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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Desconstrução de um texto

Na ânsia de dizer mal dos tempos actuais, um certo cavalheiro decidiu pôr no facebook o texto que passo a transcrever a seguir (no final porei o nome do senhor, para verem que não foi alguém fictício):

"Nasceste antes de 1986? Então lê isto... Se não ... lê na mesma.... Esta merece!!!!! Deliciem-se...

Nascidos antes de 1986. De acordo com os reguladores e burocratas de hoje, todos nós que nascemos nos anos 60, 70 e princípios de 80, não devíamos ter sobrevivido até hoje, porque as nossas caminhas de bebé eram pintadas com cores bonitas, em tinta à base de chumbo que nós muitas vezes lambíamos e mordíamos.

Não tínhamos frascos de medicamentos com tampas 'à prova de crianças', ou fechos nos armários e podíamos brincar com as panelas. Quando andávamos de bicicleta, não usávamos capacetes. Quando éramos pequenos viajávamos em carros sem cintos e airbags, viajar à frente era um bónus. Bebíamos água da mangueira do jardim e não da garrafa e sabia bem. Comíamos batatas fritas, pão com manteiga e bebíamos gasosa com açúcar, mas nunca engordávamos porque estávamos sempre a brincar lá fora. Partilhávamos garrafas e copos com os amigos e nunca morremos disso. Passávamos horas a fazer carrinhos de rolamentos e depois andávamos a grande velocidade pelo monte abaixo, para só depois nos lembrarmos que esquecemos de montar uns travões. Depois de acabarmos num silvado aprendíamos. Saíamos de casa de manhã e brincávamos o dia todo, desde que estivéssemos em casa antes de escurecer. Estávamos incontactáveis e ninguém se importava com isso. Não tínhamos Play Station, X Box. Nada de 40 canais de televisão, filmes de vídeo, home cinema, telemóveis, computadores, DVD, Chat na Internet. Tínhamos amigos - se os quiséssemos encontrar íamos à rua. Jogávamos ao elástico e à barra e a bola até doía! Caíamos das árvores, cortávamo-nos, e até partíamos ossos mas sempre sem processos em tribunal. Havia lutas com punhos mas sem sermos processados. Aprendíamos a andar de bicicleta, na bicicleta do pai ou do vizinho e chegámamos a casa com os joelhos todos esfolados. Batíamos ás portas de vizinhos e fugíamos e tínhamos mesmo medo de sermos apanhados.

Íamos a pé para casa dos amigos. Acreditem ou não íamos a pé para a escola; Não esperávamos que a mamã ou o papá nos levassem. Criávamos jogos com paus e bolas. Jogávamos à bola e brincávamos ao pião. Jogávamos à carica e ao berlinde, às três covinhas. As meninas jogavam às padrinhas e saltavam à corda. Brincavam às cazinhas e às enfermeiras. Se infringíssemos a lei era impensável os nossos pais nos safarem. Eles estavam do lado da lei.

Esta geração produziu os melhores inventores e desenrascados de sempre. Os últimos 50 anos têm sido uma explosão de inovação e ideias novas. Tínhamos liberdade, fracasso, sucesso e responsabilidade e aprendemos a lidar com tudo.

És um deles?

Parabéns!

Passa esta mensagem a outros que tiveram a sorte de crescer como verdadeiras crianças, antes dos advogados e governos regularem as nossas vidas, 'para nosso bem'. Para todos os outros que não têm idade suficiente pensei que gostassem de ler acerca de nós. Isto, meus amigos é surpreendentemente medonho... E talvez ponha um sorriso nos vossos lábios.

A maioria dos estudantes que estão hoje nas universidades nasceu em 1986. Chamam-se jovens. Nunca ouviram 'we are the world' e uptown girl conhecem de westlife e não de Billy Joel. Nunca ouviram falar de Rick Astley, Banarama ou Belinda Carlisle. Para eles sempre houve uma Alemanha e um Vietname. A SIDA sempre existiu. Os CD's sempre existiram. O Michael Jackson sempre foi branco. Para eles o John Travolta sempre foi redondo e não conseguem imaginar que aquele gordo fosse um dia um deus da dança. Acreditam que Missão impossível e Anjos de Charlie são filmes do ano passado. Não conseguem imaginar a vida sem computadores. Não acreditam que houve televisão a preto e branco.

Agora vamos ver se estamos a ficar velhos:

1. Entendes o que está escrito acima e sorris.

2. Precisas de dormir mais depois de uma noitada.

3. Os teus amigos estão casados ou a casar.

4. Surpreende-te ver crianças tão à vontade com computadores.

5. Abanas a cabeça ao ver adolescentes com telemóveis.

6. Lembras-te da Gabriela (a primeira vez).

7. Encontras amigos e falas dos bons velhos tempos.

SIM ESTÁS A FICAR VELHO/A heheheh , mas tivemos uma infância do caraças" (Paulo Reis)


Meus amigos. Fala alguém nascido no ano da graça do Senhor de 1986. Descontando os tiques saudosisto-fascistas revelados pelo autor do texto, acho que isto é coisa de um comunista-fascista. Comunista, porque fixa a data de 1986 apenas por ser a entrada de Portugal na União Europeia. Fascista, por este alimentar de um saudosismo dos tempos que já lá vão, normalmente desacompanhado de um desejo de mudar o mundo, hoje, com as armas que nos são dadas hoje, e não com as de há 10, 20 ou 30 anos, quando ainda éramos crianças.

Decidi escrever este texto para informar o seu autor. Informá-lo de que nasci em 1986, fui criança nos anos 90 e ainda caibo em muito do que escreve. Nasci sem computadores, com dois canais de televisão, vi putos a beber água das poças, ficava na rua até à noite, brinquei com carros de rolamentos e nas árvores e comi fruta pulverizada e coisas fora do prazo e fui a tascas que a ASAE encerrou e vi o Michael Jackson a mudar de cor e não, não me lembro dos outros cantores de que fala mas não tenho pena disso porque sou da década dos Pearl Jam e dos Nirvana e porque os bons, mesmo bons, músicos (Beethoven, Mozart e etc.) são intemporais, e não me lembro só de haver cd's porque ainda ouvi muito vinyl, incluída a banda sonora da telenovela Sassaricando, e porque os primeiros leitores de cd's eram coisa para saudosistas burgueses como o autor do texto acima, que gaba o passado mas anda aí a gozar os bens do presente. Porque, e com isto me calo, os que nasceram antes de 1986 foram os que fundaram o BPN e o BPP e o BCP e os que estão no governo e os que fizeram casas e compraram carros e acompanhantes de maior ou menor luxo com dinheiro que chegou depois de 86 e que deviam ter investido na agricultura ou na indústria. Quer um conselho, Paulo? Antes de escrever um texto destes, fale com pessoas da idade que quer denegrir. Ia perceber que a geração de 86 não é nada disto. Já a de 90 (ahah)... Ai, volta Cavaco, volta Soares, volta Salazar!

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