevo, para a intuição imagética, ao seu Conteúdo [Gehalt] pleno. Mas se o conteúdo [Inhalt] completo se apresentou em configurações artísticas, o espírito que continua a olhar para frente volta-se desta objectividade para o seu interior e afasta-a de si. Tal época é a nossa. Podemos bem ter a esperança de que a arte vá sempre progredir mais e consumar-se, mas sua Forma deixou de ser a mais alta necessidade do espírito. Por mais que queiramos achar excelentes as imagens gregas de deuses e ver Deus Pai, Cristo e Maria expostos digna e perfeitamente — isso de nada adianta, pois certamente não iremos mais inclinar os nossos joelhos?»

HEGEL, Georg W. Friedrich, Estética I - A Ideia e o Ideal; Estética II - O belo Artístico ou o Ideal; Estética III - A arte simbólica; Estética IV - A Arte Clássica e a Arte Romântica; Estética V - Arquitectura e Escultura; Estética VI - Pintura e Música; Estética VII - Poesia, Lisboa, Guimarães editores 1972.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Notícias insólitas...

Não posso deixar de indicar este artigo do jornal i! É só clicar aqui. Porque o riso ridículo ainda não paga imposto. Não deixa de ser de notar ainda o degredo moral que são as novas estrelas juvenis, musicais e outras...

Pequenas histórias teológicas (3)

«Logo mudou de assunto.
- Onde está o orador? Que fim levou Liébediev? Então ele já finalizou aquela xaropada? Como foi a peroração? É verdade, príncipe, que o senhor disse uma vez que a Beleza salvaria o mundo? Senhores! - exclamou bem alto, dirigindo-se para o grupo inteiro - aqui o príncipe afirma que a Beleza salvará o mundo! Participo-lhes que a razão desta sua ideia tão radiosa advém do facto de estar ele apaixonado. Mal entrou por aqui adentro esta noite, logo vi isso na fisionomia dele. Não desaponte, príncipe, senão enternecer-me-á ainda mais. Afinal, que espécie de beleza é que salvará o orbe? O senhor é um cristão fervoroso? Kólia garantiu-me que o senhor é cristão convicto.
O príncipe olhava-o atentamente, sem responder.»

DOSTOIEVSKI, Fiodor, O Idiota, Lisboa, Presença 2001.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Geografia na visita papal

«Estamos aqui, à frente da traseira do cavalo», senhor popular quiçá formado em geografia na "escola da vida", ontem no Terreiro do Paço.

Cidadãos não-praticantes

Na minha cruzada contra o termo «católico não praticante» encontrei um aliado de peso, o escritor valter hugo mãe! No seu livro a máquina de fazer espanhóis diz:

«somos um país de cidadãos não praticantes. ainda somos um país de gente que se abstém. como os que dizem que são católicos mas não fazem nada do que um católico tem para fazer, não comungam, não rezam e não param de pecar».

valter hugo mãe, na boca do «silva da europa», atribui isto à ignorância. Eu espero bem que ele esteja certo...

MÃE, valter hugo, a máquina de fazer espanhóis, Carnaxide, Objectiva 2010.

[citação da página 181; imagem na página 301]

«Apascenta as minhas ovelhas»


