blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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sexta-feira, 18 de maio de 2012

beijos incómodos

"adeus, e beijinhos". "adeus. um beijinho também para ti, junto ao umbigo, do lado esquerdo". "és tão parvo". "sou?". "sim". eu sei. fiz isto de propósito. quero-te deixar na dúvida - gosto da dúvida. vais ficar a pensar se eu não queria algo mais, a mandar-te beijinhos para o umbigo, do lado esquerdo. vais ficar a pensar até que ponto, eu, tão bom observador, não te vi já de alguma forma o umbigo e não o acho bonito ou, pelo menos, especial. vais olhar para o teu umbigo antes de ir para a cama, e adormecer com as mãos lá de volta, do lado esquerdo. vais-te lembrar de mim. até que comeces a olhar com atenção para as imperfeições do teu umbigo - não há umbigos perfeitos, ou ganham cotão ou são daqueles saídos e feios, que revelam falta de cuidado das mães para com os seus rebentos. aí, vais achar que eu só te queria provocar e deprimir ainda mais, já que era, até te ter mandado beijinhos para junto do umbigo, do lado esquerdo, a única pessoa que gosta de ti, e talvez até a menos importante para ti, que não passava o tempo a criticar esses quilos a mais e o cabelo demasiado comprido. "afinal, até este me critica. não tem coragem de falar no meu duplo queixo nem nos meus cabelos espigados mas de certeza que acha o mesmo... o meu umbigo é feio, sim, olho-o e é feio, mas ele não deve ter reparado nele. isto é só mais uma indirecta. estou gorda e feia, e não vêem que estou feliz assim". não, ficas a saber, não. este não critica. este só vai mais longe do que os outros. só arrisca mais que o resto dos homens. só se preocupa mais com as pessoas, contigo, mais do que muitos dos que te levaram para a cama e nem se lembraram que te podiam beijar junto ao umbigo, do lado esquerdo. só quer viver num mundo de risco, de momentos fora do comum, de coisas diferentes. só quer viver num mundo de pessoas que cospem, que coçam os tomates, que riem alto, que cantam e falam sozinhas na rua. mando-te beijinhos para a barriga, perto do teu umbigo, porque não quero um mundo todo muito higiénico e civilizado, onde não haja lugar para olhares que brilham e sorrisos e gargalhadas e olhares arregalados para quem age de forma diferente. um mundo muito higiénico e civilizado não é um mundo de pessoas.

domingo, 6 de maio de 2012

corações avariados

não sei amar como os outros homens. não consigo encontrar ninguém que possa amar como eu quero e que me deixe amar os outros como eu quero. devo ter o coração estragado. o amor estraga os corações, incha-os até que rebentem. há quem diga que a falta de amor seca os corações mas isso deve ser bem mais fácil. morro por amor mas quando depois me apetece ter umas breves ressurreições acabo por estragar tudo. eu não presto. se não morrer não posso amar. se não te deixar viver a ti não posso amar. se não te deixar viver em mim não posso amar. se continuar a ter medo de estragar um coração (será que há mecânicos de corações?) não posso amar.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

o céu é só para os padres

Depois do grande Papa João Paulo II, os Senhores Cardeais elegeram-me, 
simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor.
Consola-me saber que o Senhor sabe trabalhar e agir
 também com instrumentos insuficientes. 
E, sobretudo, recomendo-me às vossas orações.
Bento XVI

certos dias tenho pena de saber ler. certos dias tenho pena de viver num mundo onde as pessoas têm tantas ferramentas para comunicar e, dessa forma, dizerem o que pensam e o que sentem e partilhar isso com quem quiser ler de maneira, digamos assim, eterna. certos dias tenho pena disso tudo porque há pessoas que escrevem coisas que magoam muito outras que têm dois dedos de testa, mesmo quando não se apercebem de o estar a fazer. 
passei cinco anos da minha vida no seminário, e esse tempo, além de outras coisas que me deu, também me permitiu criar laços com padres e com outros que se preparam para o ser. e são estes últimos, e os que são padres há pouco tempo (e que, portanto, ainda conheci na categoria de pessoas que se preparavam para ser padres), que me preocupam mais e que, como dizia, inconscientemente (acredito eu) me magoam e magoam a grande maioria dos cristãos conscientes que há no mundo.
esta gente nova deixou de saber falar sobre a especificidade da missão do padre. não percebem que o que eles têm é uma missão específica, o que é distinto de uma missão diferente, principalmente se entendermos por diferente mais elevado, melhor. enchem a boca para dizer que são os que o Senhor escolheu, que são os que se entregaram totalmente a Deus, que se entregaram ao serviço da Igreja para sempre e outras barbaridades do género. enchem a boca para dizer que são os melhores que a Igreja tem (mesmo que depois completem estas afirmações com o paleio do servo que é indigno de ser chamado a entregar-se totalmente a Deus, ser escolhido por Deus e servir a Igreja para sempre). e este tipo de afirmações magoam-me, e certamente magoarão a grande maioria dos cristãos conscientes da sua missão.
na semana passada, o meu pai andou com uma grande dor de costas, por causa de uma mesa que teve de carregar, sozinho, à conta de uma reunião com pessoas da Igreja. na minha casa é impossível encontrar pessoas na tarde de sábado porque estamos todos a dar catequese. eu faço, neste momento da minha vida, perto de duzentos e cinquenta quilómetros por dia para dar aulas de emrc. a minha mãe dá, feitas as contas, um fim-de-semana por mês para ajudar a formar catequistas na diocese onde vivemos. mas nós, porque não há quem nos ponha as mãos na cabeça quando nos ajoelhamos, não nos entregamos totalmente a Deus. não somos escolhidos por Ele. não estamos eternamente ao serviço da Igreja. nem sequer conciliamos o tempo para esse serviço com o tempo para ganhar dinheiro para poder comer, pagar contas e ainda para ajudar a sustentar os padres que, esses sim, se entregam totalmente a Deus e ao Seu serviço.
a sorte é que ainda me resta um consolo. no fim, se fizer por merecer o Céu, não me vou encontrar com eles. porque, nessa hora, das duas uma: ou eles têm razão e eu, como todos os que não forem ministros ordenados, vou, no máximo, chegar ao purgatório (porque nunca consegui atingir esse estado de vida que me permitisse a união com Deus, que como é sabido é incompatível com o estado laical, particularmente no caso dos que contraem matrimónio); ou eu tenho razão, e a arrogância vai continuar a ser um pecado bem grave, e essas pessoas vão estar no inferno. total e eternamente.
esta tralha toda para dizer: amigos que vão ser ou são padres recentemente, resolvam estes problemas de linguagem (prefiro acreditar que é só um problema de escolha das palavras ou de organização das mesmas) enquanto forem novos. é que, de facto, sem padres não há Igreja, porque não há Eucaristia, mas se não houver pessoas que se reúnam na Eucaristia (e a arrogância de se achar radicalmente diferente, para melhor e mais puro, pode afastar as pessoas), não vale a pena haver padres.