Uma das bolhas mediáticas dos últimos dias foi inesperadamente (ou não) fornecida pelo “Osservatore Romano”. Um artigo assinado por Luca M. Possati (um insuspeito especialista em Paul Ricoeur) começava assim: “Poucos o sabem, e fazem de tudo para escondê-lo, mas é verdade: Homer J. Simpson é católico”.
Em dezembro do ano passado, já este autor publicara no mesmo jornal um elogio daquela singular família do desenho-animado, criada pelo genial Matt Groening e que a “Times”, por exemplo, escolheu para figurar na galeria das 100 personalidades capazes de resumir o século XX.
Homer e Bart Simpson são católicos? Pode-se sempre dizer: pelo menos num episódio (que no original se intitulava “The Father, the son & the Holy Guest Star”) ambos se convertem ao catolicismo.O guião é hilariante q.b.: Bart havia sido expulso da escola e a mãe, Marge, decide inscrevê-lo num colégio severo, nada menos que a escola católica de São Jerónimo. Num daqueles comentários devastadores de Homer, ele previne o seu rapaz: “olha que ali não corres apenas o risco de apanhar más notas. Podes mesmo acabar no Inferno”. Bart, porém, para grande surpresa de todos, decide abraçar a fé católica quando ouve o Padre Sean citar Enimem numa homilia e, depois, tocar bateria numa banda só de clérigos. Marge diz-lhe que o catolicismo é como ir ao ginásio: um bando de gente, sentada, em pé, sentada e por aí fora. Mas quando Homer vai ao colégio com o propósito de retirar o filho, contagiado pela simpatia das pessoas, pela oferta de guloseimas e pela ocasião de limpar os próprios pecados através de uma longuíssima confissão, ele regressa a casa também convertido.
Certamente uma andorinha não faz a primavera, e o que define o catolicismo de Homer não é um episódio. É preciso dizer que “Os Simpsons” são a única série televisiva de animação que se permite falar de Deus. O transcendente, a oração e a Bíblia fazem parte do teatro do quotidiano, da sua agitação e da sua quietude. E a irresistível ironia serve para purificar as manipulações desse sagrado que não cessou de pontuar a vida. Quando Lisa, escandalizada com o oportunismo religioso de Bart, lhe diz “a oração é o último refúgio de um canalha”, essa frase faz-nos rir, mas põe-nos no lugar.
José Tolentino Mendonça in Página 1, 21.10.10
Sem comentários:
Enviar um comentário