blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

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sábado, 18 de agosto de 2012

a vida é um sol que se apaga

aproveitava o verão para
na praia
correr atrás do sol

à noite desistia

o sol era para ele um mistério:

porque aparecia todos os dias
se depois decidia fugir?

porque ia embora
mas deixava o calor
e os corpos molhados e desconfortáveis
à noite?

porque era tão importante para a vida
se um dia vai rebentar,
dizem os cientistas,
e acabar com tudo?

porque não lhe bastava?
porque precisava o rapaz de um Deus?
um Deus que corria com ele atrás do sol
todos os dias
um Deus que é mais que o sol

sábado, 11 de agosto de 2012

Mesinha de centro

Hoje calhei a ver uns bocados de mais uma daquelas entrevistas que dão na televisão à tarde. Comecei a olhar para a televisão porque a entrevistada era bonita. Continuei a dar atenção quando a ouvi dizer que vai ser mãe e, com alegria, começou a descrever o mundo novo em que quer que o seu filho viva. Até fiquei contente quando a ouvi dizer que as pessoas precisam de ter mais filhos e que ficam mais completas se tiverem filhos. Isto, claro, até que ela decidiu estragar a pintura (como aquelas mulheres bonitas para quem passamos uma manhã inteira a olhar, numa esplanada qualquer desta vida, até que ela decide bocejar sem tapar a boca com uma mão, mandar um arroto ou fazer uma alarvidade qualquer do género*). 
Quando a velhice veio à baila, a menina dispara que quando começar a sofrer prefere não ficar cá mais. E isto é muito estúpido, porque o mundo é feito de sapatos bons mas também de sapatos apertados. Tem pistas de atletismo em tartan mas também há outras em terra batida e em alcatrão. É feito de salas largas e desocupadas mas também de salas pequeninas com aquelas mesinhas de centro em que podemos bater e aleijar as canelas (sobretudo quando, para poupar, decidimos atravessar a sala às escuras). Não precisamos de encher o mundo de mesinhas de centro para lhes andarmos a bater, mas devemos ter um mundo com mesinhas de centro: podemos bater nelas, sim, mas dão tanto jeito para meter aquela revista, o cinzeiro ou outra coisa qualquer. Muitas vezes, elas acabam por dar alegria à própria casa.
Isto para dizer: não concebo um mundo sem sofrimento. Rejeito um sofrimento provocado (ao estilo daqueles que dizem que precisamos de pecar para valorizar o perdão ou de sofrer para dar o valor ao sofrimento) mas aceito que a dor faz parte da vida. Faz dar mais valor às alegrias, por pequenas que sejam, faz perguntar pelo sentido (o que não é coisa pouca). 
O mundo não precisa de gente que não queira sofrer. E eu não gosto de mulheres que não querem sofrer.

*Esclareço apenas que acho que qualquer uma das três atitudes é igualmente intolerável num homem. Embora eu não tenha o hábito de olhar para homens ficando com uma sensação crescente de interesse que se possa desvanecer.