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quinta-feira, 12 de abril de 2012

o biblós

hoje encontrei uma ex-livreira que anda a aprender a encadernar livros. esse encontro, que não teve nada de especial e no qual só aconteceu ficar a saber que a senhora está a aprender a arte de encadernar livros por causa da falta de vergonha da minha mãe (a falta de vergonha às vezes pode ser uma coisa positiva, como neste caso; pior é quando se é um bicho-das-cavernas-pouco-mais-que-solitário como eu), pôs-me a pensar em duas coisas. 
por um lado, em como deve ser feliz (e em como é, sem sombra de dúvidas, viciante) uma vida em torno dos livros, tanto que quem uma vez trabalha com eles nunca mais os consegue largar. é maravilhoso amar um livro: amar o seu conteúdo, o que transmite, o que faz pensar, o que faz sentir, e amar o livro em si, como artefacto, como obra de arte, como utensílio precioso.
por outro lado, também dei por mim a pensar na situação dos ex-livreiros. as pessoas só se lembram que há livreiros, e que eles são bons e até ganham prémios, quando estes têm necessidade de fechar as suas livrarias. nesse momento, sim, é muito importante para todos que haja ali aquela pessoa que é tão simpática e tão boa a vender livros, quando durante anos a fio ela teve de se aguentar quase por milagre porque ninguém lá ia comprar nada. para a maioria das pessoas, uma livraria deve ser como uma loja de ferraris. é muito bom que a nossa terra tenha uma, para podermos dizer que existe, mas nunca lá entramos, porque não podemos comprar o que lá se vende. no caso dos ferraris, porque não temos dinheiro. no caso dos livros, porque não vale a pena perder tempo com isso, que é mas é coisa de intelectuais ricos ou de gente que não sabe o que é a vida e perde tempo que poderia ocupar preciosamente a trabalhar nas obras ou no campo, onde se sua a sério.
de facto, e era aqui que queria, mesmo, chegar, a verdade é que vivemos num país de pessoas que não lêem. repito, que não lêem. e não estou a falar sequer de ler livros bons, embora isso me preocupe. estou a falar de ler um contrato, ler uma notícia de jornal inteira, sem deixar passar aquela frase que serve de chave de leitura para o artigo, ler a porcaria de um status de uma rede social até ao fim e interpretá-lo melhor do que uma pessoa de dois anos. ler, nem que seja, um talão do multibanco, o rótulo de um pacote de batatas fritas (um dia, contaram-me de um senhor que lia tudo quanto podia, que até apanhava coisas do chão para ler. quando paro em frente a uma montra ou me apanho a ler coisas recolhidas do chão ou coladas em postes e caixotes do lixo, lembro-me de como deve ser sábio esse homem). 
as pessoas acham que ler não é importante e não serve para nada. acham que a matemática é mais importante que saber ler, escrever e pensar. as pessoas acham que a internet e os computadores substituem os livros, como se eles fossem só papel e tinta inúteis. as pessoas acham que não se pode amar um livro. as pessoas acham isto tudo mas depois também julgam que as livrarias, que são lojas, não devem fechar, mesmo que nunca lá vão comprar nada, porque, na verdade, nem sabem muito bem o que se lá vende.

nota do autor: este texto parece acabado à pressão, e foi. estava a ficar demasiado grande e depois ninguém ia ter paciência para o ler.

1 comentário:

  1. Sou, obviamente, suspeito, mas não poderia concordar mais com o que disseste. Lembro-me que, aqui há uns anos, o Miguel Esteves Cardoso (pessoa por quem, reconheço, já nutri bastante mais respeito, do que nos dias que correm) disse, numa crónica ou numa entrevista - creio que numa entrevista biográfica que lhe fizeram, na RTP2 -, que as pessoas deviam criar o hábito de ler, nem que fosse ler as informações nutricionais nos pacotes de cereais, enquanto tomavam o pequeno-almoço. Claro que, enquanto filólogo ou, pelo menos, projecto de filólogo, tenho um pendor normativo-prescritivo um bocado ridículo, e acho que, se é para ler, que se leia o que vale a pena, uma vez que a vida é curta e não cabe tudo o que devia caber, em vez de se perder tempo com Josés Luises Peixotos, Miguéis Sousas Tavares, Margaridas Rebelos Pintos, Paulos Coelhos, Dans Browns, Josés Rodrigues dos Santos e outros, da mesma estirpe. Mas, pronto, essa preocupação académica à parte, bom, mesmo, era que as pessoas lessem. E nem falo da população "leiga" e comum. Que os estudantes lessem, que os professores lessem, que os escritores lessem. Porque a verdade é que já o José Gomes Ferreira dizia, pegando nessa frase tão portuguesa, sempre a puxar o lustro a um patriotismozinho infundado e sem razões de o ser, que alega ser Portugal "o palco dos dez mil poetas", que, se pelo menos um desses dez mil poetas comprasse um livro de outro, sempre eram dez mil livros que se vendiam. O que se passa, hoje em dia, com a "democratização da arte", é que toda e qualquer pessoa acha que sabe e que pode escrever. E escreve. E publica livros. Mas, depois, não lê. Nem quem escreve lê. Para além de que é assustador, por exemplo, que uma instituição (ainda que mais comercial, que necessariamente cultural) como a FNAC faça promoções de troca, oferecendo a saga do Crepúsculo a quem lá for entregar Os Maias. Tudo isto é muito triste.
    Isso, e o país parar para se ver jogar a selecção nacional de futebol, que nunca na vida há-de ganhar nada, mas morrerem poetas e escritores que eram tão bons e nem terem direito a mais de dois minutos num telejornal. Porque o que interessa não é ler. Nem sequer os nossos bons autores. É comprar os conjuntos de folhas encadernadas do José Rodrigues dos Santos, porque ele é repórter e é de fiar, deve ser um tipo que percebe das coisas, e porque o Félix, lá no escritório da EDP, no intervalo para almoço, disse que o livro era muito bom.

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