blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Há corações que a razão desconhece

Dia após dia vou confirmando a tese de que os transportes públicos são lugares de experiências teológicas profundas.
Hoje, entre o Marquês e o Colégio Militar, cruzei-me com uma das várias pedintes que andam pelas carruagens do metro. Esta era cega e tentava passar pelas pessoas que se aglomeravam ao pé da porta para continuar a sua jornada. As pessoas, engalfinhadas umas nas outras para tentar sair em primeiro lugar, bloquearam-lhe a passagem e ela decidiu sair ali mesmo.
Ao meu lado, já não tão perto da porta, estava um homem que me havia despertado a atenção por apresentar certos tiques, digamos, "invertidos". Apressei-me a repreendê-lo interiormente por tal coisa e a pô-lo num certo plano de imoralidade intransponível.
O facto é que no meio daquela amálgama de gente à procura de um lugar para sair da carruagem do metro a pedinte ficou esquecida, e quem decidiu lançar-lhe a mão, dar-lhe uma moeda e, sobretudo, dar-lhe um pouco de conversa e um pouco do seu tempo, foi o tal senhor que eu, interiormente, havia morto. Eu, cristão e teólogo, fiz o mesmo que os outros, corri para a porta antes que ela fechasse, preocupando-me apenas comigo e com os meus horários que, diga-se, até nem estavam assim tão apertados...
Esta situação foi para mim como uma daquelas chapadas que levamos na face direita e nos obrigam a oferecer a esquerda.
Um teólogo no uso da sua razão pura, que avalia apenas o exterior das pessoas e se esquece da caridade, é menos que um homem comum. E assim saí do metro a pedir a Deus o dom de uma razão crente, que faça caminhar dos conteúdos da fé para gestos de caridade. Como com Córdula, antes tarde do que nunca. Rezei: Senhor Jesus, Filho de David, tende piedade de mim que sou pecador.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Fragmentos (ii)

Lisboa-Queijas-Lisboa

eu não acredito! o que eu disse foi: era os gajos dentro de um fato de borracha. o branco era uma fera! o vermelho era o chefe mas depois da primeira série deixou. também havia um preto. isso foi em mil novecentos e setenta... mil novecentos e noventa e sete. pode entrar, amigo, eu vou tirar bilhete. boa, boa, 'tá tudo bem. tudo controlado. a vinte e sete junta cinquenta e sete. miséria. nascer uma pessoa, ou anda ou escorrega. e da lareira? tenho uma deficiência na mão. eu nem sei como é que ganho. grita tanto ou mais do que o dinis. mas não sei quem é. pois, é isso que eu estou a dizer. tens viseu para visitar e tens seia. que triste. os pais e tens os convidados. ah, 'tavas aí! começa tão bem e acaba tão mal. à sexta-feira sais. jogando uma cor. não tens? eu só tenho quinze dias de férias. pois... se ela tivesse dito. então qual é a desculpa? azul. amarelo. pimba. é porque eu digo e acabou. diga à vizinha para marcar aí um fim-de-semana. um rapaz. cinquenta e um, cinquenta e três, cinquenta e sete. apanhar o marido ou não apanhar o marido. marido ou namorado. se ela apanha o metro chega a casa. muito giro o filme. então quando forem os dois vai ser lindo. olha outra! compreendem os castigos. quando for os ténis, não, as botas. é só p'ra cima. pais a favor de repreender os miúdos e outros que não. amar é dizer não. 'tava bué da feliz, tinha trinta e nove. têm de preparar as crianças para a sociedade. ela queria sair e não queria que os pais fossem com ela. 'tou de acordo contigo. não tenho de mudar a cor, muda tu. abra a boca, vira a cabeça p'ra cima. aí já estava estável. de mota, com dezasseis anos. mais cinquenta e três, mais trinta. anda ali, amor. a mãe quer ir ao banco. ainda tinha mota, depois vendi-a. à hora que saía de casa e depois quando chegava. a mãe diz que é uma virose. só tive três. olha, anda lá! nunca gostei muito de apanhar sol. não é natural. azul. vermelho. mais horas. o que vale é que somos dois. havia um café na praia. alguém vai mudar o sentido? à partida seriam justificadas. mas nunca são. praia implica férias.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Num campo de jacintos


Amar é sentar-se no chão.

Falem da Cruz e não falem do amor. Falem na caridade.

