sentamo-nos numa mesa de esplanada.
conto-te que escrevo poemas na cabeça,
companheiros dos passeios solitários
pela aldeia, inspirados pelo cantar dos pássaros
de que nunca sei o nome, o ataque certeiro
das corujas ao cair da noite,
um rato grande morto no pátio da escola encerrada,
a cadeira de vime no centro da sala escura
da casa abandonada dos avós de alguém,
antes de os passar ao papel.
já levam duas vidas, quando chegam ao leitor
que finalmente lhes dá onde habitar.
também queria dizer-te que um bom livro
tem que trazer banda sonora,
boas canções para lá do que já ouves,
discos inteiros do coltrane,
bach, bandas punk obscuras do barreiro,
o órgão de messiaen a querer imitar os pássaros.
um bom livro é como um filme de kiarostami,
cinco minutos de uma abelha a voar no deserto.
até aqui fingias interesse, agitavas nervosa
o copo de vinho branco fresco às três horas da tarde,
mas captei finalmente a tua atenção.
quantos olhos tem uma abelha a voar no deserto?
saberá a abelha que o oásis ao fundo
é só o reflexo do sol na areia?
e assim começaste a escrever um poema
dentro da tua cabeça,
talvez um dia o ponhas num papel