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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

na loucura nasce a ternura

afagava a boneca e dizia «doutora, veja como sou carinhoso com a minha filha morta». já não chorava à noite com saudades da filha perdida num incêndio, desde que lhe arranjaram aquele brinquedo de longos cabelos loiros. «tão linda, a minha filha morta. tão calma que dorme nos meus braços. pegue-lhe, doutora, veja, quer-lhe pegar?» «não quero. sente-se melhor? estava a pensar reduzir-lhe a medicação. toma demasiados comprimidos, já não se justifica». «que bom, doutora. sim, agora sinto-me melhor, tenho de volta a minha filha morta. quer-lhe pegar, doutora?» «não quero». a doutora foi embora e pôs no bolso dois comprimidos. não queria pegar na boneca-filha-morta do louco porque lhe fazia lembrar o filho que nunca teve e sempre desejou. doem muito os filhos inexistentes, não se curam nem com mil comprimidos.

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