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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

sono (às vinte e três e cinquenta e nove)

muitas vezes quando me dá o sono não sei o que hei-de fazer. custa muito estar sozinho por estas esquinas e ligar-me ao mundo apenas por meio de pilhas de livros por ler, que separo meticulosamente das de livros lidos, e por miríades de aparelhos electrónicos que teimam em dar sinais de vida só com avisos de porcarias por pagar e de porcarias que posso pagar se aproveitar a maravilhosa promoção de não-sei-quantos por cento que inventaram especialmente a pensar em mim, caro consumidor. está um frio da gaita que me dá particularmente nas mãos quando as ponho fora do edredon, vindo da infância, à procura de qualquer coisa, talvez uma lanterna, que nunca encontro, e na cabeça que não consigo pôr por baixo dos lençóis porque isso me asfixia e me assusta. pensar que não estás cá outra vez, que na verdade, bem vistas as coisas, nunca quiseste estar aqui comigo, só faz crescer esse frio do catano, como se o frio me comesse por dentro em forma congelada e depois ultrademolhada, como o bacalhau. o frio ia entrando e congelando os olhos e a língua e a ponta dos dedos das mãos e o fígado e o estômago e os rins, por esta ordem exacta ou por outra ordem qualquer, e depois alguém sádico como tu, que não estás cá nem nunca quiseste estar, ia demolhar os meus órgãos raquíticos e comê-los cozidos e temperados com azeite e sal. uma vez li numa revista de actualidades e coisas sentimentais que o frio se mata com calor de aquecedores a óleo ou de fogueiras mas comigo isso nunca deu porque me chego sempre perto demais da fonte do calor, sempre gostei de chegar perto das fontes, e isso dá-me cores vermelhas nas pernas e nas bochechas e depois dizem-me que andei outra vez a beber de mais. hoje voltei a não beber nada que me faça mal segundo as normas morais das pessoas certas que dormem com este e aquele para subir no emprego e isso aumenta-me o frio. muitas vezes dá-me o sono e entretenho-me a escrever, é a minha forma de contar carneiros, nunca percebi suficientemente de pecuária para os distinguir das ovelhas só pela forma como saltam cercas nos sonhos. hoje foi desses dias, porque olhei para o lado e tu não estás, na verdade nunca quiseste estar aqui.

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