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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

o lar de idosos

dei por mim a juntar duas experiências. a de ter lido a máquina de fazer espanhóis, de valter hugo mãe, onde este diz que escreve o livro para criar uma terceira idade para si e para o pai, «malucos os dois», e a de ter trabalhado quinze dias na casa de saúde do telhal, precisamente na unidade de psicogeriatria. dei por mim a juntar estas experiências pensando como seria feliz a minha velhice se fosse vivida num lar de idosos com todos os meus amigos e amigas (roubando as palavras a valter hugo mãe, malucos nós todos). ia ser uma constante festa. todos a gozar com a nossa cada vez mais acentuada senilidade, com a baba branca nos cantos da boca, com a incontinência, com as fraldas e os babetes. ia de certeza haver livros, que já só líamos com auxílio de uma lupa. a vantagem é que iam ser só livros bons, dos grandes poetas, dos grandes teólogos e dos grandes romancistas, porque nessa fase da vida já não vão interessar livros de auto-ajuda nem nos vão chegar coisas daquelas novas "espiritualidades" (o que se faz para não referir logo o nome de paulo coelho...). ia haver histórias inventadas sobre donos de cafés que se vestem de mulher no carnaval por causa de uma sexualidade mal resolvida, sobre merceeiros jovens que vendem pacotes de tide, sobre nomes que desaparecem quando camionetas da carreira caem por uma ribanceira abaixo numa viagem às amendoeiras em flor, numa excursão daquelas organizadas por empresas que querem vender colchões e trens de cozinha. ia haver demasiado riso, que vincaria bem quem já ia mais adiantado na incontinência urinária. ia haver demasiada feijoada, cozido à portuguesa, sopa da pedra e coisas que fazem mal. ia haver demasiado vinho e muito pouca água. mas também ia haver bastante lamechice, enquanto se ouviam programas de televisão em altos berros, porque ia haver sempre quem ainda quisesse galar as apresentadoras dos programas da manhã. ia haver lamechice, porque afinal ia sempre haver amor - agapé, que o português é pobre e só tem uma palavra para dizer aquilo que os gregos, e bem, diziam com três. ia haver olhos brilhantes. os meus, os teus e os dos outros todos que lá estivessem.

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