Ontem, pela primeira vez na minha vida, encontrei-me pessoalmente com o Papa. Não propriamente cara a cara, não com a proximidade que muitos desejariam (talvez que também eu desejasse, apesar de não gostar de multidões e mediatismos - ontem reparei que até ter de cumprimentar muita gente, e por isso parecer que sou "conhecido", me faz impressão; além disso, de facto, não me incluí no grupo organizado dos jovens porque não me apetecia ir-me enfiar na "rua da Betesga" em que se tornou a frente da Nunciatura...), mas não deixou de ser um encontro pessoal, e dos encontros pessoais que mais diz à minha vida.
Ontem percebi como mais do que estar diante de apenas um homem (por quem, talvez porque me parece que em muitas coisas temos afinidades, sempre nutri simpatia - não sou alheio ao facto de que globalmente as pessoas não gosta(va)m nem do Cardeal Ratiznger nem de Bento XVI, e que eu tenho ainda muitas vezes a mania de ser do contra, se é que me entendem...) estava diante da Igreja toda e da sua história. Estava diante do homem a quem o próprio Jesus perguntou «Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes?», uma e outra vez, e que lhe respondeu sempre - por fim já entre a irritação e a loucura... - «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu te amo». Estive diante do homem a quem foi confiada a tarefa de apascentar o rebanho de Jesus (Jo 21, 16-17), de confirmar os irmãos na fé - coisa que, ao chegar a Portugal, o próprio afirmou vir cá fazer -, de afirmar a fé com certeza (cf. Mt 16, 16).
Marcar-me-ão para sempre as palavras que ouvi directamente da sua boca num Terreiro do Paço muito mais à pinha do que eu estava à espera - «Sabemos que não lhe faltam filhos insubmissos e até rebeldes, mas é nos Santos que a Igreja reconhece os seus traços característicos e, precisamente neles, saboreia a sua alegria mais profunda. Irmana-os, a todos, a vontade de encarnar na sua existência o Evangelho, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus que é o Espírito Santo. Fixando os seus Santos, esta Igreja local concluiu justamente que a prioridade pastoral hoje é fazer de cada mulher e homem cristão uma presença irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo, na família, na cultura, na economia, na política» (homilia toda aqui) -, a afirmação inequívoca (esta lida e não ouvida) de que os Descobrimentos foram, antes de mais, um projecto de fé, e não uma estupidez que acabou por correr bem (que só pode vir de um homem de coragem) [encontram esta afirmação em várias das declarações do Papa, mas refiro-me à feita aqui] e um sorriso e um brilho no olhar totalmente desarmantes, que nunca esquecerei.
De facto, esta visita poderá não ter grandes efeitos práticos para muitas das pessoas. Eu gostava que tivesse, ao menos para os cristãos, o dom de os fazer perceber que no Papa estão dois mil anos de história, que o Papa é Pedro, que o Papa ama Jesus mais do que todos, que o Papa apascenta o rebanho do Senhor, e que isso, mais do que uma simpatia ou empatia humanas, é o mais importante. Este é o que Deus me dá, por meio do Seu Espírito Santo, para conduzir a Sua Igreja. E é por ele que quero ser conduzido!

Para acompanhar todas as intervenções do Papa sem interpretações jornalísticas (quase) sempre marcadas por uma ignorância atroz, o melhor é fazê-lo aqui.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Pequenas histórias teológicas (2)

«Poderia vir à lembrança a história do «Joãozinho feliz»: tendo achado demasiado pesada a incómoda barra de ouro que ganhara, trocou-a primeiro por um cavalo, depois trocou o cavalo por uma vaca, a vaca por um ganso e o ganso por uma pedra de amolar; e mesmo esta acabou lançando à água, pois não se dava conta do prejuízo; pelo contrário: achava que tinha ganho, finalmente, o dom precioso da liberdade completa».

RATZINGER, Joseph, Introdução ao Cristianismo, São João do Estoril, Princípia 2005, 272 p.

Pequenas histórias teológicas (1)

«Certa vez, houve um incêndio num circo ambulante na Dinamarca. O director mandou imediatamente o palhaço, que já se encontrava vestido e maquilhado a preceito, para a vila mais próxima, à procura de ajuda, advertindo-o de que existia o perigo de o fogo se espalhar pelos campos ceifados e ressequidos, com risco iminente para as casas do próprio povoado. O palhaço correu até à vila e pediu aos moradores que viessem ajudar a apagar o incêndio que estava a destruir o circo. Mas os habitantes viram nos gritos do palhaço apenas um belo truque de publicidade que visava levá-los a acorrer em grande número às sessões do circo; aplaudiam e desatavam a rir. Diante dessa reacção, o palhaço sentiu mais vontade de chorar do que de rir. Fez de tudo para convencer as pessoas de que não estava a representar, de que não se tratava de um truque e sim de um apelo da maior seriedade: estava realmente em causa um incêndio. Mas a sua insistência só fazia aumentar os risos; eles achavam que a performance estava excelente - até que o fogo alcançou de facto aquela vila. Aí já foi tarde, e o fogo acabou por não destruir só o circo, mas também a povoação.
Cox conta esta história para estabelecer um paralelismo com a situação do teólogo dos nossos dias: o palhaço que nem consegue fazer as pessoas ouvirem a sua mensagem é, para ele, a imagem do teólogo».


RATZINGER, Joseph, Introdução ao Cristianismo, São João do Estoril, Princípia 2005, 272 p.

