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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

cachimbo e perna traçada

«isto precisa assim mais de uns saraus de poemas, exposições do miró, música vanguardista, 'tá a ver?», e batia com a mão no braço do programador. «a malta precisa de ouvir falar mais no rimbauld [eu nunca li rimbauld mas é citado muitas vezes pelos colunistas], de ver concertos sentados... de boa música, boa música, percebe? música clássica contemporânea». «vamo-nos sentar». traça a perna, saca o cachimbo do bolso do blazer, começa a brincar com o isqueiro e, com a outra mão, a afagar o último livro de um poeta russo, ainda imaculado. «olhe, há um músico mesmo bom para trazer cá mas é caro. isto não é lisboa nem o porto... mas isso não é problema, ou é?». «pois... olhe, pagam mais mas vale a pena. é menos uma pulseira para a esposa». «é isso, é isso. e afastamos aquela gente que faz barulho... por falar nisso, que raio de ideia foi esta de vender cerveja na esplanada? já viu a gente que isto atrai?», e roía-se de inveja dos caracóis do bar em frente. «sabe, aquilo não é explorado por mim. mas vamos lá ver, e para quando um sarau de poesia?». «olhe, a gente junta aqui um grupinho todas as noites, ouvimos um jazzezinho, falamos dos poetas [há anos que tenho dois livros de poemas na mesa de cabeceira, foi a minha criada que mos deu pelo aniversário]. não precisamos de muito mais. uma apresentação de um livro talvez. há aí um rapaz a escrever uma coisas com piada, e dá na rádio. olhe, traga esse!». «então... então... mas doutor, isso vai trazer imensa gente! onde é que a gente os mete? no grande auditório?», e o programador espumava, desesperava. «também precisamos de lhes dar alguma coisa», disse condescendente. «e adeus, professor, agora vou a lisboa ao morrissey. os meus primos todos vão. vai ser giro. aproveitamos para jantar na churrasqueira do campo grande». «boas músicas tem o morrissey, doutor». «pois tem, pois tem! [quem é o morrissey? e a ver se proíbo a minha filha de falar com este gajo. ainda acaba a estudar filosofia. tem é de ser engenheira como a mãe]».

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