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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O boi, o jumento e o Papa

O boi conhece o seu dono, e o jumento, 
o estábulo do seu senhor;
 mas Israel, meu povo, nada en­tende.
(Is 1, 3)


Tenho pena, muita pena, que um livro que faz parte do melhor estudo teológico sobre Jesus feito no século XXI, escrito por um dos cinco melhores teólogos católicos do século XX, tenha ficado conhecido apenas por causa de uma questão menor como é a da presença ou não das figuras do burro e da vaca no presépio. Nem tanto por causa da ignorância do jornalista do Público, que deu um novo sentido à palavra "prescindirá" para afirmar que o Papa proibia a presença do burro e da vaca no presépio (essa é uma questão que me interessa como homem que vive na sociedade civil portuguesa; não é tão relevante para mim enquanto teólogo) mas, sobretudo, porque passam quase setenta anos anos da Divino Afflante Spiritu e cinquenta anos do Concílio Vaticano II e ainda continua a ser gritante o afastamento entre o comum das pessoas e a Sagrada Escritura (tanto que muito poucos tinham a noção de que as fontes canónicas [no caso, o segundo capítulo do Evangelho de Lucas] não fazem referência ao boi e ao jumento na cena do presépio).
Outro dado que me chamou a atenção, enquanto teólogo, foi o facto de as pessoas prestarem bastante atenção à suposta palavra de Bento XVI e desatarem a tirar os burros e as vacas dos seus presépios. Isto demonstra um facto curioso. Se é verdade que as pessoas se vão afastando da Igreja institucional, da comunidade cristã enquanto espaço de permanência e fidelidade (se deixam de ser católicos "praticantes" ou, em rigor, fiéis, para passarem a ser católicos culturais, pessoas que se indentificam com algumas verdades do cristianismo e vivem certos valores próprios do ambiente católico mas já não têm ligação a uma comunidade cristã concreta, com a qual deixam de reunir, na liturgia ou fora dela), sobretudo por causa da moral pessoal (em relação à moral social não sinto esse afastamento, e quando o sinto é porque me parece que a Doutrina Social da Igreja não é ainda conhecida e estudada pela maioria das pessoas, a começar pelos próprios católicos), não deixa de se verificar que, pelos vistos, em matéria de liturgia (já explico em que sentido) ainda usam a voz do Papa como algo a seguir.
O facto é que uma certa forma de tradição e de ligação à Igreja permanece por meio destes actos simples de uma certa religiosidade popular cultivada nos tempos litúrgicos mais fortes (Natal e Páscoa, esta última, no caso português, sobretudo no norte do país) e assumiu o lugar de uma liturgia particular que tem o próprio indivíduo ou a família, enquanto grupo homogéneo, como sacerdotes. E em relação a esta liturgia particular as pessoas ainda não perderam a Igreja como referência. Continua a haver um relativo interesse em ouvir o que o Santo Padre diz em relação a estes temas e até em seguir a sua palavra.
Isto pode ser uma oportunidade para a Igreja, se souber perceber que as pessoas ainda continuam a ouvir o Papa e que é preciso que a sua presença nos media se vá tornando menos periférica e mais bem aceite. Pode ser uma oportunidade se a Igreja perceber que, nos próximos tempos, se deve preocupar mais com temas de moral social e, sem medo, temas teológicos e de catequese fundamental que, contrariamente ao que parecia, até interessam às pessoas.
Pode, também, ser uma oportunidade para que as pessoas se aproximem da teologia superior com que foi escrita toda esta obra Jesus de Nazaré, o resultado de uma pesquisa pessoal de décadas. Que, pelo menos, leiam esta última pequena parte da obra Jesus de Nazaré [- A infância de Jesus, São João do Estoril, Princípia, 2012.]

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