Festival vicarial da Canção 2010

De facto, enquanto jovem, católico - necessariamente praticante, não me venham cá com coisas - e amante de música, os festivais juvenis da canção cristã são coisa que desperta sempre em mim grande expectativa, pois continuo a aguardar em jubilosa esperança o dia em que os jovens usem a música na Igreja como forma de, de facto, expressarem a sua fé a partir dos meios que lhes são próximos, e não como forma de ter uma liturgia supostamente mais jovem ou de tocarem umas músicas de que gostam com recurso à liturgia.
Depois de ter participado no Festival da Vigararia II do Patriarcado - onde estou a morar - no ano passado (2009), com uma canção de que tive de fazer a música (e com a qual, confesso, nunca fiquei muito satisfeito), pensava ver alguns dos problemas detectados nessa edição resolvidos mas... estamos em Portugal (o que, espero, não será novidade para ninguém...), ou seja, continuou tudo mais ou menos na mesma.
Continuamos a ter o problema da distinção entre a música especificamente cristã e a outra. O que distinguiria a música cristã era o facto de ter uma letra inspirada pelo Evangelho ou ao menos pela Tradição da Igreja, mas o facto é que muitas vezes nestas canções nem se chega a ouvir a letra, ou então encontramos uma letra desfasada do tema proposto, da Bíblia e da Tradição eclesial, o que dificulta a distinção entre música cristã ou não cristã... Depois, continuamos a ter uns apresentadores (sobretudo um apresentador, por muito boa pessoa que seja, e de facto não tenho razões de queixa do dito indivíduo) que levam a coisa muito profissionalmente, tendo inclusive uma resma de papéis na mão, qual Sónia Araújo e Jorge Gabriel nas galas da TV, e estando imbuídos dum desejo de galvanização do público que chega a atingir grandes momentos de overacting, mas têm falta de vocabulário especificamente cristão (para mim é quase imperdoável que se ande às voltas, entre as palavras desafio e trabalho, para falar daquilo que na Igreja sempre se designou por missão...) e só no fim, pela boca da Joana, acentuaram a dimensão especificamente cristã do Festival (de facto, houve no início uns "vivas" a Jesus Cristo, mas pouco diferentes dos "vivas" ao vinho das tascas e nada parecidos com o discurso final da apresentadora). Continua a haver padres que exercem a sua missão na Vigararia a integrar o jurí (o que não é intrinsecamente mau para alguém como eu, mas provoca comentários que revelam pouco fair play por parte de muitos...). Pior do que isso, embora sem relação com os assuntos anteriores, foi o agravar dos problemas técnicos, que prolongou bastante a sessão, quase além dos limites do razoável (mesmo sendo o Benfica um clube que desprezo bastante, acho que caso estas coisas tivessem sido mais acauteladas os adeptos do dito clube, em dia de festejo, teriam feito a festa mais à vontade [e incomodado um pouco menos...]).
Algo à parte é a qualidade das canções. Como disse, quase na globalidade não se percebe o que se está a dizer, normalmente porque é tão grande o desejo de mostrar como cada grupo tem óptimos instrumentistas e toca os mais insólitos instrumentos que depois não se ouve quem canta... Depois, as músicas seguem todos os mesmos estilos predefinidos: ou são baladas tocadas com uma parafernália de instrumentos mas facilmente adaptáveis às celebrações litúrgicas (normalmente com uma linha melódica homogénea, que não permite distinguir versículos do refrão a não ser pela letra [que não se ouve...]) ou são músicas do âmbito pseudo-étnico, como a canção bi-campeã (que não quero menosprezar, de facto ambas são boas canções (dentro do que vi e ouvi), mas não passa de uma "receita").
Quando se tenta fazer algo diferente ou as coisas correm mal por falha dos próprios (vai-se com demasiada "sede ao pote" no uso de instrumentos eléctricos, falha-se nos tempos) ou porque (and that's a private joke to Luís, if any day he reads this) hoje em dia os júris preferem mais a folk à bossa-nova...
Depois de dizer mal de tudo isto, digo apenas: para o ano há mais. E a minha esperança inicial cá continua; pode ser que seja, mesmo, para o ano que à frente dos meus olhos surja a revolução da música cristã para jovens. Pim.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Pequenas histórias teológicas (0)

Não sei bem porquê, mas decidi criar neste blog uma série de entradas (conto pelo menos pôr mais duas) com pequenas histórias teológicas. Esta primeira é um ponto zero, porque se trata de uma história repetida. No final da história darei indicação da obra onde a encontrei (não indicarei o número da página da transcrição, para que cada um, lendo os livros, possa ter o prazer de também se confrontar com estas histórias).

«Quando os Hunos viram as donzelas, lançaram-se sobre elas com grandes gritos, comportaram-se como lobos entre as ovelhas e mataram-nas todas.
Houve uma virgem, de nome Córdula, que, por medo intenso, se escondeu no barco, durante a noite; na manhã seguinte, porém, ofereceu-se voluntariamente à morte e recebeu assim a coroa do martírio. Mas, como a sua festa não era celebrada, porque não sofrera juntamente com as outras, muito tempo depois apareceu a um eremita e fez-lhe saber que a sua festa devia ser celebrada no dia a seguir à festa das onze mil virgens.
Lenda das onze mil virgens»


VON BALTHASAR, Hans Urs, Córdula ou o momento decisivo, Lisboa, Assírio & Alvim 2009, 126 p.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

