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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

transparente (dois)

estava eu em algés, num dos meus momentos de solidão ambulante entre autocarros, quando vem ter comigo um homem a perguntar o melhor caminho a pé até à cruz quebrada. só lhe soube dizer que devia tomar o caminho interior, entre os prédios, que é mais abrigado. o homem quis continuar a falar. diz que vai sem destino. cruz quebrada, são pedro, cascais, subir a serra da malveira, andar até cair para o lado e morrer.
a mãe morreu-lhe em setenta, quando ele tinha acabado de voltar do ultramar, entretanto caiu de um sétimo andar numa obra em alverca, não morreu porque Deus não quis, casou, teve filhos, a mulher morreu, os filhos não querem saber dele. está sem nada nem ninguém. a segurança social quer analisar o processo mas demora dois meses e a santa casa só o aceita se houver dinheiro a receber. restam-lhe duas alternativas, andar por andar ou atirar-se para a frente de um comboio. a segunda hipótese não lhe agradou porque era dia e havia muita gente a ver. resta-lhe andar.
estendeu-me a mão, apertei-lha, dei-lhe quase um abraço e desejei-lhe força. ele pôs-se ao caminho, eu fiquei a rezar. não havia mais nada que pudesse fazer. não num país que trata assim as pessoas.

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