blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

liber

remexo nos bolsos
como se entre os trocos
para o café
pudesse encontrar ainda
a liberdade

à falta de encontrá-la
aí escondida
fecho a mão e sopro
com todas as forças
como se pudesse amarrar
um sentimento de ser livre

mas não houve nada

como há três mil anos
o Senhor não estava no vento
antes na brisa suave
que não desiste de correr
por entre as frestas da janela

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

mouraria

quando te encontrei
numa rua sem saída
carregavas nas mãos
um antigo mapa da cidade,
não um mapa que orienta,
dizias, mas sim um mapa
para te perderes,
para seres conduzida
onde nenhum guia recomenda,
para me encontrares a mim.

fuerteventura

saí na noite
à procura de um lugar qualquer
onde pudesse depositar a angústia
que ficou, que continua por aqui
desde o dia em que pedi que fosses
de vez.
ainda te amo, sabes, ainda te amo,
e também te odeio,
odeio esses cabelos ruivos,
os teus olhos fundos,
o teu cheiro, as tuas gargalhadas
quando ris sem parar.
tenho saudades tuas, amor,
mas preciso de te deixar partir.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

um fogo que arrefece

olhavamos abraçados
a casa em chamas
pensando que nesse fim
pudesse criar-se
um novo começo.
tu choravas copiosamente
lágrimas que anunciavam
a possibilidade do amor.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

fluminis

estava frio,
parei sozinho num miradouro
a olhar o rio,
como se a largura do seu estuário
me desse a resposta
à minha inquietação:
salvar um homem não pode valer,
por vezes, a salvação do mundo?
e o rio seguia calado,
trazendo outras perguntas:
«que espuma é esta
que turva o Tejo?»

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

declamação

qual a palavra mais capaz
de rasgar uma ferida no corpo
e marcar uma cicatriz na alma?

a dita ou a escrita?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

criança

uso pouco a palavra criança,
não sou capaz de a usar.
talvez incapaz de ser criança,
de sentir uma criança interior
ainda tabula rasa e sedenta
e manipuladora e menos pura
do que a pensam, também.
talvez sem coragem
para observar uma criança
a sujar as mãos num lamaçal
e transformá-la em estória.
talvez demasiado desatento,
cego, surdo, mudo,
a precisar de um coração de carne.
um coração pueril,
uma criança futura.

veritas, veritatis

como pedra que atinge
em cheio o centro da testa
a verdade pode doer

que o sangue que escorre
não faça desistir

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

condensação

o som ridículo e irritante
de uma chaleira ao lume
como única memória
da nossa história de amor

depois que partiste
não consigo beber chá