«Orgulho»

Habituado ao sentido primeiro e tradicional da palavra orgulho (1. Conceito exagerado que alguém faz se si próprio; 2. Vaidade; 3. Soberba, altivez; 4. Dignidade, brio, pundonor), tenho dificuldade em ver no uso desta palavra algo de intrinsecamente bom (como vemos, só o quarto significado da palavra remete para valores positivos, a dignidade, o brio e o pundonor)... Mas o facto é que ela é usada hoje dia por muita gente, num sentido positivo: os pais têm orgulho dos filhos e vice-versa, os adeptos têm orgulho dos desportistas, até dentro da Igreja - onde, nas primeiras acepções da palavra, o orgulho é um pecado - temos declarações de várias pessoas - até Bispos - falando do seu orgulho por x ou y iniciativa, ou pela atitude de determinada pessoa...
O que me impressiona mais não é tanto o uso da palavra em si; as palavras evoluem e se há muitas que perdem força e sentido, pode ser que esta evolua num sentido positivo. É antes o facto de que, em vez desta palavra, os cristãos podiam usar outras que falam melhor das realidades que se expressam falando em «orgulho», como alegria ou felicidade (conceitos intrinsecamente cristãos, ligados ao mistério da Ressurreição).
Vivemos num mundo em que muitos - e esta frase refere-se ao contexto eclesial - estão amedrontados porque a sociedade alterou o sentido de palavras que, para nós, tinham outro significado, e em vez de continuarmos a usá-las, dizendo: «Por muito que queiram que esta palavra queira dizer outra coisa, ela quer e só pode significar isto!» preferimos usar as palavras "do mundo" - mesmo que o seu uso implique estarmos a confessar um pecado como o do orgulho.
von Balthasar é que estava certo. Somos como Córdula, e diante da iminência do martírio escondemo-nos. Saibamos ser também como ela no momento de, na manhã seguinte, ganhar coragem e sair do esconderijo para receber a coroa de glória! Nunca é tarde!

(sobre Córdula, lembro aos mais desatentos ou aos mais recentes leitores do blog, que a sua história se encontra neste post. Para conhecer ou relembrar, é ler...)

Herrlichkeit: rebuild (yourself) after read

Depois de ler o capítulo que me coube da obra Herrlichkeit, de Hans Urs von Balthasar (e que tive de ler para o seminário "Leituras Teológicas de Hans Urs von Balthasar", do curso de Teologia da UCP, que frequento), acerca da relação entre a estética teológica de Balthasar e o projecto de João da Cruz, não pude deixar de me ver cada vez mais seduzido pelo discurso teológico corajoso e radical de Balthasar, e pelo projecto teológico maravilhoso de São João da Cruz, construído como resposta de ruptura à Reforma luterana. É por haver homens destes que duas coisas valem a pena: ser cristão (embora para isto bastasse Cristo...) e ser teólogo (no meu caso, ainda apenas um aprendiz...)!

Música de apoio à selecção: a minha decisão final

Depois de, até aqui no blog, me ter imiscuído na discussão entre Feijões Frades e um movimento suportando Iacob Cavaco pela música de apoio à selecção nacional no próximo Mundial de futebol, tomei a minha decisão. O meu apoio não vai para nenhuma destas canções, mas para uma outra que me chegou via Herman 2010... Chama-se Estou em crer, e é interpretada por Artur Garcia. A minha preferência vai para esta canção, porque:

1. Artur Garcia é um cantor de grande garbo e isso deve sempre ser tido em conta.

2. Artur Garcia tem o carinho da comunidade homossexual, logo representa o Portugal do senhor José Sócrates, moderno e sem preconceitos (ainda que seja um país sem respeito pela vida humana e rompa os princípios do direito, tratando como igual aquilo que é diferente...).

3. Se os Black Eyed Peas cantam "I gotta feeling that tonight's gonna be a good nigh, tonight's the night" Artur Garcia canta "tenho um palpite que esta noite vai ser dinamite", além de usar a palavra doidivanas e falar em beijos na testa e licores a dois, o que supera qualquer Mazel tov dos americanos!!!

4. "Estou em crer" daria anúncios igualmente divertidos mas, por ser em português, não daria lugar à ridiculeira de pôr os jogadores a cantar em qualquer coisa que nem chega a ser, para mim, inglês macarrónico... Os ditos anúncios feitos com os jogadores a cantar "I gotta feeling" são no mínimo anti-pedagógicos (terão o bom efeito de convidar ao investimento no inglês nas escolas...), para não dizer insultuosos no contexto de um país que quer ter um melhor sistema educativo! Nem ponho aqui link para eles...

5. Porque até o vídeo é lindo: vejam-no!