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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Há corações que a razão desconhece

Dia após dia vou confirmando a tese de que os transportes públicos são lugares de experiências teológicas profundas.
Hoje, entre o Marquês e o Colégio Militar, cruzei-me com uma das várias pedintes que andam pelas carruagens do metro. Esta era cega e tentava passar pelas pessoas que se aglomeravam ao pé da porta para continuar a sua jornada. As pessoas, engalfinhadas umas nas outras para tentar sair em primeiro lugar, bloquearam-lhe a passagem e ela decidiu sair ali mesmo.
Ao meu lado, já não tão perto da porta, estava um homem que me havia despertado a atenção por apresentar certos tiques, digamos, "invertidos". Apressei-me a repreendê-lo interiormente por tal coisa e a pô-lo num certo plano de imoralidade intransponível.
O facto é que no meio daquela amálgama de gente à procura de um lugar para sair da carruagem do metro a pedinte ficou esquecida, e quem decidiu lançar-lhe a mão, dar-lhe uma moeda e, sobretudo, dar-lhe um pouco de conversa e um pouco do seu tempo, foi o tal senhor que eu, interiormente, havia morto. Eu, cristão e teólogo, fiz o mesmo que os outros, corri para a porta antes que ela fechasse, preocupando-me apenas comigo e com os meus horários que, diga-se, até nem estavam assim tão apertados...
Esta situação foi para mim como uma daquelas chapadas que levamos na face direita e nos obrigam a oferecer a esquerda.
Um teólogo no uso da sua razão pura, que avalia apenas o exterior das pessoas e se esquece da caridade, é menos que um homem comum. E assim saí do metro a pedir a Deus o dom de uma razão crente, que faça caminhar dos conteúdos da fé para gestos de caridade. Como com Córdula, antes tarde do que nunca. Rezei: Senhor Jesus, Filho de David, tende piedade de mim que sou pecador.

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