a ilha sobrevivia ao arquipélago
e exalava uma vida diferente
e ao mesmo tempo estranha:
nunca havia sido pisada pelos homens
e a sua paisagem estarrecia
mas como que se afastava.
impossível como a ilha
é registá-la com o olhar.
a ilha sobrevivia ao arquipélago
e exalava uma vida diferente
e ao mesmo tempo estranha:
nunca havia sido pisada pelos homens
e a sua paisagem estarrecia
mas como que se afastava.
impossível como a ilha
é registá-la com o olhar.
o ruído do vidro no balcão de pedra
confundia-se com o fumo abundante
e com as poucas conversas
que ainda havia por ali:
o ritmo das sementeiras e das colheitas,
a vida dos presentes e a morte
tão constante por ali,
assinalada pelos sinos,
identificando crianças, mulheres e homens.
o sol entrava pela janela,
cortando uma estranha escuridão,
e iluminava copos, um alguidar,
dois barris e um jarro de vinho.
no páteo três pessoas, desinteressadas,
jogavam chinquilho
e confiavam no amor.
entretanto o poema perdeu-se
porque me cansei de procurar
a palavra que lhe trouxesse
a necessária aura de perfeição.
que vocábulo, que verbo
servirá de companhia
para a ideia sanguínea
dos desamores escondidos?
não é fácil, nada fácil,
assumir que ele não existe.
a realidade, no entanto,
eleva-se, assim, sem mistério.
que imagem
para registar o calor?
o cair terno da noite.
que imagem
para registar a angústia?
tu. sempre e só tu.
um último beijo
que ficou por dar
cede lugar a
uma alegria contida
com os teus pequenos
mas variados insucessos.
é a vida a andar para a frente,
uma mentira de que nos
convencemos, acho,
porque a vida está aqui
parada à espera
de outro amor,
um que seja a sério.
uma questão que surge,
de surpresa, no calor da noite:
com que pedras de que casa
construir ruínas sólidas?
já não há construções
a que se possa subir
como se fosse sábado
para ver a banda passar
a tocar canções de amor
já não há canções de amor
nem o amor, tão-pouco.
ao meio-dia as ruas de san telmo
estavam sempre demasiado vazias,
muito sujas, também, muito sós.
ali, desconfiava juan, a vida far-se-ia
nas horas em que o azul celeste
misteriosamente se esconde
e os homens de buenos aires,
demasiado puros para levar
uma prostituta pela mão,
podiam dançar com outros homens.
juan, sentindo-se sozinho,
entrou num bar e pediu
uma fernet branca.
sob uma melodia de piazzola
a bebida talvez fizesse esquecer
o nojo que juan sentia daqueles
que consentiam na cama
quem nunca chamariam para dançar.
na solidão da noite
a oração do monge
que ilumina a sua cela
com uma vela artesanal:
corações ao alto,
mãos cravadas
no fundo da terra.
em noites quentes
ainda me vens à memória,
anjo nu que caminha
serenamente pela neve,
criando um contraste
entre a luz que se eleva do chão
e a tua pele tão morena.
aqui, na caixa de vidro escuro
onde escolhi ficar,
faço por esquecer-te.
a tua luz em mim
fere mais do que ilumina.
velho demais
para entender a linguagem das aves
ainda quero crer
que serei capaz
de transformar as feridas,
minhas e do mundo,
em pedras preciosas.
o cansaço de estar aqui
às vezes cresce tanto,
chega ao tamanho
de monstros que não
podemos medir
que já não dá para saber
a que vazio nos
conseguimos agarrar,
que silêncios nos guiarão
nestes tempos de escuridão.