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sábado, 12 de junho de 2010

Tradição eclesial vs. tradição académica

Ontem, pela noite, passei pelo blog do M.A.T.A., e vi lá certos comentários, de gente favorável ao que designam por "tradição académica", que me levaram a escrever este post.
As afirmações desses cavalheiros fizeram-me lembrar duma conversa que tive, com uns amigos, uma vez que estávamos a ler um flyer daqueles que publicitam material ligado à dita "tradição académica"... A certa altura chega um padre, nosso amigo e professor, ao qual começámos a contar todos os rituais previstos pela dita "tradição" (desde os rasgões que se fazem na roupa (quem faz e onde faz), aos locais onde se colocam aqueles emblemas que me fazem lembrar os remendos que quando era puto se punham nos joelhos, a mais uma série de coisas). Ele vira-se para nós e diz: "Isso? Isso para mim é gente ressabiada por não ter os rituais e a Tradição da Igreja, inventando por isso os seus próprios rituais!"
Já na altura percebi que era de facto esse o ponto da dita "tradição", mas depois de ontem ter encontrado uma entrada de blog onde uma jovem escrevia a história da "tradição académica" (claramente, do ponto de vista de quem lhe é favorável) percebi como ele tinha, de facto, razão. Realmente, em Portugal, desde que há universidades há praxes (no sentido de ritos de iniciação à vida universitária), mas que foram muitas vezes interrompidas por abusos, como a morte de uma pessoa (em 1727) (factos que, julgo que de forma pouco inocente, a dita jovem oculta)... Além disso, a dita "tradição académica" ancestral invocada tem... cem anos! É após a instauração da República que a "tradição académica" se estabelece como a temos hoje. Desde os códigos de conduta, aos dress codes, tudo é posterior a 1910 (o dress code, informação da dita "academista", é de 1957). Trazer os códigos actuais da "tradição académica" para a época da República não é, da minha parte, inocente. A fase da instauração da República é de forte anti-clericalismo, por isso a renovada "tradição académica" surge como forma de dar resposta à necessidade de ter rituais. Os dress codes são claramente uma decalage das vestes clericais (a gravata demonstra o desejo de uma universidade laica, tudo o resto, até a camisa branca, revela uma colagem evidente ao traje clerical (só falta o cabeção)), a invenção de hierarquias tem a ver com o facto de já não haver uma hierarquia espiritual e por isso ser preciso criar outra.
Depois, se a "tradição académica" podia ir buscar algo de bom à Tradição eclesial, não foi... Foi buscar a dimensão de poder - e não a de serviço - ao clero, foi-se apropriar de categorias religiosas para proporcionar actos que muitas vezes são bárbaros e desumanos. Poderia ter ido buscar, ao menos, a capacidade de pedir perdão pelos erros cometidos (se já vi e li gente - os próprios Papas! - na Igreja a pedir perdão pelos erros dos cristãos - desde a Inquisição às Cruzadas, passando pela pedofilia ou o caso de Galileu - nunca vi ou li ninguém da "tradição académica" a fazê-lo; preferem sempre dizer que "esse não é dos nossos")... O problema, é que muitas vezes a própria Igreja - e este é um erro pelo qual, eu, como membro da Igreja, peço perdão - é conivente com estas atitudes, fechando as Missas de Bênção das fitas a quem não for da "tradição académica" (lembro estes senhores padres que a Missa é, por natureza, aberta a toda a gente... Os únicos condicionalismos deviam ser os de espaço...)!!!

Para terminar, gostaria apenas de justificar o uso de aspas sempre que me refiro à "tradição académica". É que, para mim, a tradição académica não é isso. Tradição académica é estudo, investigação, aprendizagem (algo que vem desde a Academia platónica e não desde a Universidade de Coimbra). A verdadeira Academia (a Universidade em si) já permite a esta gente ter aquilo que vão criar por fora (tem sistema hierárquico - os vários graus académicos (licenciado, mestre, doutor), os professores (cuja posição de duces lhes vem por via de conhecimento e não meramente por uma matemática simples do número de anos que se está na Academia (mesmo que não aprendendo nada e nem sequer indo às aulas)); tem dinâmicas de integração (aprender onde são as salas ou auditórios onde se têm as aulas, aprender onde é a biblioteca ou outros lugares de investigação, aprender a investigar, a estudar a sério, a reflectir); tem lugares para premiar o mérito de quem o merece (entregas de diplomas)). Agora, de facto, a verdadeira Universidade não permite (excepção feita a certas aulas com certos professores...) a humilhação gratuita e a selvajaria... E, cada vez mais, me parece que é isso que estas pessoas procuram. Não querem a Universidade como lugar de formação integral do seu ser pessoa mas antes como espaço de convívio e de fazer amizades... Tenho muitos amigos que nunca saberão, por dentro, o que é uma universidade, mas que sabem muito bem o que é convívio e fazer amizades. Sem ser preciso que lhes chamem "bestas"...

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