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terça-feira, 24 de abril de 2012

O que é um monstro?

vai perguntar ao teu senhor
que coisa é uma candeia

Nos últimos anos, têm-se multiplicado projectos em que se transforma lixo em arte (dentre estes, gostaria de salientar o Recicl'Arte, por ser coordenado por duas pessoas que são minhas amigas). Se quisermos olhar mais fundo, iluminados por uma candeia, que ajuda a ver melhor, mesmo de dia (como a que Diógenes usava na Acrópole de Atenas), percebemos que isso pode ser importantíssimo.
Ninguém dá nada pelo lixo. É uma coisa incómoda, feia, suja. Não tem utilidade nenhuma, por isso habitualmente se queima ou se enterra. A nossa sociedade habituou-se a criá-lo mas depois não tem destino para lhe dar. Torná-lo numa obra de arte, e assim fazer dele uma coisa que possibilita uma experiência de encontro com a beleza (se a arte não quiser proporcionar isso, então mais vale que acabe), é olhá-lo com olhos novos. Tornar lixo numa obra de arte é acreditar em causas perdidas, é não desistir, é ver para além do que os olhos vêem.
A arte feita com lixo, em si, continua a não ter, para mim, ainda assim, muito interesse. O que tem mais interesse é levar esse espírito para a vida. Digo isto porque, infelizmente, hoje há pessoas que são como lixo - os monstros. A nossa sociedade criou-as e tornou-as incómodas, feias, sujas. Não têm utilidade nenhuma, por isso as marginalizamos antes de as queimar ou enterrar. Inventámos o conceito de cidadania, que apregoamos por toda a parte, para poder fazer isso (não esquecer que o cavalo de Calígula era cidadão, chegando até a ser cônsul, mas nunca poderia ser uma pessoa...). Queremos bons cidadãos mas esquecemo-nos de procurar boas pessoas. O que podemos fazer, então? Aprender com as pessoas que transformam lixo em obras de arte. Aprender a olhar com olhos novos para quem ninguém olha. Aprender a não desistir de ninguém, a ver para além do que os olhos vêem. Aprender a fazer do outro - de cada um dos outros que se cruzam connosco - uma obra de arte, uma coisa que permita uma experiência de encontro com a beleza. Porque um monstro, como uma garrafa de plástico, pode transformar-se numa peça magnífica. Tenhamos nós candeias para a ver.

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