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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Evangelho segundo "Os Simpsons"

Uma das bolhas mediáticas dos últimos dias foi inesperadamente (ou não) fornecida pelo “Osservatore Romano”. Um artigo assinado por Luca M. Possati (um insuspeito especialista em Paul Ricoeur) começava assim: “Poucos o sabem, e fazem de tudo para escondê-lo, mas é verdade: Homer J. Simpson é católico”.
Em dezembro do ano passado, já este autor publicara no mesmo jornal um elogio daquela singular família do desenho-animado, criada pelo genial Matt Groening e que a “Times”, por exemplo, escolheu para figurar na galeria das 100 personalidades capazes de resumir o século XX.
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Homer e Bart Simpson são católicos? Pode-se sempre dizer: pelo menos num episódio (que no original se intitulava “The Father, the son & the Holy Guest Star”) ambos se convertem ao catolicismo.O guião é hilariante q.b.: Bart havia sido expulso da escola e a mãe, Marge, decide inscrevê-lo num colégio severo, nada menos que a escola católica de São Jerónimo. Num daqueles comentários devastadores de Homer, ele previne o seu rapaz: “olha que ali não corres apenas o risco de apanhar más notas. Podes mesmo acabar no Inferno”. Bart, porém, para grande surpresa de todos, decide abraçar a fé católica quando ouve o Padre Sean citar Enimem numa homilia e, depois, tocar bateria numa banda só de clérigos. Marge diz-lhe que o catolicismo é como ir ao ginásio: um bando de gente, sentada, em pé, sentada e por aí fora. Mas quando Homer vai ao colégio com o propósito de retirar o filho, contagiado pela simpatia das pessoas, pela oferta de guloseimas e pela ocasião de limpar os próprios pecados através de uma longuíssima confissão, ele regressa a casa também convertido.
Certamente uma andorinha não faz a primavera, e o que define o catolicismo de Homer não é um episódio. É preciso dizer que “Os Simpsons” são a única série televisiva de animação que se permite falar de Deus. O transcendente, a oração e a Bíblia fazem parte do teatro do quotidiano, da sua agitação e da sua quietude. E a irresistível ironia serve para purificar as manipulações desse sagrado que não cessou de pontuar a vida. Quando Lisa, escandalizada com o oportunismo religioso de Bart, lhe diz “a oração é o último refúgio de um canalha”, essa frase faz-nos rir, mas põe-nos no lugar.
José Tolentino Mendonça in Página 1, 21.10.10

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