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terça-feira, 1 de março de 2011

Apontamentos para uma teologia do silêncio

Para Juan de Yepes

«Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te.» (Mt 6, 6)

Hans Urs von Balthasar dizia que as grandes decisões da vida, mesmo as que implicam um outro ou uma comunidade inteira, são tomadas em solidão. Pegando nesta sua afirmação, digo que são também marcadas pelo silêncio - a solidão faz-se, normalmente, acompanhar pelo silêncio.
Esta solidão e este silêncio podem ser de dois tipos. Por um lado, podem ser da ordem da angústia, de quem se sente só e sem coragem para assumir as grandes decisões, de quem começa a encarar o dia-a-dia como uma pena. Por outro lado, podem ser da ordem da fecundidade, uma fecundidade de quem, mesmo na solidão, sabe que nunca está verdadeiramente só (por paradoxal que pareça), de quem sabe que há Outro que esclarece, confirma e fortalece o rumo a seguir, de quem sabe que o silêncio não é vazio mas antes a condição sine qua non da escuta - não por acaso fomos criados e queridos com dois ouvidos e apenas uma boca...
O mundo de hoje, muitos o dizem e todos o confirmamos, foge do silêncio: desde o barulho chato dos carros, das motas e dos aviões, aos mp3's, às músicas ambiente dos centros comerciais e do metro e, sobretudo, até dos elevadores, passando pelas formas "visuais" de bloquear os tempos de silêncio, como são os jornais de distribuição gratuita e toda essa tralha...
Também na Igreja se foge hoje do silêncio (não sei se tanto como o diabo da Cruz; talvez até mais...). Isto comprova-se, por exemplo, num olhar sobre a liturgia eucarística. Para muitos, ela hoje quer-se cheia de "coisas" que ocupem o tempo e encham a vista (sobretudo se não previstas no Ritual ou até se contrárias à doutrina da Igreja e completamente desadequadas do momento celebrativo em que são feitas), muitos cânticos muito "animados" e muito próximos dos gostos da nossa juventude, que de outra maneira se afastaria da liturgia (como se não houvesse jovens que gostam de grunge e rock e, simultaneamente, de música litúrgica bem cantada e bem celebrada... Às vezes parecem duras as palavras bíblicas que nos dizem que «para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu» [Ecl 3, 1]).
Foge-se da Missa que fomente momentos de silêncio meditativo, onde se cante música litúrgica e, sobretudo, canto gregoriano (que estimula esse silêncio orante), da celebração que nos transporta do ritmo frenético do dia-a-dia para o ritmo de Deus, lá onde não há espaço nem tempo (só há silêncio).
Precisamos de estar atentos a fenómenos como o de Taizé, que faz sucesso entre os jovens precisamente porque permite experiências de silêncio orante, mas sem querer fazer cópias. Voltemos às nossas raízes: à Eucaristia celebrada e vivida sem pressas, ao canto litúrgico - em particular o gregoriano - bem cantado e meditado, bem tratado, onde se dê especial atenção ao texto que se diz. Ponhamos os nossos olhos na Cruz, lugar de sacro silêncio, ponhamos os nossos olhos no discípulo amado que «viu e [acrecento eu: em silêncio] acreditou» (Jo 20, 8).

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