Eis o Sporting!

Guarda-redes: João Benedito; Defesas: Ricardo Andorinho, Prof. Moniz Pereira, Fernando Mamede e Marco Chagas; Médios: Zhang Yu, Francis Obikwelu, Rui Silva e António Livramento; Avançados: Carlos Lopes e Joaquim Agostinho. No banco estão muitos, muitos outros, mais de cem anos de história prontos a entrar! Que não seja o futebol a matar esta história...

Esforço, Dedicação, Devoção e Glória! Eis o Sporting!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Fragmentos (i)

muito acima de qualquer coisa que saísse do meu próprio punho

estou desempregado desde janeiro. ganha-se bem? posso ir dormir aí? ok. uma pessoa é inteligente. hoje em dia é-se obrigado a pagar tudo, aceita-se a mama toda. as mulheres à luta é só puxar os cabelos. não gastei um único tusto. o gajo punha a gota no meu carro e na minha mota e ainda sobrava para vender. posso, professor? concerteza. então, não combinámos que íamos sentar ao pé da madrinha? não começo a ganhar o ritmo, é peanut. pisa-me os cinco dedos do pé, mesmo todos. eles são uma classe desgraçada! eu não percebo, sinceramente, não percebo. tu pensas que está tudo certo. não sabia. sim... sim. nessa altura tens de questioná-lo.

agradeço ao café "o Moinho", à CML e ao metro de Lisboa, pela inspiração, e à Margarida, pela ideia

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O cristão e "o outro"

Um dos entrevistadores mais chatos que já vi para com o seu interlocutor, foi Nuno Artur Silva, na entrevista que fez a José Tolentino Mendonça no Canal Q [pode ser vista no on demand do canal, no dia 28 de Outubro de 2010, programa Mapa]. Basicamente a única questão que fez (isto é, obviamente, pleonasmo...), reformulada de várias maneiras, foi a de como o padre Tolentino lidava com o facto de ser padre e poeta ou, reformulo eu, de como o cristão padre Tolentino Mendonça lida com o poeta José Tolentino Mendonça. Já a resposta a esta pergunta foi sempre a mesma, que ser padre e poeta é de facto uma tensão, mas que o cristão tem sempre de lidar com isso.
De facto, percebi como isto é verdade. A vida de qualquer cristão é sempre tensão entre a fé e aquilo que ele é no mundo, entre o cristão e "o outro". Todos os católicos têm interesses que aos não cristãos parecem pouco consêntaneos com a sua fé - as tais coisas a que Nuno Artur Silva, na entrevista, chamava "os prazeres". Como é possível um padre fazer poemas sobre John Coltrane e os Tindesticks e o amor? Como é possível um cristão falar de bola como os outros, falar de carros e de mulheres e dessas coisas do homem comum e da arte e da pintura e da poesia e ser artista e músico e o que lhe apetecer?
Julgo que o desafio está no tipo de testemunho que dá da sua fé. O cristão é um Homem, logo os seus interesses são os mesmos dos outros homens - e as privações a que se sujeita, como bem dizia o padre Tolentino, na referida entrevista, são para o ensinar a valorizar mais os momentos em que deve afirmar(-se). Mas é na forma como fala dos seus "prazeres" que o cristão se distingue. Ele sabe o momento de parar, o momento de calar, o momento de guardar algumas coisas na sua intimidade. Porque a relação humana mais importante que tem é com Deus, e essa faz-se no silêncio da oração, esse silêncio que é pedido nos grandes momentos de solidão que são as grandes decisões da vida.

Vamos rezar!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Diógenes

Os Diógenes de Lisboa são: o rapper cego, o rapaz do sobretudo e chanatas, a senhora que pedia à porta do Teixeira nas Caldas - "Tenha a bondade de me auxiliar, 'brigada", o outro senhor cego - "Queira ajudar com a vossa esmola p'fôr", a senhora da malinha das compras e o acordeonista cego. Em vez de usarem lanterna, usam latas e garrafas cortadas e cofrezinhos e caixas de papelão e cabos de vassoura ou de esfregona e sujidade nas mãos e no corpo em geral (fora a senhora do Teixeira e a outra da malinha das compras). Não andam pelo fórum ao meio-dia, antes pelo metro e pelas ruas das dez da manhã às onze da noite. Mas fazem o mesmo, procurar pelo Homem. Será que já encontraram algum Homem?