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sexta-feira, 18 de maio de 2012

beijos incómodos

"adeus, e beijinhos". "adeus. um beijinho também para ti, junto ao umbigo, do lado esquerdo". "és tão parvo". "sou?". "sim". eu sei. fiz isto de propósito. quero-te deixar na dúvida - gosto da dúvida. vais ficar a pensar se eu não queria algo mais, a mandar-te beijinhos para o umbigo, do lado esquerdo. vais ficar a pensar até que ponto, eu, tão bom observador, não te vi já de alguma forma o umbigo e não o acho bonito ou, pelo menos, especial. vais olhar para o teu umbigo antes de ir para a cama, e adormecer com as mãos lá de volta, do lado esquerdo. vais-te lembrar de mim. até que comeces a olhar com atenção para as imperfeições do teu umbigo - não há umbigos perfeitos, ou ganham cotão ou são daqueles saídos e feios, que revelam falta de cuidado das mães para com os seus rebentos. aí, vais achar que eu só te queria provocar e deprimir ainda mais, já que era, até te ter mandado beijinhos para junto do umbigo, do lado esquerdo, a única pessoa que gosta de ti, e talvez até a menos importante para ti, que não passava o tempo a criticar esses quilos a mais e o cabelo demasiado comprido. "afinal, até este me critica. não tem coragem de falar no meu duplo queixo nem nos meus cabelos espigados mas de certeza que acha o mesmo... o meu umbigo é feio, sim, olho-o e é feio, mas ele não deve ter reparado nele. isto é só mais uma indirecta. estou gorda e feia, e não vêem que estou feliz assim". não, ficas a saber, não. este não critica. este só vai mais longe do que os outros. só arrisca mais que o resto dos homens. só se preocupa mais com as pessoas, contigo, mais do que muitos dos que te levaram para a cama e nem se lembraram que te podiam beijar junto ao umbigo, do lado esquerdo. só quer viver num mundo de risco, de momentos fora do comum, de coisas diferentes. só quer viver num mundo de pessoas que cospem, que coçam os tomates, que riem alto, que cantam e falam sozinhas na rua. mando-te beijinhos para a barriga, perto do teu umbigo, porque não quero um mundo todo muito higiénico e civilizado, onde não haja lugar para olhares que brilham e sorrisos e gargalhadas e olhares arregalados para quem age de forma diferente. um mundo muito higiénico e civilizado não é um mundo de pessoas.

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