blogue de poesia e teologia.

aqui não se escreve segundo o acordo ortográfico de mil novecentos e noventa.

Pesquisar neste blogue

sexta-feira, 11 de março de 2011

À rasca

ou porque não vou participar em protestos no dia de amanhã

Desde que tenho memória que me lembro de a minha geração ser depreciada. Em pequeno, assentaram-nos (aos jovens e, desde logo, às crianças que a seguir viessem) o cognome de «rascas». Na origem, isso tinha a ver não só com o facto de se achar que era mesmo assim a dita geração, rasca, de reles e ordinária, como pelo uso da palavra pelos mais jovens (foi rasca como podia ter sido «bué», «roscoff», «mallaica» [das palavras mais ridículas que aparecem no dicionário de uma geração; pelo menos usávamo-la ali na zona das Caldas!] ou outra qualquer). Hoje, grace à senhora dona Deolinda, geração «à rasca» ou a da casinha dos pais ou «não posso mais» ou outras partes que tais da mais que famosa canção [para ouvir é clicar aqui], aproveitadas em alguns carnavais.
O facto é que ser à partida depreciado (como é normal na passagem de geração, existe sempre resistência à diferença e à rebeldia, para mais num país onde, de um 25 de Abril para o outro, a diferença e a rebeldia podiam ser muito maiores) sempre obrigou a dita geração a esforçar-se mais, para poder esfregar na cara dos mais velhos (passe a violência da expressão) que afinal não era tão rasca assim.
O problema é que os tempos em que hoje eu e os da minha geração crescemos não são os mesmos dos nossos pais. Crescemos num tempo de mudança, não só no sentido das tais "liberdades e garantias" que a revolução de 74 trouxe, como também de mudança de realidade e mentalidade económica e financeira (a maioria de nós come desde pequenino num dia tanto como a maioria das pessoas da geração que nos precede comia numa semana, e isto, para eles, na melhor das hipóteses; não apanhámos racionamentos nem Grandes Guerras e respectivos pós; tivemos tantos brinquedos na infância como, juntas, as dez gerações que nos precederam). E este é o problema crucial. Vendedores de ilusões à parte - porque "tão ladrão é o que rouba como o que fica à porta", ou seja, só se vendem ilusões, como qualquer outra coisa, se houver quem as compre - o facto é que vivemos com muitíssimo mais que os mais velhos que nós, e habituámo-nos a que assim é que tem de ser. O tal esforço para provar que não somos rascos nunca foi, grosso modo, uma realidade, porque as circunstâncias exigiam e exigem de nós menos sacrifícios que aos anteriores.
Temos hoje a possibilidade de estudar mais (os que hoje andam no ensino básico nem por isso melhor...), de obter qualificações, mas isso levou a que começassem a proliferar cursos de tudo e mais alguma coisa, alguns sem grande aplicação na vida das pessoas, bem como a proliferar vagas em cursos que já se sabe conduzirem ao desemprego, mas as Universidades tornaram-se instituições de solidariedade luxuosa para certos indivíduos e the show must go on [trocado por miúdos, há professores, catedráticos ou não, a ganhar verdadeiros balúrdios, e a forma de não os mandar para o desemprego é continuar a mandar alunos - que paguem propinas - para os cursos onde eles leccionam, mesmo que sejam esses a encontrar depois o desemprego...]. Depois, qualificação obtida, começam os problemas. Não há trabalho na nossa área de formação e - por isto não me manifestarei amanhã - recusamo-nos a fazer outros trabalhos, porque são "menores".
O problema da geração de hoje é a falta de verdadeiros self made men. Os nossos pais eram do tempo dos self made men da construção civil, dos electrodomésticos, dos pequenos impérios das tais coisas "menores" que hoje nem sequer sonhamos fazer. Os self made men da nossa geração entretêm-se a lixar os outros da nossa geração, ocupando sem formação para tal lugares que a exigem e agarrando-se como podem à cadeira, mesmo que isso implique o desemprego ou o trabalho fora da sua área de alguém com mais competência. Os self made men dos anos 70, 80 e 90 tinham de trabalhar para o serem, os de hoje simplesmente tiveram sorte.
Não me manifesto amanhã porque o que tenho é falta de trabalho. Falta de trabalhar mais, de me esforçar mais e de me queixar menos. Generalizo: temos, a geração rasca e à rasca e tudo, falta de trabalhar mais, de nos esforçarmos mais, de vermos mesmo que, como atribuem a Einstein, só no dicionário o sucesso vem antes do trabalho. Quando nos esfalfarmos tanto como os nossos pais fizeram e continuarmos sem alternativas, aí sim, vou convosco para a rua. Por respeito ao meu pai, à minha mãe, aos meus avós e aos justos que me precederam.

Sem comentários:

Enviar um comentário